“Só queria
lembrar o
tormento
Que fez o meu
filho suspirar”
(Chico Buarque)
Conversa com uma
jovem amiga, uma
daquelas
brilhantes
amigas que a
ausência de
oportunidades de
trabalho no Rio
levou a buscar
um interessante
lugar em São
Paulo. Pergunto
pela última
coisa que ela
escreveu, e ela
me conta que
uma nota de
repúdio,
“sobre um tema
muito duro”. A
nota, do
Instituto
Vladimir Herzog,
tratava de uma
carta onde um
militar
descreveria a
tortura de
Stuart Angel.
Eu deveria estar
aqui escrevendo
a parte do “copo
vazio” do
Seminário
Estratégias de
Desenvolvimento
Sustentável para
o Século XXI.
Mas hoje é 31 de
março, 59 anos
que o golpe de
64 ocorreu. Há
um conjunto
patético de
pessoas que
celebrará a
data. Há outro
que fará de
conta que nada
disso existiu,
colocará panos
quentes e
guardará numa
caixinha com a
inscrição “não
toque”.
Essa conversa,
no entanto, no
susto que foi
perceber que
essa memorabilia
do terror seria
objeto de um
leilão, me leva
a pensar a
questão da
nostalgia do
período militar.
Afinal, passada
a eleição, todo
um conjunto
desengonçado de
membros da
pequena
burguesia e da
família militar
se pôs nas
portas dos
quartéis a pedir
a divina
intervenção de
um golpe, uma
espécie de
versão
macunaímica de
filme de
desastre
vagabundo.
Há razões para
se ter saudades
do crescimento
que o país
passou no
período militar,
mesmo que este
tendo ampliado
as
desigualdades.
Há razões para
se ter nostalgia
de um tempo de
“inocência”,
quando os
assuntos
complexos de
desigualdades e
de escolhas
ficavam
devidamente
guardados no
armário – e não
eram encarados,
problematizados.
Não é isso que
levou as pessoas
às portas dos
quartéis, à
prática do
turismo de
baderna, como
brilhantemente
definiu minha
amiga
Jacqueline. O
regime militar
dessas pessoas
não são as duas
décadas entre um
primeiro de
abril e a não
posse de
Tancredo, com
seus crimes,
seus absurdos,
seus triunfos,
suas crises que
nem sempre
tiveram origem
em decisões
erradas.
A seita dos
baderneiros de
ocasião, que
cultuam a Ordem
pelo meio da
malcriação, e o
Progresso pela
recriação do
passado, na
figura do
ex-presidente
que pretendia
retornar em
triunfo numa
passeata em
carro aberto é,
como diria
Caetano,
Qualquer Coisa.
Poucos meses
separam a
celebração do
coronel Ustra
por Bolsonaro
durante a
votação do
impeachment da
presidenta Dilma
da prisão do
vice-almirante
Othon pela
franquia carioca
da grande
picaretagem
chamada Operação
Lava Jato. Não
creio que a
malta
bolsonarista
tenha ideia do
que representa o
almirante Othon.
Já o Ustra, esse
satisfaz a
fanfarronada
covarde dos
devotos da
violência.
É bem depois do
período militar
que a figura do
torturador é
celebrada, que
um personagem
como Ustra será
citado com algum
tipo de orgulho
por uma figura
menor como o
deputado
Bolsonaro. Nos
anos 70, os
assassinatos de
Vlado e de
Manuel Fiel
Filho levaram o
presidente
Geisel a demitir
o comandante do
Segundo
Exército. A
ditadura
existia, mas ali
a ditadura não
acreditava em
crueldade por
esporte e
diversão.
Na sua
austeridade de
filho de
imigrantes
luteranos, o
presidente
Ernesto Geisel
foi algo bem
diverso do
ditador militar
latino-americano
típico, ou do
pretenso
aristocrata
filho de um
militar servindo
na aprazível
localidade de
Cruz Alta no
momento de seu
nascimento, como
por duas vezes
houve entre
aqueles que
comandaram o
Exército na Nova
República.
