Opinião |
|
Edição nº1402 –
sábado, 25 de julho de 2020 |
|
|
Reforma Tributária:
Começou ou não? |
Paulo
Henrique
Pêgas |
|
Contador
do BNDES |
|
|
|
Para justificar a
relevância do tema e a extensão do
artigo,
gostaria de iniciar nossa conversa
reproduzindo um texto publicado na
mídia: “Estamos vivendo um momento
especial. Depois de longos anos de luta
do setor produtivo, parece que não só a
sociedade brasileira e o empresariado,
mas também os nossos políticos e até
mesmo o governo federal, finalmente se
convenceram de que a economia do país
não conseguirá mais evoluir sem a adoção
imediata de um novo modelo tributário.
Ninguém mais tem dúvida de que o Brasil
precisa acabar com a atual colcha de
retalhos que é a nossa legislação
tributária, implantando em seu lugar um
sistema simples, eficiente e, sobretudo,
justo. Um sistema no qual a produção não
seja tão sobrecarregada de múltiplos
impostos e nem os brasileiros de menor
poder aquisitivo sejam, apesar disso,
obrigados a pagar caro para se
alimentar. Acenos importantes têm sido
feitos pelo próprio governo”.
Calma, esse texto
não é atual, não foi escrito no meio da
pandemia da
Covid-19.
Foi extraído do site
https://monitormercantil.com.br/a-hora-da-reforma-tributuria
do dia
23/set/1999,
tem mais de 20
anos,
mas poderia
perfeitamente se encaixar nesse último
decêndio de julho de 2020, quando
finalmente o
Ministério
da Economia
apresentou para a sociedade a primeira
parte do projeto de reforma tributária.
A lamentar apenas a percepção, pela
leitura da matéria do
Monitor
Mercantil,
que a reforma tributária, já em 1999,
era ansiosamente aguardada pela
sociedade depois de longos anos de luta
do setor produtivo. E o que o Brasil foi
capaz de fazer durante essas duas longas
décadas? Conseguimos piorar ainda mais o
nosso manicômio tributário. Antes de
comentar o Projeto de Lei nº 3.887/2020,
importante fazer um diagnóstico do
modelo tributário atual, trazendo
números importantes para reflexão da
necessidade urgente de começar o ano de
2021 com algumas mudanças no sistema
tributário, mesmo que a reforma completa
demore um pouco mais para ser concluída.
Listei quatro problemas para você
entender o quão difícil, porém
necessário, será realizar uma reforma
tributária no Brasil.
PROBLEMA nº 1: MUITAS CONTRIBUIÇÕES QUE,
NA PRÁTICA, SÃO IMPOSTOS DISFARÇADOS,
COM OUTRA EMBALAGEM
Quando foi
promulgada nossa carta magna de 1988, a
carga tributária estava em torno de 24%
do Produto Interno Bruto. E os impostos,
principal tributo cobrado aqui e em todo
lugar do mundo, respondiam por
aproximadamente 70% da nossa carga de
tributos, ou o equivalente a 17% do PIB.
Decorridos 30 anos, a Receita Federal do
Brasil
–
RFB nos informa que a carga tributária
de 2018 (último dado disponível) atingiu
pouco mais de 33% do PIB, com os
impostos respondendo pelos mesmos 17% de
1988, ou seja, os impostos representam
atualmente pouco mais da metade do que
arrecadamos. Ora, mas a carga aumentou
substancialmente, de 24% para 33%. Onde
está esse aumento de
nove
pontos percentuais na arrecadação, um
salto de 37,5%? Aí é que reside o
problema, pois o aumento foi concentrado
nas contribuições, espécie de “imposto
disfarçado, com outra embalagem”, que
desde os anos 1990 entrou com tudo na
nossa economia e esculhambou de vez
nosso já combalido sistema tributário.
As contribuições têm recursos
direcionados, seja para a seguridade
social (saúde, previdência e assistência
social),
Ministério
(hoje secretaria) do
Trabalho
(programas diversos de incentivo ao
emprego) ou para programas ambientais e
gastos com infraestrutura no setor de
transportes, como a CIDE-Combustíveis.
Mas, na
verdade, o que representa a dupla
PIS+COFINS se não o ICMS ou o ISS com
outra embalagem?
Uma
empresa comercial não pode pagar só o
ICMS com alíquota maior, em vez de pagar
três tributos diferentes? Um hotel não
poderia pagar apenas o ISS somando as
três alíquotas em vez de ser submetido
ao controle das contribuições
sociais,
além do imposto municipal sobre serviços
–
ISS? O cliente (no caso, o hotel) nada
tem a ver com a disputa entre os entes
estatais. Ele deveria pagar um imposto
só e depois os governos
distribuiriam
o dinheiro. Inadmissível isso não
acontecer em 2020, com todo avanço
tecnológico que temos. E a CSLL, qual
razão da sua existência se já temos o
imposto de renda que é cobrado sobre
base idêntica, o lucro das empresas?
