O contexto no qual o
BNDES tende a operar
no cenário
macroeconômico que
se vislumbra para os
próximos anos é
muito diferente em
relação ao passado.
A nova situação será
marcada pela
convergência de
taxas entre as
condições praticadas
nos empréstimos da
instituição e
aquelas vigentes na
economia. Nesse novo
ambiente, é
inexorável a
necessidade de que o
BNDES seja levado a
repensar a sua
inserção na
economia.
O BNDES é um corpo
essencialmente
saudável. O Banco é
uma instituição
pública que não foi
acometida pelas
mazelas da
corrupção, que
tantos estragos
causou a outros
órgãos estatais. É
motivo de orgulho
que nunca tenhamos
tido notícia de
nenhum colega
concursado que levou
algum "por fora"
para aprovar um
financiamento para a
empresa X, Y ou Z.
No Brasil, isso
merece celebração.
Dito isso, uma
avaliação fria da
realidade sugere que
o Banco, repetindo o
chavão associado à
sabedoria chinesa,
deveria transformar
a crise numa
oportunidade para se
reinventar. Isso
exige a aceitação da
necessidade, da
premência e da
magnitude da
mudança. Não adianta
criticar supostas
conspirações de quem
"quer acabar com o
Banco", "entregar o
FAT ao sistema
financeiro", etc.
Independentemente da
visão de mundo que
cada um tiver, se a
atuação do BNDES
estivesse bem
sintonizada com as
atuais demandas
nacionais, as
críticas ao Banco se
diluiriam e não
teriam eco na
opinião pública. A
denúncia dessas
"conspirações"
assemelha-se à do
torcedor que xinga o
juiz quando o time é
derrotado. Mesmo com
erros de arbitragem,
quando um time é
criticado
seguidamente, é
porque não está
jogando bem.
Há pontos
fundamentais que
deveríamos assumir.
Sem o seu
reconhecimento, não
seremos capazes de
superar as
dificuldades atuais.
Eles se referem a
quatro questões que
precisam ser
endereçadas: i)
modernização de
processos e
sistemas; ii)
atualização de
produtos; iii)
adoção de novo
modelo de negócio; e
iv) senso de
urgência. Vejamos
esses itens em
detalhes.
O primeiro é a
necessidade de
atualizar nossos
procedimentos
referentes a
processos e
sistemas. Não em
todos, mas em vários
aspectos,
continuamos fazendo
as mesmas coisas de
forma parecida há
décadas. Houve
mudanças, sim, mas
numa área como o
setor financeiro,
onde a velocidade
das transformações é
marcante, a
percepção de que o
Banco "foi ficando
para trás" é comum a
muitos observadores
isentos e realistas,
internos e externos
ao Banco. A atual
onda tecnológica
disruptiva tornou
isso mais evidente.
Em relação à
atualização de
produtos, a pressão
sobre a taxa de
juros aplicada às
operações do Banco
trouxe demandas por
mecanismos de maior
agilidade e menor
custo para os
clientes. As várias
iniciativas
espontâneas para
conhecer e
desenvolver produtos
em novas bases
tecnológicas, como a
rede de interessados
em Fintechs,
evidenciam a
disseminação dessa
percepção, mas há
que desenvolver
também medidas para
modernizar os
produtos
tradicionais do
Banco. Essas
iniciativas precisam
ganhar corpo, com a
consequente alocação
de pessoas, recursos
e eventual redução
do número de
funcionários
envolvidos em outras
atividades. Além de
melhorias
operacionais com
eventuais disrupções
tecnológicas, é
preciso alterar a
carteira de
produtos, com a
inclusão de novos
negócios e a
exclusão de outros,
cuja maturidade já
não requer tanta
atenção de um banco
de desenvolvimento.
Sobre o modelo de
negócio, destaco
dois aspectos
particularmente
relevantes: o
abandono do
insulamento e a
compreensão do
contexto
sociopolítico em que
operamos. Temos DNA
tecnocrático, traço
comum a muitas
formas de pensamento
político no Brasil
em épocas mais
antigas.
Independentemente
das razões, parece
claro o fato de que
essa atuação não era
fonte de problemas
enquanto o Banco era
um ator
relativamente
pequeno. Quando
cresceu muito e foi
para o "centro do
salão", a maneira
fechada de operar
começou a produzir
atritos, pelos quais
agora pagamos o
preço. Para mudar
essa situação,
precisamos aprender
a operar em rede,
com consulta
sistemática aos
atores relevantes de
todo tipo
relacionados a cada
objeto. Não será
fácil, pois o Banco
perderá um pouco de
sua suposta
autonomia, mas
ganhará muito em
legitimidade e em
capacidade de
implantação. Diga-se
de passagem, foi
isso que ocorreu com
o Banco Mundial e o
BID há mais de 20
anos. Ao invés de
seguir repetindo que
"somos uma
organização
técnica", como se
pairássemos acima da
sociedade e fossemos
sempre politicamente
isentos, devemos
aceitar que toda
escolha tem um
componente político.
Mais ainda, somos
parte do governo.
Isso requer romper
com o enorme
isolamento em que
estamos e aprender a
lidar melhor com as
políticas públicas e
com os órgãos de
governo e de Estado,
incluindo – com
destaque – os órgãos
de controle.
O quarto ponto é o
senso de urgência. É
preciso incutir em
todos a noção de que
não há tempo a
perder. Há mudanças
que precisam ser
feitas e que não
podem esperar
indefinidamente.
Novamente usando a
imagem do futebol,
não dá para ficar
tocando a bola para
o lado quando
estamos perdendo.
De forma mais
intensa do que nos
debates sobre
reforma trabalhista,
gratificação de
função, férias,
etc., é importante
que a casa se engaje
no debate acerca do
projeto
"Desenvolvendo
futuros", de modo a
garantir a
representatividade
das diretrizes que
emanarem do
processo.
Parodiando os
famosos versos de
Antonio Machado
sobre "um espanhol
que quer/viver e a
viver começa/entre
uma Espanha que
morre/e outra
Espanha que boceja",
há dois bancos
convivendo hoje: o
tradicional e – quem
esteve presente no
IdeiaLab viu isso –
um novo, pujante,
que quer se moldar
aos novos tempos. É
o que precisamos
fortalecer.
No processo de
reflexão estratégica
em curso, tem sido
repetido que o Banco
deve se reinventar e
"dar a volta por
cima", como os
cases bem
sucedidos de
empresas que
passaram por crises,
mas souberam ler os
sinais a tempo de
mudar. O risco é não
sermos capazes disso
e acontecer conosco
o que ocorreu com a
Kodak, que não viu o
novo mundo digital
chegar e sucumbiu
diante do avanço da
modernidade.
Reconhecer a crise,
saber que é preciso
mudar e fazer as
escolhas certas, são
pré-requisitos para
uma transformação
positiva. Esta
requer, por sua vez,
uma combinação
singular de ambição
e humildade. Ambição
para traçar metas
desafiadoras e
humildade para
aceitar a existência
de erros, procurar
apoios e assumir
limitações. Será um
exercício difícil,
mas pelo qual
teremos que passar.