Francisco Góes (*)
O
acordo entre Embraer e
Boeing na área da
aviação comercial ainda
tem um longo caminho até
ser sacramentado, na
visão de um especialista
do segmento de
aeroespaço e defesa
(A&D). “Tem muita água
para passar por debaixo
dessa ponte, ainda tem
muita coisa pela
frente”, previu ontem
Sergio Varella, técnico
da área de aviação do
Banco Nacional de
Desenvolvimento
Econômico e Social
(BNDES). Ele participou
de um debate, na sede do
banco, sobre as
consequências da
operação Embraer-Boeing
para a empresa
brasileira e para o
país, em evento
promovido pela
Associação dos
Funcionários do BNDES (AFBNDES).
Varella disse que o
BNDES quer o “sucesso”
da Embraer considerando,
inclusive, o apoio
histórico que o banco
deu à fabricante
brasileira para o
desenvolvimento de
aeronaves e para o
financiamento à
exportação. O estoque de
financiamentos do banco
para a exportação de
aeronaves da Embraer
alcança, no total, US$
21 bilhões, dos quais
ainda há entre US$ 5
bilhões e US$ 6 bilhões
de operações ativas,
segundo estimativas.
Fontes consideram que
Embraer e Boeing devem
tentar avançar na
operação uma vez passada
a eleição presidencial
no Brasil. A velocidade
dessa discussão vai
depender, no entanto, de
quem for o candidato que
ganhar as eleições.
Uma das preocupações do
mercado e também do
BNDES é o que
aconteceria com a
Embraer caso a empresa
não anunciasse uma
parceria depois do
acordo formalizado, em
outubro de 2017, entre a
Bombardier, concorrente
direta da fabricante
brasileira, e o
consórcio europeu
Airbus. Se nada fosse
feito, e a Embraer
ficasse “solteira”,
tendo que enfrentar uma
situação difícil,
poderia haver uma
desvalorização do valor
residual das aeronaves
da companhia brasileira
financiadas pelo BNDES,
o que também seria ruim
para o banco. Havia
ainda o receio, como
resultado do acordo
Airbus-Bombardier, que a
Embraer poderia perder
“visibilidade” de vendas
frente às incertezas
sobre o futuro da
companhia, o que não
aconteceu.
Em
dezembro de 2017,
Embraer e Boeing
confirmaram negociações
para uma combinação de
negócios. Seis meses
depois, no começo de
julho, as duas
companhias anunciaram
acordo segundo o qual
vai ser criada joint
venture na área de
aviação comercial na
qual a empresa americana
terá 80% de participação
e a Embraer, 20%. Os
americanos vão pagar US$
3,8 bilhões no negócio.
Os demais segmentos da
brasileira — defesa,
segurança e aviação
executiva — continuam
sob o comando da
Embraer. Para Varella, a
Embraer não está sendo
vendida, e sim o
principal ativo da
empresa, que é a área de
aviação comercial.
O
professor Marcos
Barbieri, especialista
em aviação da
Universidade de Campinas
(Unicamp), entende a
operação, no entanto,
como uma venda. Presente
ao debate ontem no
BNDES, ele considera que
um dos problemas da
operação é o “timing”.
Disse que o acordo foi
anunciado em um momento
em que a Embraer está no
seu “auge”, com o
lançamento de uma nova
família de aeronaves
comerciais, a E2, e
perto de lançar o
cargueiro militar, o
KC-390, em 2019.
O
problema, segundo
Barbieri, cuja tese de
doutorado trata da
dinâmica da inovação na
indústria aeronáutica
mundial, é que Brasil e
Estados Unidos têm
posições negociadoras
muito diferentes no
momento. "Estamos
negociando em um momento
[ruim] para o Estado
brasileiro e na véspera
de uma eleição. Já os
Estados Unidos estão com
força para negociar e
fazer acordos", disse
Barbieri.
Na
visão dele, uma parceria
para a Embraer pode ser
positiva, com a Boeing
ou com outra companhia,
mas não da forma como o
acordo com a fabricante
americana foi anunciado,
transferindo 80% da
aviação comercial da
Embraer e “sem
garantias” para a
empresa. Para Barbieri,
o acordo anunciado
atende a “todos” os
interesses da Boeing,
mas deixa uma série de
dúvidas sobre o futuro
da Embraer.