Estranhei que não
havia as moças com a
lista de presença
(havia me inscrito
na primeira hora).
Vazio, certamente:
os quitutes de café
da manhã
virtualmente
intactos. Mas como a
cerimônia de fato
começaria lá pelas
dez, depois da
apresentação da
Visão 2035 conduzida
por alguns colegas
da AP; e como
conheço o fuso
horário peculiar do
BNDES, não
estranhei.
Na primeira fila,
Eliane olhava
frequentemente pra
trás, com seu rosto
de mocinha da
nouvelle vague
um quarto de século
depois. A expressão
transmitia uma
perplexidade. Era
com o vazio na sala?
Era com o fato de
que nem 2% dos
funcionários se
dignaram a descer
para o que era a
anunciada despedida
de um presidente?
Gente de fora havia,
não só no palco, mas
na plateia. Gente de
qualidade, gente com
história: galardões
e trajetória, bispos
e peões. Mas a
tragédia que se
desdobrava ali – a
tentativa de resgate
de alguma grandeza
perdida na história
do Banco e da
República, uma
espécie de procissão
(em filme dos anos
50) levando o faraó
à pirâmide que ele
construiu para sua
glória rumo a um
além onde ele
presidiria não mais
o Banco, mas a
República – a
tragédia era outra.
Lear. O abandono.
Rabello estava
nitidamente
incomodado.
Não sei se por
acidente ou ironia,
em momentos
diferentes ele
sentou na sua
cadeira seu camarada
Casper da
Costa e o
ex-roqueiro RR.
Talvez querendo
dizer: "olhem, esse
é o silêncio pelo
qual vocês tanto
batalham" (na
coletiva final
esteve Cordélia ao
seu lado). Rabello,
que cá chegou
distribuindo
medalhas (e dando
palco a Skaff);
Rabello, que disse
eppur si muove
ao decorar a medida
provisória da TLP;
Rabello, homem que
veio para dourar o
pato do golpe,
estava ali, um "pato-lamê"
com seus fios
dourados.
Não só houve
medalhas – também
discursos. Alguns
bons,
supreendentemente
bons. Aos que se
dispuserem a ver,
acreditem: a moça da
Força Sindical fez
uma apresentação
extremamente
profissional, talvez
a única que de fato
dialogava com o 2035
do qual se tratava
ali; o cara do TCU
fez uma interessante
observação sobre a
ausência de
"emprego" na
estratégia do Banco.
Villas-Boas,
Paulinelli, o cara
da Fiesp, a senhora
da Confederação de
Transportes
perguntando na
plateia, mesmo a
pesquisadora da
Embrapa que só
tratava de comida
foram interessantes.
Sim, houve coisa
abaixo da crítica,
pelo menos três
exemplares da
indigência do
establishment de
economia que o Taleb
tanto espanca em
seus textos. Sim, o
único sobrevivente
dos
cinco mosqueteiros
de Temer reclamando
da Constituição como
se Temer não tivesse
sido
deputado
constituinte
do partido
majoritário – e
certamente votado a
favor de mais de 90%
do que entrou no
texto final. Sim, o
nepote de um
dos papas de nossa
Ciência Econômica
pontificando o sonho
de cinco
porta-aviões numa
marinha de um Brasil
potência em 2035 (e
sendo trolado pelo
comedido e sensato
comandante do
Exército) como se
fossem Audis na
garagem de um
jogador de futebol.
O presidente
anunciou um
conselho de notáveis
para trazer luz ao
nosso Conselho de
Administração,
analisar e validar
as estratégias do
BNDES (1952-) em
relação ao futuro.
Ellen Gracie
(1948-), Delfim
Netto (1928-),
Ozires Silva
(1931-), Alysson
Paulinelli (1936-),
Carlos Ivan Simonsen
Leal (1957-), Gastão
Toledo (194?-),
Sérgio Moreira Lima
(1949-), General
Villas Boas
(1951-)... alguém
versado em
estratégia como
Carpegiani (1949-)
ou Zagalo (1931-)
cairia aí como uma
luva. Maria Silvia
(1925-2013)
certamente não teria
uma ideia tão
criativa em direção
a um capitalismo
popular quanto
juntar tão
visionário grupo.
(Observação:
desligando a ironia,
o mais velho dentre
eles é justamente o
único que eu
chamaria para um
conselho dessa
natureza. Talvez por
isso tenha sido o
único a ser alvo da
atual esculachocracia
policial-judiciária)
Em sua coletiva
final ele falou que
dedicaria os
próximos dias a
orar. Como membro do
rebanho político do
Pastor Everaldo
(notável por sua
corajosa defesa da
privatização da
Petrobras e
por suas
perguntas a Aécio),
a
Oração Penitencial
certamente não fará
parte de suas
meditações.
Pensamentos e
palavras tiveram
destaque em sua
passagem, em livros
e documentos
publicados sob seu
comando. Mas
faltaram atos,
sobraram omissões.
Há quem veja valor
nisso. A quem ache
que boas declarações
sejam o suficiente
para salvar, que
piadas como os 210
bilhões de
desembolso (80 bi de
operações, 130 bi de
devolução não
reembolsável ao
Tesouro) são o
bastante, digo: não,
não são. De alguém
que usa a palavra
"lastro" em suas
propostas
privatizantes eu
posso esperar um
nostálgico,
anacrônico
desenvolvimentismo
da boca para fora.
Me surpreenderia se
o ouvisse falar, por
exemplo, em
segurança alimentar
ante ao aquecimento
global – não no
sucesso do
agronegócio.
Genesis 41
não faz parte do
Livro mercado, bem
como
Levítico 25.
Rabello viajou o que
pôde, o que, na
minha irrelevante
opinião de índio, é
exatamente o que um
presidente do Banco
deveria fazer. Mas
pra que isso tivesse
funcionado ele
precisaria ter tido
alguém que
conduzisse seus
affairs
internos, um Pio
executor de seu
poder. Rabello
entregou o Banco à
autogestão achando
que chiliques
motivacionais via
vídeo e whatsapp
bastariam. Sob seu
apagar das luzes se
fez (quem sabe se
acabará
fondo
– vejam que falta
faz Carpegiani!)
este rodízio de
diretores sem se
combinar com quem
viria a
substituí-lo. Sob
sua gestão a
desenfreada ação
entre amigos passou
a ser travestida de
seriedade técnica,
appetizer de
um improvável (mas
não impossível)
governo Bolsonaro
entre outras coisas.
Tudo isso divide.
Desmotiva.
Maria Silvia saiu
por vontade própria,
fugindo da
artilharia que viria
sobre um governo
Temer com o qual ela
não era tão
comprometida assim.
Rabello também sai
por sua própria
conta. Move-o a
megalomania? Sei lá.
Sai daqui sem ser
Mito, sem ser muito
mais do que mais um
retrato na parede.
Mas teremos saudade.