Over hill, over dale,
Thorough bush,
thorough brier
Over park, over
pale,
Thorough flood,
thorough fire,
I do wander every
where,
Swifter than the
moon’s sphere;
And I serve the
fairy queen,
To dew her orbs upon
the green:
A
Midsummer Night’s
Dream, Act II, Scene
I [Over hill, over
dale], William
Shakespeare
Poucos tópicos em
economia são mais
controversos do que
a pertinência e
eficácia do gasto
público enquanto
promotor do
crescimento
econômico. A
princípio maiores
gastos elevam a
demanda agregada
implicando aumento
da produção, da
renda e,
consequentemente, um
aumento proporcional
da arrecadação que
irá equilibrar o
orçamento. De outra
forma pode-se
imaginar que
aumentos de gastos
hoje demandem mais
impostos no futuro.
E se os agentes
econômicos reagi-rem
a isso reduzindo
seus gastos para
fazer frente a uma
tributação maior no
futuro? Essas e uma
infinidade de outras
questões permanecem
permeando esse
debate. Discute-se a
forma de
financiamento do
setor público, a
concorrência no uso
de recursos poupados
pela sociedade (crowding
out), a
eficiência na gestão
de recursos
públicos, etc.
Um episódio
recente desta
controvérsia é a
cizânia que se
iniciou com a
publicação na
Americam Economic
Review de um
artigo (Growth in
a Time of Debt,
2010) de Carmen
Reinhart e Kenneth
Rogoff, dois
prestigiados
acadêmicos de
Harvard. Neste
trabalho os autores
defendiam que as
evidências empíricas
em diversos países
mostravam uma
correlação negativa
entre endividamento
público e
crescimento
econômico. O
trabalho passou a
ser usado como
principal referência
aos possíveis
benefícios em termos
de crescimento
econômico das
políticas de
austeridade, sendo
os autores citados
milhares de vezes.
Em 2013, em um dos
eventos mais
constrangedores da
história acadêmica,
um estudante de
economia, Thomas
Herndon, atraído
pelo tema, solicitou
a base de dados do
estudo para
replicálo e treinar
seus atributos em
econometria.
Espantado, percebeu
que havia diversos
problemas graves nos
dados, alguns
estavam errados,
havia lacunas
significativas nas
séries mesmo onde os
dados eram
facilmente
disponíveis e
algumas escolhas
metodológicas eram
altamente
questionáveis. Com a
ajuda de seus
professores a base
foi corrigida e,
pasmem, a correlação
entre déficit e
crescimento
tornou-se positiva,
embora maiores
níveis de
endividamento
estivessem
associados a menores
taxas de
crescimento.
Extremamente
embaraçados,
Reinhart e Rogoff
admitiram
publicamente os
erros, mas negaram
veementemente má-fé.
(New York Times, em
17/04/2013).
Tradicionalmente
havia uma
concordância da
maioria que, no caso
em que houvesse
necessidade de
cortes nos gastos
públicos, os ajustes
fiscais deveriam ser
implementados
cuidadosamente em
função de seus
efeitos recessivos.
Essa atenção era
necessária para
evitar que a redução
da atividade
produtiva
penalizasse em
demasia a população
e afetasse o próprio
ajuste, pois, em
parte, os impostos
incidem sobre a
produção e consumo e
a redução destes
derrubaria a
arrecadação
tributária. Tal
movimento poderia
ensejar novo
déficit, implicando
novos cortes de
gastos e mais
recessão,
estabelecendo um
circulo vicioso
difícil de ser
interrompido.
Uma forma de
reduzir os efeitos
recessivos e a
dinâmica perversa
exposta
anteriormente seria
se a redução dos
gastos públicos
fosse compensada por
uma elevação em
outro tipo de gasto,
pois se admite que
pelo lado da demanda
o crescimento possa
ser induzido por
qualquer gasto
(consumo interno ou
externo, gasto
público ou
investimento).
Ocorre que consumo
interno não é um
candidato, pois
depende da renda
disponível, seja ela
corrente ou futura
(antecipada por meio
do crédito), não
sendo, portanto, um
gasto integralmente
autônomo. Com a
recessão ocorre
redução dos
negócios, lucros,
desemprego,
inadimplência e
contração do
crédito. Ficam
restritos os canais
que levam à
ampliação do consumo
agregado.
Uma boa
alternativa seria o
aumento das
exportações, só que,
infelizmente, elas
dependem da demanda
do resto do mundo. É
claro que existem
mecanismos que podem
estimular as
exportações, sendo o
principal deles a
manutenção de uma
taxa de câmbio que
permita uma inserção
competitiva de
nossos produtos e
serviços no
exterior. Mas, de
qualquer forma, a
capacidade de
influenciar o
aumento das
exportações está
limitada ao simples
fato de que a compra
de nossos produtos e
serviços é uma
decisão exógena ao
país.
Resta o gasto em
investimento
privado. Se não há
nada que seja
estritamente
consensual em
economia, há alguns
argumentos que são
quase unânimes.
Entre esses está a
importância e
qualidade do
investimento como
variável dinâmica da
economia, pois o
gasto em
investimento além de
ampliar a demanda
corrente também
significa a
ampliação da oferta
futura,
compatibilizando
assim um crescimento
mais equilibrado
entre oferta e
demanda, minimizando
pressões sobre o
nível geral de
preços. É claro que
o investimento pode
vir induzido pelo
aumento do consumo
interno, das
exportações de bens
e serviços e
diretamente pelo
setor público, mas
se o componente
autônomo do
investimento lidera
o crescimento, tanto
melhor.
