"... Tenho pena
daqueles / que se
arrastam até o chão
/ enganando a si
mesmos / por
dinheiro ou posição
/ Nunca tomei parte
/ nesse enorme
batalhão / pois sei
que além de flores /
nada mais vai no
caixão...",
José Batista e
Wilson Batista, em
"Meu Mundo é Hoje",
gravada por Paulinho
da Viola em 1972
O BNDES tem
enfrentado diversas
situações que
prejudicam
fortemente sua
capacidade de
cumprir a missão
para a qual foi
criado, há quase 66
anos. A primeira que
se deve mencionar é
a mudança na
remuneração de sua
principal fonte de
recursos, com a
substituição da TJLP
pela TLP, que na
prática elimina a
utilização do FAT
como instrumento
básico da sua
atuação como banco
de desenvolvimento,
sem que haja
substituição por
outro, como isenção
fiscal de suas
operações de
crédito, por
exemplo.
Em segundo lugar,
destaca-se a
devolução dos
recursos aportados
pelo Tesouro
Nacional, de R$ 100
bilhões em 2016,
mais R$ 50 bilhões
em 2017, com
previsão até agora
de mais
R$ 130 bilhões para
2018, sob a
justificativa de
colaborar para a
redução da dívida
pública. Essa
justificativa não
resiste à mais
básica análise de
finanças públicas,
uma vez que essa
devolução permite ao
governo reduzir a
dívida pública
bruta, mas não tem
nenhum impacto sobre
a dívida líquida
(assim como também
não teve o aporte
dos recursos, pois
feitos em forma de
dívida do BNDES para
com o Tesouro), que
é o conceito
relevante, conforme
ensinam os livros
básicos de finanças
públicas adotados em
qualquer curso de
graduação em
economia.
Em terceiro lugar,
temos vivenciado a
criação de controles
e exigências para se
aprovar operações
cada vez mais
complexas e difíceis
de atender. Estamos
sob a tutela de
órgãos de controle
como TCU, CGU, Bacen
etc., que extrapolam
a sua atribuição
legal ao determinar
qual a política que
o BNDES deve adotar,
como é flagrante no
caso do apoio à
exportação de
serviços de
engenharia.
Dezenas de colegas
foram vítimas de
condução coercitiva,
o que coloca as
áreas operacionais
do Banco em posição
totalmente
defensiva,
paralisadas pelo
medo. O resultado é
uma migração maciça
de funcionários das
áreas operacionais
para as áreas meio,
a redução da
capacidade da
instituição de fazer
operações de forma
ágil e total
desincentivo à
criação de formas ou
estruturas
operacionais
minimamente
inovadoras.
Finalmente, passamos
por dois processos
de re(des)estruturações
em menos de dois
anos, o que
desorganiza o
dia-a-dia da casa e
dificulta a
manutenção das
atividades em seu
curso normal.
Em suma, estamos
entregues a uma
verdadeira Operação
Desmonte, liderada
por um governo
cleptocrático, que
tem promovido uma
desconstrução da
democracia (a
avaliação não é
minha, é do
cientista político
Paulo Sérgio
Pinheiro, exposta no
programa Entre
Vistas, do
jornalista Juca
Kfouri1) e cuja taxa
de aprovação nas
pesquisas de opinião
tem variado entre 3
e 6%.
Um governo que
representa
interesses
contrários ao
desenvolvimento do
país, que tem
promovido reformas
que inviabilizam o
Estado como indutor
ou líder de qualquer
ação positiva para
os interesses
nacionais.
Esse movimento foi
um pouco amenizado
pela postura do
presidente que
acabou de sair, que
teve a coragem de
enfrentar a área
econômica do governo
(liderada por um
banqueiro americano)
em relação à TLP e à
devolução de
recursos ao Tesouro,
mas que por outro
lado deu
continuidade a um
processo de
planejamento
estratégico que
parece ter como
objetivo preparar o
Banco para uma
realidade de país
desenvolvido, como
se, apenas por que
as taxas de juros
estão baixas, o
desenvolvimento
fosse acontecer por
geração espontânea,
sem a necessidade de
formulação de uma
estratégia nacional
de desenvolvimento
que contemple a
atuação do BNDES
como verdadeiro
Banco de
Desenvolvimento.
Estamos reinventando
o Banco de modo a
afastá-lo da sua
missão, adotando uma
lógica e critérios
eventualmente
adequados às
corporações
privadas, mas que de
modo algum fazem
sentido em uma
instituição pública.
Dentro desse
contexto, a chegada
do novo presidente
parece indicar que o
processo seja
fortalecido, em
especial em relação
à devolução de
recursos ao Tesouro.
O que pode nos dar
esperança de reunir
condições de reagir
a esse desmonte e de
alguma forma
revitalizar o Banco
como indutor do
crescimento da
grande indústria, da
infraestrutura e dos
investimentos em
setores de alto
conteúdo tecnológico
é o fato de que esse
ano o país vai
eleger um novo
governo. E essa é
uma oportunidade que
não temos o direito
de desperdiçar.
Precisamos
aproveitá-la para
fazer uma defesa
política do BNDES e
do Desenvolvimento
Econômico perante a
sociedade. E com o
termo sociedade não
me refiro aos grupos
que controlam a
grande mídia e seus
sócios do mundo das
finanças que dão
sustentação ao atual
governo e aos
excessos dos órgãos
de controle em sua
ação de desmonte do
Estado brasileiro.
Com o termo
sociedade me refiro
à população em
geral, aos eleitores
que votarão em
outubro, e que
estarão mais atentos
aos debates que
certamente surgirão
durante o processo
eleitoral.
