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Da Forma Errada – Escalando |
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Paulo Moreira Franco
Economista do BNDES |
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"I would
describe it as restrained
jubilation"
(Seinfeld, The Finale)
"Vc
viu essa (acima)? Levantaram
pra vc cortar rsrsrs".
Acima, no caso, era o texto
do Lauro Jardim com um
"vazamento", mensagem
anterior no celular na
quinta após o carnaval. Todo
mundo aqui viu, não vou me
dar ao trabalho sequer de
linkar. Quem terá vazado
o que seria uma mensagem
privada num grupo de
whatsapp de duas dúzias de
pessoas, uma das quais o
presidente (as demais
superintendentes), não tem,
pelo visto, a menor
importância. É um daqueles
vazamentos à la depoimento
de irmãos Batista, notável
não só pelo que é dito, como
pelo que está de fora. Seria
muito fácil fazer piada
sobre quão superlativamente
esquisito é um homem
recém-casado, que trabalha
para Temer, Meirelles e
Moreira, o qual, numa manhã
de carnaval, fica falando
que falta calor numa lista
majoritariamente composta
por outros homens mais
jovens. Seria fácil detonar
com o tipo de atitude senhor
de engenho que é numa manhã
de sábado de carnaval ficar
confundindo compromisso
(algo da ordem dos valores,
objetivos difusos,
permanente) com trabalho
(algo que acontece sob
limites burocráticos e
hierárquicos, objetivos
concretos e palpáveis) com
subordinados que deveriam
estar gozando de um merecido
repouso. Poderia falar que é
por conta deste formato
contínuo e despropositado de
comunicação que eu não tenho
um smartphone, o que faz com
que eu não tenha que me
indispor com as pessoas por
não incluí-las em whatsapp.
Aliás, não tenho existência
em redes sociais.
Há coisas mais importantes
pra se discutir, coisas que
não são o lado encenação da
política, coisas que têm a
ver com outra questão
política que é o nosso
cotidiano de trabalho. É
nesse entendimento que vou
abordar o
texto da Tatiana.
E o que faço aqui,
perdoem-me, é uma
interpretação muito
particular sobre como o
Banco se estrutura, como se
compõe, outra dimensão de
uma análise que fiz lá atrás
quando Maria Sílvia ainda cá
estava.
Uma metáfora: a Inglaterra
das estórias medievais, de
Robin Hood e Ivanhoé. Acho
que todos aqui conhecem um
pouco. Tem uma alta nobreza,
composta de normandos, que
falam francês. Tem uma baixa
nobreza, que é anglo-saxã,
que sofre com os eventuais
desmandos dessa nobreza
francesa, mas fiel ao rei
normando. E, esquecidos,
escanteados, há os bretões
(à la William Wallace). Dos
sete principais cargos que
compõem o Banco, no que
tange à ocupação das
posições hierárquicas,
certamente economistas e
engenheiros preenchem o
papel de normandos.
Contadores, analistas de
sistemas e administradores,
o de saxões. Os técnicos
administrativos, os bretões,
esquecidos, sem voz, mas que
vez por outra se levantam em
revolta nas negociações
trabalhistas. Os advogados
algo meio à parte, falando
um linguajar próprio... o
latim do clero?
Não tenho os dados atuais.
Houve um tempo que isso dava
para se conseguir via Notes,
mas crescentemente o Banco
foi ficando "transparente",
e aí não se consegue mais
informação como antes. Mas
usando dados não tão
distantes assim, da época em
que Luciano Coutinho, um
bando de economistas e um
engenheiro da ativa
governavam o Banco, tínhamos
a seguinte ocupação das
funções: |
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Acho que o quadro é bastante
claro. Advogados,
economistas e engenheiros
representavam 51% do nível
superior dos funcionários em
atividade no Banco. No
entanto, eles eram 83% dos
superintendentes, 77% dos
chefes de departamento e 72%
dos assessores. Sem descer a
detalhes quanto à questão da
incorporação – os dados que
eu tenho não me permitem
avaliar isso –, é curioso
que a proporção de "índios"
(funcionários sem função) é
basicamente a mesma entre as
diferentes profissões, em
torno de 3/5, salvo os
advogados (onde metade era
comissionada) e os analistas
de sistemas (onde 70% não
eram).
