Reflexões sociológicas sobre as redes sociais num país tropical

Sérgio Foldes Guimarães

Analista de Sistemas do BNDES

Recente pesquisa1 analisou a rede de relações sociais na Alta Administração do BNDES até os anos 2000. O trabalho tem muitos méritos, incluindo documentar histórias conhecidas por quem trabalha aqui há muito tempo e alertar os que acham que nada existia antes deles e que nada existirá depois. Então, como será que as pesquisas futuras analisarão nossas redes?

É importante que reflitamos sobre o Banco, incorporando variáveis derivadas das análises de redes sociais, teoria hoje aplicada a problemas em diversos campos, incluindo finanças e governança.

A sociologia estuda comportamentos nas empresas que fogem da racionalidade esperada numa burocracia weberiana, que tem suas disfunções. Note-se que isso não é uma jabuticaba, mas tem particularidades por estarmos numa organização de estado, com carreira de longo prazo, concentrada em um prédio, onde as relações são fortes.

Em qualquer organização, a importância das redes de relacionamento é enorme. As redes se configuram e reconfiguram ao longo do tempo. Somos nós, elementos e atores nelas. Laços nos ligam, mas nem sempre nos unem...

Desde o ano passado me dedico a pesquisa no Doutorado, mas não estou tão ausente. Não entendo tudo que acontece, mas pesquisa recente da AFBNDES mostra que a grande maioria no Banco também não. Com o distanciamento crítico, julgo que a Administração e a Associação querem o melhor para o Banco.

Temos muitos desafios de comunicação interna para superar, óbvios quando o VÍNCULO é mais claro e efetivo que o quadro de avisos. E não é culpa dos redatores, é a dificuldade de explicar as mudanças no nosso contexto, entender como os nossos laços serão afetados. Laços fortes dão coesão orgânica e força nas crises, permitem ou evitam mudanças. Laços fracos permitem inovação e discussão de ideias fora da caixa, por estarem mais distantes do group thinking. Como estão nossos laços hoje?

Talvez novamente falte a percepção se todos entenderam o que está sendo discutido e mais ainda se quem está de fora irá entender, ainda que as decisões sejam plenamente justificadas. Erramos na comunicação antes e agora é preciso ainda mais cuidado...

Temos questões geracionais importantes. Temos ainda outras variáveis (como a incorporação) para tornar mais complexos os impactos dessas questões na gestão meritocrática da organização. Fugir dessas discussões nos custou muito na FAPES, apesar de toda honestidade e capacidade dos envolvidos. Negar a existência de conflitos não os extingue. Empurrar os problemas para frente não tem sido uma boa solução, fazer as coisas de afogadilho também não2.

Por que não amadurecer a discussão? Não é para ganhar tempo, nem negar a realidade, mas ignorar a voz das massas, interna e externamente, não foi bom...

Perder a relevância econômica tem preocupado a casa, cheia de diagnósticos pessimistas. Precisamos mudar o modelo mental para ganhar competitividade, mas se o cenário de curto prazo não ajuda, não é melhor refletir e ponderar as ações?

Na política, muitas reformas camuflam disputas de poder, refletidas em quantitativos e cargos, naturais em quem busca a formação de alianças e redes de apoio. No nosso caso, ignorar essa interpretação política da discussão envolvendo a Administração e a AFBNDES é tirar a legitimidade de ambos.

Discordo de algumas visões da AFBNDES e de algumas propostas da Administração, mas não duvido que existam argumentos para ambos os lados. Concordar automaticamente e buscar implementá-las sem reflexão crítica coletiva ou busca de melhorias é o que é perigoso e não aderente a nossa cultura.

Cabe à AFBNDES questionar a oportunidade das mudanças e à Diretoria a última palavra, mas é saudável a discussão de premissas e de alternativas.

Estamos sujeitos a críticas, por ação ou omissão. Nenhum indivíduo ou instituição é perfeito. Acreditar na pura motivação racional e na falta de alternativas é subestimar a casa, que sempre teve capacidade para arredondar quadrados e chutar bolas para o mato, dependendo do jogo.

A vida e o mundo dão voltas, e tendo vivido mais tempo dentro que fora do Banco, gostaria de confidenciar que foi com espanto que entendi alguns aspectos culturais nesses meus 25 anos de BNDES. Logo percebi um ambiente de excelência, honesto e ético no relacionamento com os clientes, mas também uma cultura corporativa com visões feudais, com áreas consideradas mais "nobres" que outras. Discussões sobre o uso, destinação ou centralização de recursos podiam ter argumentos racionais, mas o que estava subjacente era a dinâmica de "poder", variável política omitida que explicava a disputa por quantitativos e cargos. Hoje entendo que esses são fenômenos usuais em organizações complexas, com uma dimensão política.

Aspectos dessa cultura se revelaram pela repetição de frases que me causavam certo estranhamento, mas que eram inerentes ao ambiente que vivíamos e parte da regra não escrita do jogo corporativo. A mais emblemática é "Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte". Outra frase frequente me foi lembrada em brincadeira recente relacionada ao Banco: "Não se esqueça dos amigos". É importante não misturar as coisas...O ambiente mudou e práticas consagradas geram cada vez mais estranheza.