É preciso que o
BNDES participe
ativamente desses
debates e construa
espaços para mostrar
ao eleitor comum que
as políticas
liberais não vão
levar o país a ser
desenvolvido, nem
mesmo tanto quanto
Portugal (se é que
se pode considerar
Portugal um país
desenvolvido). E
mostrar aos
candidatos que esse
eleitor médio anseia
por uma estratégia
que aponte para o
Brasil um futuro de
país verdadeiramente
desenvolvido.
Um ponto de partida
para construir um
discurso
pró-desenvolvimento
que possa ser
entendido e apoiado
pela sociedade
talvez seja olhar um
pouco da história do
desenvolvimento
brasileiro. No
período de 1930 a
1982, o Brasil saiu
de uma economia
basicamente
agrário-exportadora
para ser uma das 10
maiores economias do
mundo, com uma
estrutura produtiva
industrial das mais
diversificadas do
mundo.
Do ponto de vista
político, é
importante destacar
que o país teve
durante esse período
governos de diversos
tipos: ditadura
varguista; governos
eleitos
democraticamente,
uns mais
conservadores outros
mais progressistas;
ditadura militar
etc. Mas todos eles
tiveram que pensar
formas de promover o
desenvolvimento
econômico, pois essa
era uma ideia
hegemônica na
sociedade,
independente do
caráter específico
de cada governo.
Esse processo teve,
a partir 1952, a
importante
participação do
BNDES, que cumpriu
então sua missão de
forma
extraordinariamente
bem-sucedida. Nas
suas três primeiras
décadas de
existência, o Banco
ajudou a promover o
desenvolvimento
industrial e da
infraestrutura
econômica
brasileira, que
resultou em altas
taxas de crescimento
econômico (média
anual de 6,8% ao ano
entre 1952 e 1982),
tendo sido
participante ativo
dos diversos planos
e políticas de
desenvolvimento
estabelecidas pelos
governos do período.
No início da década
de 1980, no entanto,
a economia
brasileira sofreu
duro golpe com a
crise da dívida
externa, o que levou
ao predomínio das
preocupações com a
situação de curto
prazo, prejudicando
fortemente o esforço
de planejamento e de
formulação de
políticas de
desenvolvimento. Foi
a chamada década
perdida, na qual a
taxa média de
crescimento foi de
apenas 2,0% ao ano
(entre 1982 e 1992),
inter-rompendo-se
assim a trajetória
de forte crescimento
do período anterior.
A partir da década
de 1990, isto é, nos
últimos quase 30
anos, o panorama
político se
modificou
radicalmente. Cessou
a hegemonia do
desenvolvimentismo e
passaram a
predominar na
política nacional (e
mundial) as ideias
de caráter
neoliberal, segundo
as quais o Estado
deve interferir o
menos possível nos
rumos da economia.
Assim, o que se viu
foi um abandono da
própria noção de
planejamento e da
própria noção de que
faz sentido pensar
em desenvolvimento
como uma estratégia
nacional.
Nessas
circunstâncias, não
é de surpreender que
o BNDES tenha se
afastado de sua
missão original e
passado a atuar na
dependência da
demanda que lhe
trazem as empresas
privadas. É da
lógica da ideologia
liberal o
entendimento de que
o mercado (leia-se
as empresas
privadas) é o grande
mecanismo de escolha
e determinação das
alocações de
recursos econômicos.
Assim, deixa-se as
empresas atuarem de
acordo com seus
interesses e
espera-se que o
desenvolvimento
econômico aconteça
por geração
espontânea.
Infelizmente, não é
assim que acontece
na realidade. A
história não
registra em nenhum
país algum processo
duradouro de
desenvolvimento
econômico que não
seja fruto de
escolha deliberada
da sociedade e de
planejamento e
implantação baseada
numa atuação
decisiva do Estado.
No Brasil, essa
crença (predominante
de forma
ultrarradical no
atual governo) nos
levou a mais duas
décadas e meia
perdidas, com taxa
de crescimento
econômico novamente
muito baixas, de em
média apenas 2,6% ao
ano entre 1992 e
2017.
No atual momento, a
construção de um
discurso em favor do
desenvolvimento e da
importância de o
país ter um banco
como o BNDES é
absolutamente
decisiva para a
instituição. Se
seguirmos na atual
trajetória, estamos
correndo sério risco
de ruína.
Continuando a
operação desmonte e
seu efeito deletério
sobre a capacidade
do BNDES de realizar
suas operações, em
pouco tempo seremos
questionados nos
seguintes termos: Se
vocês não são
capazes de fazer
financiamentos, para
que serve o BNDES?
Ou seja, retiram de
nós as condições
necessárias para
operarmos e usam
isso de pretexto
para nos questionar
a existência.
Portanto,
necessitamos
construir um
discurso coerente de
defesa política do
BNDES e apresentá-lo
sem medo à sociedade
brasileira nesse
período eleitoral.
Um discurso que
resgate a História
aqui lembrada e
tenha um olhar para
o futuro do
desenvolvimento, em
uma nova realidade
de uma economia de
alta tecnologia e
com complexos
desafios ambientais.
Esse movimento,
absolutamente
fundamental para a
sobrevivência do
BNDES como banco de
desenvolvimento,
requer que o corpo
funcional como um
todo, e em especial
os seus principais
executivos,
superintendentes e
diretores que
pertencem aos
quadros da casa,
tenham uma coragem
ainda maior do que a
que teve o
ex-presidente, para
sairmos das nossas
posições de conforto
e atuarmos
politicamente, com
toda força e apoios
que pudermos reunir,
em defesa da
instituição e do
desenvolvimento
nacional.
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1 Entrevista
realizada em
27/02/2018,
disponível em
www.youtube.com/watch?v=P_2Y9IT4MY4.