Se você está
convencido dos
malefícios do gasto
público, qual seria
um movimento ideal?
Uma situação na qual
o corte nos gastos
públicos tem seus
efeitos recessivos
anulados pelo
incremento nos
investimentos
privados. Um ajuste
fiscal indolor,
virtuoso, sem
sacrifício para a
sociedade. Uma
"contração fiscal
expansionista"! Há
de se perguntar: por
que o setor privado
irá ampliar sua
capacidade
produtiva? Afinal, o
consumo interno é
dependente da renda
disponível e as
exportações são
principalmente
exógenas. De
visibilidade
imediata, apenas a
redução de gastos.
Ora, e se ao
observar o ajuste
fiscal e a redução
do setor público –
culpado sempre à
vista de todos – os
empresários decidem,
em conjunto e
espontaneamente,
antecipar a maior
disponibilidade de
recursos e confiar
na chegada de
melhores
oportunidades?
Assim, as
expectativas
positivas seriam a
condição suficiente
para os empresários
iniciarem um boom
de investimentos
produtivos. Havia
nascido a Fada da
Confiança!
Muito
provavelmente, a
primeira crítica a
essa argumentação,
bem como à
popularização do
termo Fada da
Confiança – no
sentido de que o
argumento era tão
mítico e baseado na
fé quanto a
existência de fadas
–, veio em um artigo
de Paul Krugman
intitulado "Myths
of Austerity",
publicado na sua
coluna no New
York Times em
01/07/2010. Seria
possível que a
austeridade fiscal
gerasse tal efeito
positivo sobre as
expectativas
empresariais que
estas se traduzissem
efetivamente em
investimentos na
economia? A mediação
teórica entre essas
variáveis – ajuste
fiscal, elevação da
confiança e aumento
do investimento
privado – está longe
de ser trivial,
exigindo a
formulação de uma
série de
pressupostos como,
por exemplo, os
empresários seguirem
o modelo
macro-econômico
correto (isto é, o
meu!). Se o caminho
teórico é duvidoso
porque não validar a
ideia através de
evidências
empíricas?
Nesta busca por
evidências
destacou-se o
trabalho de Alesina
e Ardagna (Tales
of Fiscal
Adjustments,
1998), no qual os
autores indicaram
que cortes de gastos
não necessariamente
foram acompanhados
de processos
recessivos. Em
alguns casos,
argumentaram, os
ajustes fiscais
baseados em cortes
de gastos foram
acompanhados ainda
no curto prazo por
crescimento
econômico. Críticas
se seguiram alegando
que os casos nos
quais houve
crescimento do
produto se deram em
países nos quais
outras medidas de
estímulo, tais como
políticas monetárias
ou cambiais
expansionistas,
foram adotadas. O
próprio Alesina
reconheceu que há
muitas coisas
acontecendo ao mesmo
tempo em uma
economia real e,
portanto, não era
fácil separar (disentangle)
os diversos efeitos
e atribuir ao
aumento de confiança
os efeitos
mitigadores. No
entanto, acredita,
esta seria uma "boa
leitura ao que a
evidência sugere".
(http://www.econtalk.org/archives/2016/04/alberto_
alesina.html).
O autor voltou
algumas vezes ao
tema e, em 2017, os
resultados
permaneceram sendo
pouco conclusivos.
Sumariamente, se
comparados, os
ajustes fiscais via
redução de gastos
teriam menor impacto
do que os ajustes
realizados com
elevação de
impostos.
Em uma publicação
do FMI, Finance
and Development,
de junho de 2016,
Ostry, J et al.
argumentam que os
custos decorrentes
do ajuste, isto é,
cortes de gastos ou
aumento de impostos,
são maiores que os
benefícios da
redução do déficit.
Para eles isto
ocorre porque os
custos sociais do
déficit fiscal já
foram incorridos
pela sociedade, não
podendo ser
compensados pelos
benefícios da
austeridade. Isto
porque,
infelizmente, a
austeridade fiscal
"prejudica a
demanda" (sic) e
assim eleva o
desemprego. Sobre a
hipótese do "ajuste
fiscal
expansionista" os
autores comentam
que: "...na prática,
episódios de ajuste
fiscal foram
seguidos, na média,
por reduções, e não
expansões, do
produto". Em média,
ajustes da ordem de
1% do PIB elevam a
taxa de desemprego
de longo prazo em
0,6% e pioram a
desigualdade de
renda, elevando o
coeficiente de Gini
em 1,5% (Ball et
al.,2013 apud
Ostry et. al.,
op.cit).
Embora permaneça
como uma
possibilidade
teórica associada a
hipóteses muito
restritas do
comportamento dos
agentes econômicos,
a existência da Fada
da Confiança e seus
virtuosos efeitos
sobre a dinâmica de
investimento carecem
de evidências
empíricas robustas
para, ao menos em
certos casos,
avalizar a
relevância do
"ajuste fiscal
expansionista". Se a
validação da
hipótese teórica é
tão frágil, que dirá
então sua adoção
enquanto estratégia
de política
econômica para
promoção do
crescimento. A
conclusão é
inevitável. Embora
penoso, é
imprescindível
amadurecer e encarar
a dura realidade:
fadas não existem.