Nosso planejamento3 evoluiu do BSC para a visão do "elefante", mas powerpoints e discursos racionais à parte, omite essa variável política. Se os dados não a explicitam, inúmeras reflexões independentes revelam a importância dessa variável, pelo menos na imaginação coletiva.

Poder deslocar pessoal quando há demanda, criando os incentivos para isso, é natural. Mas não é razoável arbitrar agora a necessidade futura de quantitativo das áreas, se não existe clareza de carga de trabalho. Um indicador rápido e imperfeito, o número médio de horas trabalhadas, nunca foi levado a sério nas discussões. Repensar processos e aumentar a produtividade deveria ser melhor que deslocar pessoas, mas não parece prioridade. Consultorias foram contratadas para isso e nada mudou nas áreas "nobres", hoje com fraca demanda. Será que esquecemos de novo a variável omitida?

Uma análise isenta do momento que vive o Banco não pode ignorar que muitas variáveis se confundem em significado, gerando inconsistências entre o discurso e a prática. O diagnóstico de excesso de cargos e preocupação com custos e competitividade faz sentido, mas que tal incorporar mais variáveis ao debate? Mesmo injustamente, uma parte da sociedade não vê sentido na nossa atuação em alguns setores. E se a visão dos vencedores da eleição for diferente da atual, qual terá sido o saldo da reforma?

Sabe-se que as consultorias legitimam a vontade dos clientes, independentemente do sucesso da implementação. São veículos para promover o isomorfismo organizacional e dar legitimidade às mudanças desejadas. Tem seu valor, mas o histórico de consultorias contratadas pelo Banco relativiza as suas recomendações.

O Banco precisa de renovação, de meritocracia e experiência. Como reconciliar essas questões num cenário de enxugamento de cargos? E as seleções de executivos? Quais os critérios?

Algumas dessas perguntas são feitas com verve pelo Paulo ("nenhum parentesco") aqui no VÍNCULO. Outras são feitas no Mini-IMPM, ótima iniciativa coordenada pelo Faveret, com patrocínio do Ricardo, uma adaptação do treinamento gerencial idealizada pelo Prof. Mintzberg (www.impm.org), que vai além das técnicas transmitidas nos MBAs. Mostram que estamos preocupados com o futuro, que existe o consenso que mudanças são necessárias.

São perguntas frequentes e legítimas. Ignorá-las não ajuda a convencer corações e mentes de que estamos no caminho certo – há dois meses das eleições. Reformas têm altos custos de transação, que podem afetar ainda mais nosso clima organizacional. Me auto parafraseando, penso que: "O fato de se poder fazer alguma coisa não deve ser o motivo para fazer algo, se os méritos não forem suficientes e os riscos bem pesados".

Penso nos diversos organogramas que vi, para todos os gostos. Não devemos retroceder o organograma nem 2 nem 25 anos, mas construir o que fizer sentido, inclusive o clima e os nossos laços, abalados por mudanças mal comunicadas e consecutivas reestruturações.

Assim, entre o imobilismo e o ativismo, qual o caminho tomar, que não pareça provocação nem medo? Hillel já perguntava: "Se não eu por mim, quem por mim? Se eu for só por mim, quem sou eu? Se não agora, quando?" Milênios depois, qual nosso contexto? São várias questões em aberto, já que sabemos que ajustes acontecerão a partir de janeiro, de dimensões imprevisíveis.

Não nego a realidade nem subestimo as dificuldades que a Diretoria enfrenta nesse nosso país tropical. Por isso, debatermos os entraves para o desenvolvimento, incluindo os internos, é importante.

Grandes avanços aconteceram em temas complexos, como na digitalização e na proposta de reforma do PBB. O bom caminho trilhado na reforma do PBB é um exemplo do que pode ocorrer na discussão das reformas internas do BNDES. Foi um passo importante no apaziguamento de questões geracionais importantes e no restabelecimento da confiança interna. Outros passos serão necessários.

Me preocupa que nossos band leaders não consigam nos convencer do timing de algumas propostas, seja em Brasília ou aqui, como diria outro Jorge. Me preocupa também que a torcida do Flamengo, da qual faço parte, não reconheça a necessidade de mudanças, que devem ser discutidas de forma geral.

Virar o Banco de cabeça pra baixo à toa não é bom, deixar o barco afundar tampouco. Esperamos seguir os líderes, mas por quanto tempo, a essa altura do campeonato?

___________________

1 Kluger, Elisa – Meritocracia de laços – Tese de Doutorado em Sociologia na USP – 2017. Link para o resumo, que ressalta o oximoro do título: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-06022017-113838/pt-br.php.

2 Quando decidiram fechar a subsidiária em Londres, não atentaram que ela era lucrativa e só poderia fechar as portas em 2020. Recentemente, uma representante de um Investment Bank visitou o Banco para oferecer um produto. A resposta que foi dada, que a surpreendeu, era que o Banco já conhecia e tinha executado com lucro a estratégia no passado recente, mas que não era mais possível sem a PLC operacional...

3 A propósito, o bom artigo do Mauricio e do Victor no Globo termina dizendo: "Também um debate complexo não deveria ser simplificado por visões fragmentadas. A discussão do papel do BNDES precisa evoluir para uma compreensão sistêmica e multifocal de sua atuação, havendo muito a fazer pelo Brasil em qualquer lente que se sobreponha no debate eleitoral de 2018".

 
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