“Ergueu no
patamar quatro
paredes mágicas
Tijolo com
tijolo num
desenho lógico”
(Chico Buarque)
Pós-pandemia,
pós a horda de
devastação que
os quatro anos
de
ipirangonomics
trouxeram ao
país, o
BNDES
faz sua
celebração do
fim do Outono,
seu aniversário.
Ver a graça e a
gravitas
voltarem a uma
celebração de
aniversário do
Banco, ver um
Mercadante
maduro, que
sempre foi
descrito na
crônica política
como uma pessoa
de pouca
habilidade, num
espaço em que
uma alegria e
uma simpatia
natural afloram,
quase dá
saudades de
estar no Banco.
Quase! Mas
reencontrar
tantos amigos
queridos que
receberam suas
medalhas de 15,
20, 25, 30
anos... isso foi
bacana demais!
Uma ligação na
manhã de terça
me fez desistir
de estar
presencialmente
no evento.
Assisti pelo
YouTube
basicamente em
tempo real, revi
nesta quinta. Um
belo evento, uma
discussão do
papel do
BNDES
com o conjunto
de pessoas que,
do ponto de
vista
institucional,
faz sentido de
estarem fazendo
essa discussão
pública.
Mercadante e
Lavínia estão de
parabéns, em 30
anos eu acho que
foi o mais
adequado evento
do tipo que vi
no Banco.
Mas vamos ao que
importa: a
crítica. Afinal,
querida leitora,
são as
capotagens e as
derrapadas que
fazem a
empolgação de
uma corrida. Tá,
uma
ultrapassagem
aqui ou outra,
mas quantos se
lembram de Senna
tomando a mais
notável
ultrapassagem da
história da
Fórmula 1 sendo
praticada por
este herói sem
nenhum caráter
que é o pai
Piquet?
Tratemos,
portanto, de
acidentes.
Mercadante falou
em
ex-presidentes,
criticou gente
que acha que dá
para o país não
ter indústria,
fez seu papel de
bad cop
tacando pau no
Bacen, poupando
Haddad de
fazê-lo...
nenhuma
derrapada de
nota.
“A Ásia é uma
região
insalvável para
o capitalismo”,
assim
acreditavam nas
décadas de
50-60, como bem
colocou o
Luchesi. E,
sinceramente,
eles estavam
certos. Peguemos
o caso da Coréia
do Sul. Podemos
chamar de
capitalismo um
arranjo onde as
10 maiores
corporações de
controle
familiar (chaebols)
foram
responsáveis por
58,3% do PIB em
21?
Ou que o
faturamento do
conjunto de 64
dessas
chaebols,
que empregam
perto de 11% da
população,
equivaleram a
84% do PIB em 19?
Ou peguemos o
caso das
corporações
estatais
chinesas, que
fazem com que a
China tenha hoje
um número maior
de empresas no
Forbes 500 que
os EUA? Ou então
a selvagem
concentração
global na
fabricação de
chips que uma
única firma
taiwanesa
produziu, uma
garantia
geopolítica de
que qualquer
intervenção
militar na ilha
pode causar um
retrocesso de
meia década ou
mais em toda a
indústria
mundial?
Me responda,
amiga: isso é
capitalismo?
Isso é algo que
reflete algum
tipo de
Sociedade de
Mercado? A esse
lugar se chega
produzindo uma
sociedade mais
inclusiva, com
mais sociedade
civil
democrática,
mais
sustentável,
mais sabe-se lá
qual for a
moralidade
discursada no
Ocidente do
momento? Veja
bem: esses são
valores em que
eu, Paulo, um
cara que é de
esquerda tem
meio século,
pessoalmente
acredito. Mas
entre acreditar
neles e
acreditar que se
chega ao
desenvolvimento
através deles
nessa altura da
História vai uma
distância
enorme.
Acreditar que
esses valores
não serão
negados três
vezes até o
cantar do galo
pelas mesmas
estruturas
corporativas que
os celebram
hoje, é muita
inocência.
Acreditar
que o
PC da China, ou
essa variante
coreana de
oligarquia,
vá
se render aos
valores do
Ocidente é muita
arrogância.
Há uma guerra
acontecendo. Do
ponto de vista
militar, a OTAN
está fadada à
derrota. Do
ponto de vista
político, os
países da OTAN
viverão uma
hecatombe
interna, o
retorno de uma
série de
fantasmas
escondidos em
suas classes
médias
destruídas. Tudo
indica que
voltarão a ser a
periferia do
mundo eurasiano
como foram na
primeira metade
do milênio
passado, quando
antes da peste
negra uma
economia-mundo
eurasiana
centrada no
norte da Índia
integrava
Ocidente (mundo
islâmico) e
Oriente (China e
adjacências).
