Vou usar uma
definição bem
simples de
racismo que li
em “Memórias da
Plantação”, de
Grada Kilomba,
com três
palavras:
diferença,
hierarquia e
poder.
Quando acontece
a diferenciação
das pessoas por
sua cor de pele
(para a
sociedade, o
branco é o
"normal", as
“Outras” são as
outras) e a
hierarquização
dessas mesmas
pessoas (as
“Outras" são
inferiores a
nós) acontece o
que chamamos de
preconceito
racial. Quando a
dimensão “poder”
entra em cena, é
racismo. A
utilização de
“poder” aqui não
diz respeito só
à violência,
física e/ou
verbal, isso
seria uma
atitude
atribuída ao
“extremismo
branco”. Estou
falando de
"poder" no
sentido mais
amplo, sua
utilização em
TODAS as
estruturas da
sociedade:
histórica,
política, social
e econômica.
O problema com o
uso da palavra
“Racismo” é que
chamar alguém de
“racista” é pior
do que xingar a
mãe. Pense, qual
é a sua sensação
em ser chamado
de “Racista”?
Faça uma pequena
experiência.
Fique em frente
a um espelho e
fale para você
mesmo: Você é
racista. Qual é
sua sensação?
A dificuldade de
uma pessoa
branca em
conversar sobre
“Racismo”, seja
com pessoas
brancas ou
pessoas pretas,
é o que Robin
Diangelo no seu
livro “Não basta
não ser Racista”
chama de
“Fragilidade
Branca”.
O Brasil é o 2º
em população
negra (as
pessoas que se
autodeclaram
pretas ou
pardas), atrás
apenas da
Nigéria. É a
maior diáspora
negra no mundo.
Nosso país
desembarcou, ao
longo de 4
séculos, mais de
5 milhões de
seres humanos
escravizados,
vindos de várias
partes da
África. Esses
escravizados
eram retirados
de sua terra
natal,
acorrentados,
marcados a ferro
quente (pelo
menos 4 vezes!),
transportados de
forma desumana
para uma terra
que não
conheciam. Ao
chegar tinham
que aprender a
língua
portuguesa, eram
feitos
“cristãos” e
forçados a
trabalhar em
plantações de
cana-de-açúcar,
café, borracha,
dentre outras.
Os escravizados
que tinham
experiência em
mineração na
África eram
obrigados a
trabalhar
extraindo ouro e
diamante nas
Minas Gerais,
pois, acreditem,
existiam muitos
africanos com
larga
experiência
prática nessa
área, muito mais
do que os
colonizadores.
Sobre isso,
recomendo que
leiam
“Escravidão”,
volumes I, II e
III, de
Laurentino
Gomes, só o “I”
já é um forte
soco no
estômago.
Aí você vai me
perguntar: "O
que eu tenho a
ver com isso se
a escravidão
acabou em 1888?”
Nós, pessoas
brancas, temos
muito a ver com
isso, uma vez
que a estrutura
que montou a
escravidão lá
atrás
–
diferenciação,
hierarquização e
poder
–
se perpetua na
sociedade atual.
Exemplo: quando
entramos num
ambiente de
poder, como a
alta
administração de
uma empresa, um
restaurante de
luxo, uma equipe
médica de um
hospital, ou, em
qualquer lugar
composto
predominantemente
por pessoas
brancas, e
encontramos uma
pessoa negra,
pensamos que tem
algo fora do
normal. Isso
porque, para a
sociedade, o
normal em espaço
de poder é a
pessoa branca.
Os "Outros"
estão fora de
lugar e não
deveriam estar
ali, pois, já há
uma ideia
sistematizada e
inconsciente de
que eles, os
"Outros", são
“inferiores” a
nós. A sociedade
normalizou a
Branquitude, a
Negritude são os
"Outros", que
são “menos” que
nós.
Comparando 4
livros que li de
diferentes
mulheres pretas,
escritos a
partir de 4
países
diferentes
(Alemanha, Reino
Unido, Estados
Unidos e
Brasil):
"Memórias da
Plantação", de
Grada Kilomba;
"Por que eu não
converso mais
com pessoas
brancas sobre
raça", de Reni
Eddo-Lodge;
"Então você quer
conversar sobre
Raça", de Ijeoma
Oluo; e "Pequeno
Manual
Antiracista", de
Djamila Ribeiro,
percebi que o
sentimento das 4
mulheres, em
relação a serem
as "Outras", é o
mesmo.
A minha
percepção como
homem branco é
que isso
acontece porque
o racismo é
igual em toda
parte.
Acho,
sinceramente,
que para
deixarmos de ser
racistas, a
primeira coisa
que temos que
fazer é
assumirmo-nos
como racistas.
Da mesma forma
que, para
começar a lutar
contra o
alcoolismo, a
primeira coisa
que devemos
fazer é nos
assumirmos como
alcoólatras.
Tente, juro que
não vai doer. E
talvez todos
comecemos a
enxergar os
privilégios que
a nossa
branquitude nos
proporciona (ver
https://simaigualdaderacial.com.br/site/o-que-e-privilegio-brancoentenda/).
É preciso parar
de pensar que
vivemos numa
“Democracia
Racial”, onde
todos são iguais
e têm as mesmas
oportunidades.
Se você quer
saber mais sobre
discriminação
racial, veja o
site
http://cedra.org.br.
Lá tem uma série
de gráficos
mostrando a
discriminação
racial por
diversos
parâmetros.
Todos os dados
são provenientes
de bases
públicas.
Esses gráficos
mostram,
claramente, que
existem
discrepâncias
muito grandes
entre os Negros
(os “Outros” da
sociedade) e os
Brancos (o
“normal”).
Enfim, é isso,
convido todos a
pensar o que
podemos fazer
para acabar com
a ideia de que
tudo, emprego,
vida escolar
etc.., é
definido com
base na
“meritocracia”
e, realmente,
tornar a nossa
sociedade numa
“Democracia
Racial”, ou
melhor, numa
Democracia em
que não exista
mais o conceito
de raça, "I have
a dream".
E para
finalizar,
gostaria de
deixar a
sugestão de duas
leituras:
O “Pequeno
Manual
Antiracista” (já
citado), da
Djamila Ribeiro,
e “Racismo
Brasileiro”, de
Ynaê Lopes dos
Santos, que
apresenta como o
racismo esteve e
está presente na
sociedade
brasileira
através dos
séculos.
(*) Branco,
racista em
desconstrução.
► Leia também o
artigo
“Viagem à
Pequena África –
Retornando ao
passado para
compreender o
presente e
transformar o
futuro”,
de Deborah
Passos, Fernanda
Fernandes,
Renata Braga,
Roberta Azevedo
e Rosana
Nascimento,
nesta edição do
VÍNCULO.