De toda forma, a
cobertura de O Globo tem
sido tão enviesada –
dando cobertura
entusiástica a favor da
reforma não democrática
ora em curso, pela qual
desmonta-se algumas
instituições econômicas
básicas do país sem
qualquer debate amplo na
sociedade –, que
comemoramos que esse
nosso pequeno
contraponto tenha
conseguido espaço na
publicação.
Os editores de O Globo
são favoráveis à
devolução antecipada dos
R$100 bilhões ao Tesouro
e à extinção da TJLP.
Dificilmente alguém vai
ficar surpreso com parte
do argumento escolhido
para defender essas
propostas. Repetem-se,
por exemplo, as falácias
de que o BNDES é o
responsável pela baixa
eficácia da política
monetária e pela falta
de um mercado de capital
privado no país. A TJLP
é condenada como uma
taxa discricionária,
como se isso fosse um
grave problema.
Curiosamente, o jornal
não informa a seu leitor
que a SELIC é também
discricionária. A
indignação seletiva de O
Globo com a
discricionariedade das
taxas de juros
brasileiras é ainda mais
notável tendo em vista o
contraste com o
comentário comum na
imprensa internacional.
Fora do Brasil é mais
alvo de surpresa o nível
da SELIC do que a
existência da TJLP:
forma encontrada para
minorar os efeitos
desastrosos para a
economia que se
seguiriam no império
absoluto da SELIC.
Também não é novidade a
crítica à gestão do
BNDES no período Luciano
Coutinho, que talvez
tenha sido exagerada
como nunca. Assim,
segundo o jornal, os R$
500 bilhões aportados
pelo Tesouro no BNDES
foram "distribuídos"
para "campeões
nacionais"! De modo mais
usual o artigo denuncia
as políticas setoriais
relativamente
malsucedidas (cadeia de
petróleo e gás) e ignora
as bem-sucedidas
(fármacos). A parte mais
interessante do artigo
procura esclarecer a
origem dos erros
petistas em padrões
históricos brasileiros,
e em vulnerabilidades do
BNDES. A crítica é
estendida à atuação do
Banco no 2º PND, quando
"o banco foi o suporte
financeiro do programa
de substituição de
importações de
equipamentos e insumos
básicos, altamente
subsidiado pelo
Tesouro". O BNDES, para
além do seu custo
fiscal, tem como grande
problema o de que pode
se tornar vítima do
"poderoso da vez".
Portanto, fica
implicitamente sugerido:
o BNDES não pode ser
grande, não pode ser
muito influente. E todos
devem concordar com
isso, com exceção
daqueles que acreditam
"em políticas
intervencionistas, que
utilizam o BNDES como
instrumento de ‘vontades
políticas’".
Felizmente não temos que
ficar à mercê do BNDES,
segue O Globo, pois
podemos contar com o
capital internacional.
Na verdade, fica
sugerido, o BNDES fazia
sentido para valer nos
anos 50 quando foi
criado, quando até o
liberal Roberto Campos
concordou com isso, mas
não agora em tempos de
globalização financeira.
O jornal fica chocado em
saber que "até empresas
que podem levantar
recursos no exterior
preferem o dinheiro
barato do banco".
É preocupante que esse
editorial reflita um
senso comum que vem
sendo consolidado entre
a elite brasileira. Seu
potencial destrutivo
nacional não pode ser
subestimado. Vejamos: se
devemos condenar nos
termos sugeridos o
impulso estruturante do
2° PND (substituição de
importação, altos
subsídios, movido por
uma política
intervencionista,
contanto com imensa
mobilização de vontade
política de modernizar o
país), como não estender
a mesma reprovação ao
Plano de Metas, que
contou igualmente com o
apoio decisivo do BNDES?
E se estendemos esse
julgamento ao Plano de
Metas, que país essas
pessoas estão
defendendo? Como esses
senhores acreditam que
outros países se
desenvolveram?
Note-se que a explicação
do porquê Roberto Campos
apoiou a criação do
BNDES é melhor
compreendida tendo em
vista a inflexão de sua
trajetória durante a
década de 50. No início
desta década, a despeito
de suas posições
liberais em assuntos
macroeconômicos, era ele
um economista que
acreditava em
planejamento econômico.
Melhor exemplo de um
liberal da época, mais
comparável aos que hoje
parecem fazer a cabeça
dos editores de O Globo,
é Eugenio Gudin. Ele
achava que o setor
privado não precisava de
apoio público para a
infraestrutura mesmo nos
anos 50. Ou seja, o
liberal típico da metade
do século passado tinha
profundas dúvidas sobre
a necessidade do BNDES.
O que os editores de O
GLOBO esperam que o
Brasil venha a ganhar
com a globalização
financeira ninguém até
agora ganhou – e as
razões para isso não são
difíceis de compreender.
A globalização
financeira não é apenas
o reinado da mobilidade
internacional de
capital, mas é também o
do horizonte de curto
prazo, incompatível com
investimentos de longo
prazo – particularmente
em infraestrutura. Por
isso o crescente papel
dos bancos de
desenvolvimento em todo
o mundo. Por isso os
exemplos de
desenvolvimento que vêm
da Ásia (região que se
desenvolveu
sistematicamente nas
últimas três décadas)
são marcados por
intervenções públicas
sistemáticas na economia
e por importantes bancos
de desenvolvimento.
O BNDES e sua
institucionalidade deram
mais de uma vez provas
de poder se defender dos
poderosos de ocasião. As
organizações Globo,
indiscutivelmente
poderosas, sabem disso
por experiência própria.
Aperfeiçoamentos são
sempre bem-vindos e
necessários, mas está
cedo para falar o que a
Lava-Jato revelará sobre
o BNDES. O Globo
reconhece o valor do
quadro funcional do
Banco e isso é bom, mas
a visão que subscreve em
última instância não
reconhece um papel para
o BNDES. Um importante
exemplo para os
funcionários do Banco de
que nossa luta não é só
contra a difamação vinda
do TCU, mas contra a
ofensiva ultraliberal
que chegou ao poder sem
nenhum contraponto com o
governo Temer.