Nestes momentos propícios a uma reflexão
acerca das políticas do novo governo, é útil
nos determos na análise do BNDES. Com vistas
a tentar contribuir para uma melhor
compreensão disso, com meu colega na
instituição, Paulo Faveret, elaboramos o
texto “Financiamento da infraestrutura e
capacidade de desembolso do BNDES: Reflexões
e cenário para 2023/2030”, publicado como
Texto para Discussão número 5 no site do
Ibre/FGV.
Muito se falou dos empréstimos do Tesouro
Nacional (TN). Pouca ênfase foi dada, porém,
à reversão ocorrida nos últimos anos.
Vejamos isso em detalhes:
i) a soma dos valores pagos pela instituição
ao TN, desde que surgiram aqueles
empréstimos em 2008, já alcançou um valor
acumulado da ordem de R$ 690 bilhões;
ii) a dívida do BNDES para com o TN, que era
de 9% do PIB em 2015, caiu para menos de 1%
do PIB;
iii) o ativo do BNDES, que a preços de
dezembro de 2021 alcançou R$ 1,3 trilhão em
2014, foi da ordem de pouco mais da metade
disso no ano passado;
iv) no acumulado de 2010/2021, o BNDES
acumulou lucros de R$ 142 bilhões a preços
correntes, dos quais mais da metade (R$ 79
bilhões) pagos em dividendos ao TN; e
v) a TLP nominal de 6,9% foi igual ao custo
médio das emissões da dívida mobiliária
federal em 2019, mas nos últimos anos esses
valores se descolaram entre si, sendo de
6,4% (TLP) vs. 4,4% (custo marginal de
endividamento público) em 2020 e 13,3% (TLP)
vs. 8,5% no ano passado: o Tesouro ganhou um
bom dinheiro com o BNDES, recentemente.
Isso sugere que o BNDES foi capaz de
administrar tanto as tarefas relacionadas às
políticas anticíclicas, após o choque de
2008, quanto as demandas pela devolução dos
recursos, a partir de 2016, cumprindo
fielmente o seu papel de braço executor do
governo, em que pese o fato de que as
determinações em um e outro caso foram
opostas.
Curiosamente, quando se deixa de lado a
volatilidade anual e se tomam médias de
cinco anos, nota-se uma tendência comum a
diferentes administrações. A participação
dos desembolsos para as Micro, Pequenas e
Médias Empresas (MPME) no total, que era de
23% na média de 2006/2010, aumentou para 32%
nos cinco anos seguintes, depois para 44%
durante 2016/2020 e finalmente para 46% em
2021, mantendo uma tendência de atenção
crescente a esses tomadores.
Por sua vez, nos mesmos intervalos de tempo,
a participação dos desembolsos para a
infraestrutura em relação ao total evoluiu
de 35% em 2006/2010, para 37%, 39% e 41% nos
mesmos períodos, respectivamente. Cabe
destacar, igualmente, a participação
crescente dos desembolsos para a
agropecuária, de apenas 6% do total em
2006/2010, para 9%, 22% e 26% nos citados
períodos subsequentes.
Uma nota especial cabe também para a
tendência de redução dos desembolsos para o
Sudeste, que foram de 57 % do total na
segunda metade dos anos 2000 e de 47%, 40% e
39% nos mesmos períodos citados. Por último,
ressalte-se o fortalecimento financeiro da
instituição, cujo patrimônio líquido passou
de R$ 42 bilhões para R$ 127 bilhões entre
2015 e 2021, a preços de dezembro de 2021.
Tudo isso, porém, perpassa uma questão
maior: qual é o mandato do BNDES? Olhando
para a frente, a agenda que se destaca é a
de apoio a futuros processos de concessão, à
infraestrutura, à mobilidade urbana, às
MPMEs e às iniciativas ligadas à
sustentabilidade ambiental, ao desafio da
mudança climática e ao desenvolvimento da
Amazônia. Evidentemente, com
responsabilidade e eficiência e respeitada a
restrição orçamentária — algo
particularmente importante no atual
contexto.
Em resumo, o BNDES é um ativo da sociedade
brasileira. Para qualquer governo que zele
por boas políticas públicas, ter um órgão
financeiramente saudável e com sua expertise
é algo que deve ser saudado como uma
oportunidade de formulação, execução e
coordenação de políticas.
Num país onde tradicionalmente o governo
funciona tão mal, o BNDES, com 70 anos de
História atrás de si, é um dos órgãos que
resistiram ao tempo, num Estado em
frangalhos. Não é pouca coisa. |