Isso não é
imediato, mas é
próximo, e a
produção
industrial
mundial já
reflete esta
realidade.
O que difere,
fundamentalmente,
da Ásia para o
Brasil? Não há a
centralidade de
picaretas do
mercado
financeiro, como
estes que
produziram a
fraude das
Americanas.
No meu
entendimento,
Empresas e
Estado veem
antes da (ou em
conjunto com)
missão. Este é o
problema central
da discussão que
foi travada ali.
Não vai ser com
o
laissez-faire
de definir
políticas
neoindustrializantes
que teremos uma
retomada da
indústria
brasileira. Só
que encarar isso
requer encarar
esses dois
caminhos
extremos da
Ásia: criar
empresas
familiares em
seu topo de uma
eficiência
brutal, com
estruturas
organizacionais
quase militares
baseadas em pura
meritocracia,
com todas as
patologias
sociais que isso
envolve; ou ter
um Estado
empreendedor no
sentido literal
do termo, aquilo
que o Elias
Jabbour definiu
como
Nova Economia do
Projetamento,
a
reinterpretação
da
racionalização
do caminho da
economia da
civilização
industrial
descrito por
Rangel,
apontando para a
realidade do
século XXI.
Não dá para se
falar de Embraer
sem se assumir
as décadas que
se levou
afundando
capital nela, em
estruturas de
produção de
engenharia em
torno dela. E
isso requer
Estado, e isso
requer a maior
excelência
possível, e isso
requer esquecer
qualquer
resultado
imediato. Mas,
tirando a
prática de
Luciano quando
presidente do
Banco (tenho uma
longa mensagem “impublicável”,
enviada para um
pequeno e
notável grupo de
amigos,
imediatamente
após uma
apresentação
dele em
12/9/2007. Disse
que ia dar
encrenca – e
deu. Em
retrospecto,
acho que Luciano
estava certo, o
que não quer
dizer que
politicamente
fosse viável o
que tentou
fazer), a
estruturação de
empresas do
setor produtivo
com porte para
vencer em escala
global não é
vista
como uma missão
do Banco.
Nesse
sentido, falta
uma autocrítica
de que não é não
termos sabido
dar algum salto
como a Coréia
nos anos 80, mas
sim o fato que
nos 80 nos foi
imposto um
ajuste violento
de contas
externas que
exigiu
superávits de
balança
comercial
gigantescos em
toda a década
(relembro que só
Alemanha e Japão
tinham
superávits
maiores que o
nosso no período
– e a Coréia
usufrui de uns
bons anos de
déficit e da
demanda de seu
vizinho
japonês). Mas
isso escapa às
discussões. Como
por exemplo
escapa a
destruição,
pelos dois
Fernandos (com
um Itamar no
meio), do regime
de capitalismo
brasileiro: o
modelo
tripartite de
empresas
estatais (infra
mais insumos
básicos),
empresas
multinacionais
(bens
manufaturados) e
empresas
brasileiras
(componentes e
parcerias com as
outras duas
pernas).
Pequeno
break:
maravilhosa a
defesa do Arthur
do segundo PND,
que foi o evento
que deu a
complexidade
perdida da
economia
brasileira).
Nada foi posto
no lugar. Os
bancos assumiram
hegemonia. Não
foi um erro do
“Brasil”: foi
uma pressão
internacional
inevitável para
um país com
dependência
energética nos
80, seguida de
uma devastação
neoliberal cujos
estertores
culminaram com a
entrega do
controle da
Eletrobrás no
Governo
Bolsonaro. Tudo
isso tem CPF,
tudo isso tem
CNPJ, nada disso
é um “o Brasil”.
Essa discussão
falta, e falta
porque
praticamente não
há atores que
não tenham
recolhido uma
lebre ou outra
nessa história.
Crescer o Estado
quer dizer
diminuir o poder
relativo do
setor privado,
das instituições
de sociedade
civil que se
julgam
detentoras de um
Estado que não
passa pelas
instituições
representativas
da política,
como se o
movimento social
atual,
estruturado por
ONGs com
financiamento
privado, não
fosse de mais
fácil captura do
que o conjunto
de
parlamentares.
Como articular
um
buen vivir - vivir bien,
escapando da
(de)pressão
humana que
assola a Ásia,
com a
transformação
tecnológica num
momento em que,
concretamente, o
prazo de se
fazer algo
em relação a se
atingir as metas
de Paris acabou
(e não vai ser a
nova hegemonia
eurasiana que
vai sacrificar
seu padrão de
desenvolvimento
na próxima
década, nem nos
conceder esmolas
para não sermos
estúpidos e
pararmos de
destruir com
nosso regime de
águas porque
acabamos com a
Amazônia)?
Não sei a
resposta, e acho
que ninguém ali
sabia.