Mudar é preciso
 

Fabio Giambiagi
Economista do BNDES
 
O contexto no qual o BNDES tende a operar no cenário macroeconômico que se vislumbra para os próximos anos é muito diferente em relação ao passado. A nova situação será marcada pela convergência de taxas entre as condições praticadas nos empréstimos da instituição e aquelas vigentes na economia. Nesse novo ambiente, é inexorável a necessidade de que o BNDES seja levado a repensar a sua inserção na economia.

O BNDES é um corpo essencialmente saudável. O Banco é uma instituição pública que não foi acometida pelas mazelas da corrupção, que tantos estragos causou a outros órgãos estatais. É motivo de orgulho que nunca tenhamos tido notícia de nenhum colega concursado que levou algum "por fora" para aprovar um financiamento para a empresa X, Y ou Z. No Brasil, isso merece celebração.

Dito isso, uma avaliação fria da realidade sugere que o Banco, repetindo o chavão associado à sabedoria chinesa, deveria transformar a crise numa oportunidade para se reinventar. Isso exige a aceitação da necessidade, da premência e da magnitude da mudança. Não adianta criticar supostas conspirações de quem "quer acabar com o Banco", "entregar o FAT ao sistema financeiro", etc. Independentemente da visão de mundo que cada um tiver, se a atuação do BNDES estivesse bem sintonizada com as atuais demandas nacionais, as críticas ao Banco se diluiriam e não teriam eco na opinião pública. A denúncia dessas "conspirações" assemelha-se à do torcedor que xinga o juiz quando o time é derrotado. Mesmo com erros de arbitragem, quando um time é criticado seguidamente, é porque não está jogando bem.

Há pontos fundamentais que deveríamos assumir. Sem o seu reconhecimento, não seremos capazes de superar as dificuldades atuais. Eles se referem a quatro questões que precisam ser endereçadas: i) modernização de processos e sistemas; ii) atualização de produtos; iii) adoção de novo modelo de negócio; e iv) senso de urgência. Vejamos esses itens em detalhes.

O primeiro é a necessidade de atualizar nossos procedimentos referentes a processos e sistemas. Não em todos, mas em vários aspectos, continuamos fazendo as mesmas coisas de forma parecida há décadas. Houve mudanças, sim, mas numa área como o setor financeiro, onde a velocidade das transformações é marcante, a percepção de que o Banco "foi ficando para trás" é comum a muitos observadores isentos e realistas, internos e externos ao Banco. A atual onda tecnológica disruptiva tornou isso mais evidente.

Em relação à atualização de produtos, a pressão sobre a taxa de juros aplicada às operações do Banco trouxe demandas por mecanismos de maior agilidade e menor custo para os clientes. As várias iniciativas espontâneas para conhecer e desenvolver produtos em novas bases tecnológicas, como a rede de interessados em Fintechs, evidenciam a disseminação dessa percepção, mas há que desenvolver também medidas para modernizar os produtos tradicionais do Banco. Essas iniciativas precisam ganhar corpo, com a consequente alocação de pessoas, recursos e eventual redução do número de funcionários envolvidos em outras atividades. Além de melhorias operacionais com eventuais disrupções tecnológicas, é preciso alterar a carteira de produtos, com a inclusão de novos negócios e a exclusão de outros, cuja maturidade já não requer tanta atenção de um banco de desenvolvimento.

Sobre o modelo de negócio, destaco dois aspectos particularmente relevantes: o abandono do insulamento e a compreensão do contexto sociopolítico em que operamos. Temos DNA tecnocrático, traço comum a muitas formas de pensamento político no Brasil em épocas mais antigas. Independentemente das razões, parece claro o fato de que essa atuação não era fonte de problemas enquanto o Banco era um ator relativamente pequeno. Quando cresceu muito e foi para o "centro do salão", a maneira fechada de operar começou a produzir atritos, pelos quais agora pagamos o preço. Para mudar essa situação, precisamos aprender a operar em rede, com consulta sistemática aos atores relevantes de todo tipo relacionados a cada objeto. Não será fácil, pois o Banco perderá um pouco de sua suposta autonomia, mas ganhará muito em legitimidade e em capacidade de implantação. Diga-se de passagem, foi isso que ocorreu com o Banco Mundial e o BID há mais de 20 anos. Ao invés de seguir repetindo que "somos uma organização técnica", como se pairássemos acima da sociedade e fossemos sempre politicamente isentos, devemos aceitar que toda escolha tem um componente político. Mais ainda, somos parte do governo. Isso requer romper com o enorme isolamento em que estamos e aprender a lidar melhor com as políticas públicas e com os órgãos de governo e de Estado, incluindo – com destaque – os órgãos de controle.

O quarto ponto é o senso de urgência. É preciso incutir em todos a noção de que não há tempo a perder. Há mudanças que precisam ser feitas e que não podem esperar indefinidamente. Novamente usando a imagem do futebol, não dá para ficar tocando a bola para o lado quando estamos perdendo.

De forma mais intensa do que nos debates sobre reforma trabalhista, gratificação de função, férias, etc., é importante que a casa se engaje no debate acerca do projeto "Desenvolvendo futuros", de modo a garantir a representatividade das diretrizes que emanarem do processo.

Parodiando os famosos versos de Antonio Machado sobre "um espanhol que quer/viver e a viver começa/entre uma Espanha que morre/e outra Espanha que boceja", há dois bancos convivendo hoje: o tradicional e – quem esteve presente no IdeiaLab viu isso – um novo, pujante, que quer se moldar aos novos tempos. É o que precisamos fortalecer.

No processo de reflexão estratégica em curso, tem sido repetido que o Banco deve se reinventar e "dar a volta por cima", como os cases bem sucedidos de empresas que passaram por crises, mas souberam ler os sinais a tempo de mudar. O risco é não sermos capazes disso e acontecer conosco o que ocorreu com a Kodak, que não viu o novo mundo digital chegar e sucumbiu diante do avanço da modernidade. Reconhecer a crise, saber que é preciso mudar e fazer as escolhas certas, são pré-requisitos para uma transformação positiva. Esta requer, por sua vez, uma combinação singular de ambição e humildade. Ambição para traçar metas desafiadoras e humildade para aceitar a existência de erros, procurar apoios e assumir limitações. Será um exercício difícil, mas pelo qual teremos que passar.

 
 
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