Opinião

Edição nº1519 – sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Esse artigo foi publicado originalmente no jornal O Globo em 18/11/2022

Num país onde tradicionalmente o governo funciona tão mal, o BNDES resistiu

Em resumo, a instituição é um ativo da sociedade brasileira

Fabio Giambiagi

 

Economista do BNDES

Nestes momentos propícios a uma reflexão acerca das políticas do novo governo, é útil nos determos na análise do BNDES. Com vistas a tentar contribuir para uma melhor compreensão disso, com meu colega na instituição, Paulo Faveret, elaboramos o texto “Financiamento da infraestrutura e capacidade de desembolso do BNDES: Reflexões e cenário para 2023/2030”, publicado como Texto para Discussão número 5 no site do Ibre/FGV.

Muito se falou dos empréstimos do Tesouro Nacional (TN). Pouca ênfase foi dada, porém, à reversão ocorrida nos últimos anos. Vejamos isso em detalhes:

i) a soma dos valores pagos pela instituição ao TN, desde que surgiram aqueles empréstimos em 2008, já alcançou um valor acumulado da ordem de R$ 690 bilhões;

ii) a dívida do BNDES para com o TN, que era de 9% do PIB em 2015, caiu para menos de 1% do PIB;

iii) o ativo do BNDES, que a preços de dezembro de 2021 alcançou R$ 1,3 trilhão em 2014, foi da ordem de pouco mais da metade disso no ano passado;

iv) no acumulado de 2010/2021, o BNDES acumulou lucros de R$ 142 bilhões a preços correntes, dos quais mais da metade (R$ 79 bilhões) pagos em dividendos ao TN; e

v) a TLP nominal de 6,9% foi igual ao custo médio das emissões da dívida mobiliária federal em 2019, mas nos últimos anos esses valores se descolaram entre si, sendo de 6,4% (TLP) vs. 4,4% (custo marginal de endividamento público) em 2020 e 13,3% (TLP) vs. 8,5% no ano passado: o Tesouro ganhou um bom dinheiro com o BNDES, recentemente.

Isso sugere que o BNDES foi capaz de administrar tanto as tarefas relacionadas às políticas anticíclicas, após o choque de 2008, quanto as demandas pela devolução dos recursos, a partir de 2016, cumprindo fielmente o seu papel de braço executor do governo, em que pese o fato de que as determinações em um e outro caso foram opostas.

Curiosamente, quando se deixa de lado a volatilidade anual e se tomam médias de cinco anos, nota-se uma tendência comum a diferentes administrações. A participação dos desembolsos para as Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME) no total, que era de 23% na média de 2006/2010, aumentou para 32% nos cinco anos seguintes, depois para 44% durante 2016/2020 e finalmente para 46% em 2021, mantendo uma tendência de atenção crescente a esses tomadores.

Por sua vez, nos mesmos intervalos de tempo, a participação dos desembolsos para a infraestrutura em relação ao total evoluiu de 35% em 2006/2010, para 37%, 39% e 41% nos mesmos períodos, respectivamente. Cabe destacar, igualmente, a participação crescente dos desembolsos para a agropecuária, de apenas 6% do total em 2006/2010, para 9%, 22% e 26% nos citados períodos subsequentes.

Uma nota especial cabe também para a tendência de redução dos desembolsos para o Sudeste, que foram de 57 % do total na segunda metade dos anos 2000 e de 47%, 40% e 39% nos mesmos períodos citados. Por último, ressalte-se o fortalecimento financeiro da instituição, cujo patrimônio líquido passou de R$ 42 bilhões para R$ 127 bilhões entre 2015 e 2021, a preços de dezembro de 2021.

Tudo isso, porém, perpassa uma questão maior: qual é o mandato do BNDES? Olhando para a frente, a agenda que se destaca é a de apoio a futuros processos de concessão, à infraestrutura, à mobilidade urbana, às MPMEs e às iniciativas ligadas à sustentabilidade ambiental, ao desafio da mudança climática e ao desenvolvimento da Amazônia. Evidentemente, com responsabilidade e eficiência e respeitada a restrição orçamentária — algo particularmente importante no atual contexto.

Em resumo, o BNDES é um ativo da sociedade brasileira. Para qualquer governo que zele por boas políticas públicas, ter um órgão financeiramente saudável e com sua expertise é algo que deve ser saudado como uma oportunidade de formulação, execução e coordenação de políticas.

Num país onde tradicionalmente o governo funciona tão mal, o BNDES, com 70 anos de História atrás de si, é um dos órgãos que resistiram ao tempo, num Estado em frangalhos. Não é pouca coisa.

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