Que Geisel não
seja cultuado
como o general
Park brasileiro
é sinal de como
a negação
oportunista dos
sucessos do
Brasil dos
setenta por
parte do PMDB se
juntou ao TINA
neoliberal que
começou com
Fernando Collor,
tendo por meio
uns anos oitenta
onde o
Minotauro Global
descrito pelo
Varoufakis
cobrou sua libra
de carne do
Brasil enquanto
permitia os
déficits
coreanos. Uma
década de 80
onde as pessoas
do PMDB, no afã
de chegarem/se
manterem no
poder,
praticaram
hipocrisias como
Maria da
Conceição
Tavares chorando
na Globo em
defesa do Plano
Cruzado – o que
resultou em
Collor anos
depois. Certas
horas é como se
o país fosse
repetente em
história, coisa
com que não
devemos nos
preocupar, já
que no mundo
neoliberal não
mais existe a
oposição do
MOBRAL a Paulo
Freire, mas a
determinação
bastante
cearense de
ficar bem na
fita do PISA – e
História é uma
matéria que não
cai nessa prova.
Os militares
abandonaram há
muito Geisel. O
compromisso com
o Nacional, com
o
Desenvolvimento,
com a combinação
de ambos em
missões como o
Programa Nuclear
Paralelo da
Marinha. Estes
tornaram-se
elementos
esquecidos por
uma burocracia
na qual só
restou o
fetichismo
anticomunista e
um desrespeito
às hierarquias
que estão fora
da própria
instituição.
Curiosamente,
Geisel foi um
governo a trocar
café por
máquinas da
Alemanha
Oriental, a
apoiar logo no
início o Governo
do MPLA em
Angola contra os
interesses
americanos e
sul-africanos.
Curiosamente, o
BNDES dos
setenta nos
governos Medici
e Geisel, sob a
longa e
extraordinária
regência de Reis
Velloso como
ministro do
Planejamento, e
de Marcos Vianna
como presidente
do Banco, foi
uma organização
bastante
aparelhada pelo
antigo PCB.
Geisel sabia que
não seria com
boys recrutados
na finança
paulista que se
faria o salto
que o país
precisava.
Olhando esse
olhar sobre o
passado, o que
me incomoda no
presente?
Do ponto de
vista do BNDES,
a adoção da
versão
antiestado,
simplificada de
história,
construída por
economistas do,
pelo e para o
Mercado é algo
que deveria ser
contestado. O
erro em não
encarar os 70
com sua
complexidade,
com a riqueza de
interpretação do
qual lá atrás
Antônio Barros
de Castro foi
pioneiro, traz
um eco
contemporâneo
que é a atitude
covarde de não
defender a outra
década
extraordinária
do Banco, a de
Luciano Coutinho
com Mantega de
ministro. O que
não quer dizer
ressuscitar
nenhuma dessas
conduções, ou
não ter uma
visão crítica
sobre elas, mas
ao menos não
negá-las três
vezes antes que
o galo cante.
Do ponto de
vista da
Presidência, a
persistência do
PT em permitir
uma quase total
autonomia dos
aparatos de
segurança, seja
externo seja
interno, no
máximo colocando
algum membro dos
campos da forma
(diplomatas na
defesa,
advogados na
segurança
pública) no
comando de algo
que é
essencialmente
ação, é um erro
que volta a ser
repetido.
Situações como a
do Rio Grande do
Norte mostram
porque um
Ministério de
Segurança
Pública é mais
urgente do que
os quatro que se
criou para
atender ao
Partido da Open
Society (Talvez
tenha faltado o
Ministério de
Organizações Não-Governamentais,
Ordem com
Liberdade sob o
comando de
Freixo). Essa
inação vai se
tornar, de novo,
um custo
político
adiante.
No mais, a carta
foi
retirada de
leilão.
A nota
funcionou.