Essa desigualdade nos índios
advém de dois aspectos da
história/cultura da
organização. Em meados dos
90, início dos 00, os
salários iniciais do Banco
não eram tão competitivos em
relação ao que pagava o
Judiciário e o Ministério
Público. Muitos entraram no
Banco e saíram em poucos
anos. Já o quadro de
analistas de sistemas é um
grupo que costuma ter tanta
consideração por parte de
quem comanda o Banco que nos
estertores do governo FHC
foi criada uma área de TI
com um superintendente não
só de fora do Banco, como
contratado como PJ. Lessa
acabou com essa bagunça
acabando com a área e
devolvendo TI à Área de
Administração. Neste momento
em que há um esforço em
direção a dois mil e trinta
e sabe-se lá quando, nenhum
superintendente é analista
de sistemas.
O que nos traz à questão da
Área de Contadoria. Sim,
você está lendo certo.
Contadoria. Se olharmos para
a União, CGU
(Controladoria),
Planejamento (Orçamento) e
Fazenda (principal nexo de
uma contabilidade
descentralizada) são
ministérios distintos.
Juntar essas três coisas num
lugar só, como se fez aqui
no Banco, acredito que deve
violar uma série de
prescrições. Por outro lado,
se você é um cara que chega
cá trazendo A Palavra,
querendo ensinar o padre a
rezar coisas de difícil
implementação (e duvidosa
validade) como TIR social na
análise de projetos, você
acaba ficando aliviado ao se
livrar de processos
burocráticos como o PDG. O
mesmo pode se dizer da Área
Financeira: muito mais
bacana receber de volta a
parte internacional,
potenciais novos de
aplicação e captação de
dinheiro, se livrando desses
temas áridos de tributação e
atualização dos sistemas
contábeis. A Área de
Contadoria, assim como a de
TI, assim como a
centralização do jurídico,
são formas de se tacar pra
debaixo de um conveniente
tapete o que não é core
business, o que não é
cerne, aquilo com que o
conjunto dos executivos não
quer se preocupar com. Bem,
quanto ao jurídico, houve
discordância...
Mas aí eu tiro meus chapéus
de economista e engenheiro
de produção e ponho outros
óculos. Se para os
engenheiros (que sonham com
as coisas, constroem e
contribuem para construir) e
para os economistas (para os
quais a questão do
desenvolvimento é central na
sua própria ciência) o
desenvolvimento como
tema/valor é algo palpável
naquilo que é sua profissão,
sua ideologia, seus valores,
para um contador isso não
está no centro do que
constitui seu conhecimento,
seu orgulho profissional. O
que não quer dizer que
enquanto funcionários do
Banco, enquanto cidadãos
brasileiros, eles não tenham
uma concepção de
desenvolvimento, não tenham
o compromisso como um valor.
Mas Celso Furtado e
Hirschman não são matérias
na faculdade, Ha-Joon Chang,
Mariana Mazzucato e Dani
Rodrik não são autores
contemporâneos com os quais
você tenha que dialogar, só
pra dar alguns exemplos.
Portanto, a sensação de um
trabalho bem feito passa não
só pela concretização direta
dos resultados da atuação do
Banco, mas por ações que não
são visíveis nisso, ações
que acontecem no plano
interno. Curiosamente,
olhando por dentro a mesma
base usada anteriormente,
73% do quadro de nível
superior das áreas que
realizavam operações diretas
compunha-se dos três cargos
"normandos".
Em bom português, minha
leitura do que acontece com
o fim da Área de Contadoria,
do que entendo como subtexto
do artigo da Tati, é que há
um sentimento de
desvalorização, de
desrespeito ao trabalho, às
visões de excelência que o
corpo de contadores do Banco
comunga. Que o Banco deva
olhar pra fora nas suas
decisões, isso é inconteste.
Não só olhar: deveríamos
ouvir. Mas o Banco, em seus
processos internos, deveria
ouvir o amplo conjunto de
competências e conhecimentos
contidos no seu vasto corpo
técnico – e não o submeter
ao "mansplaining" dos
normandos. |
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