Ninguém conseguirá justificar sua
criação e manutenção, exceto por uma
tentativa de a
União
arrecadar recursos não passíveis de
distribuição a estados e municípios. Já
deveria ter sido incorporada ao IR há
muitos anos.
PROBLEMA nº 2: EXCESSIVA E COMPLEXA
TRIBUTAÇÃO SOBRE A PRODUÇÃO E O CONSUMO
DE BENS E SERVIÇOS
Uma das propostas
em análise no Congresso Nacional, a PEC
nº 110/2019, pretende substituir
diversos tributos por um novo imposto,
denominado Imposto sobre Bens e Serviços
– IBS, em modelo similar
à
contribuição apresentada no PL nº
3.887/2020. Para você entender, como
será difícil tal substituição, veja os
tributos substituídos e seus detalhes,
incluindo arrecadação em 2018 (R$
bilhões, ao lado dos impostos):
– ICMS (479), estadual, cobrado no
comércio, indústria e alguns serviços.
Tem 25% dos seus recursos repassados aos
municípios.
– COFINS (244), federal, cobrado sobre
as receitas das empresas. Seus recursos
são destinados à seguridade social
(saúde, previdência e assistência
social).
– PIS/PASEP (67), federal, cobrado sobre
as receitas das empresas. Seus recursos
são destinados à programas de incentivo
ao emprego.
– ISS (62), municipal, cobrado sobre as
receitas dos prestadores de serviços.
–
IPI (54), federal, cobrado na importação
e nas vendas de produtos
industrializados. Tem 56% da sua
arrecadação repassada para estados e
municípios + 3% destinados ao Fundo
Nacional de Desenvolvimento –
FND[1].
– IOF (37), federal, cobrado sobre
crédito, câmbio, seguro e TVM.
– Outros (39), representado por Salário
Educação, CIDE e outras contribuições.
Além de ter
quantidade desnecessária de tributos, a
arrecadação total preocupa, beirando R$
1 trilhão (R$ 982 bi). Naturalmente,
tais impostos e contribuições são
repassados ao consumidor final, onerando
de forma intensa todo o mercado
consumidor, mas sendo cruel com as
pessoas de menor renda, que consomem
maior percentual do que ganham e são
severamente punidas
em cada compra de mercadoria ou serviço.
Uma lata de achocolatado, que custa em
torno de R$ 6 no supermercado,
tem simplesmente R$ 2 dos tributos
listados no seu preço. Se analisar por
dentro, temos alíquota de 33%. Se sua
análise for por outro lado, verá que o
produto custou R$ 4 e acrescentamos R$ 2
de impostos, chegando aos R$ 6. Assim, a
alíquota ficou em 50%. Assustador, mas é
real.
A sopa de
letrinhas faz a festa da turma da área
contábil-tributária que atua no
contencioso tributário, que, conforme
estudos, representa mais de 2/3 do PIB.
Um caso ilustra essa confusão: a
discussão para a retirada do ICMS das
bases de PIS e COFINS, que se arrastou
por quase vinte anos, foi vencida pelos
contribuintes em março de 2017 em
polêmica decisão do STF (6 a 4). O
resultado será a transferência de mais
de R$ 200
bilhões[2]
da sociedade
brasileira às empresas, principalmente
as de grande porte e aos profissionais
do direito tributário, que, importante
registrar, estão apenas exercendo seu
ofício.
A alíquota de 12%
da Contribuição sobre Bens e Serviços –
CBS do PL nº 3.887/2020 causou frisson e
repúdio,
principalmente nos prestadores de
serviços. Agora, se a CBS pretende
substituir apenas PIS e COFINS e já
causou toda essa confusão com sua
alíquota de 12% (por fora), imagine
quando for definida a alíquota do IBS,
que substituiria também ICMS e ISS. Por
isso que entendo ser necessário mexer no
mix consumo/renda,
se o que se pretende fazer aqui for
realmente uma REFORMA TRIBUTÁRIA.
PROBLEMA nº 3: DISTRIBUIÇÃO DOS RECURSOS
(ORÇAMENTO ENGESSADO)
Análise simples
nos números da carga tributária mostra o
seguinte: a
União
arrecadou R$ 1.547 bilhões em 2018, mas
transfere, obrigatoriamente, cerca de R$
237 bi para estados e municípios, via
Fundo de Participação dos Estados e dos
Municípios (FPE e FPM). De R$ 1.310 bi
que sobra, quase R$ 1 trilhão (R$ 993
bi) vai para trabalho e seguridade
social e outros R$ 168 bi estão
vinculados a contribuições parafiscais,
como FGTS e aquelas destinadas ao
Sistema S. Fazendo conta simples (1.310
– 993
–
168), sobrou em torno de R$ 150 bilhões
para pagamento das despesas de
funcionamento dos poderes
Executivo,
Legislativo,
Judiciário
e de todos os demais gastos da
União.
A conta não fecha. Melhor nem falar das
contas dos estados e municípios, pois
sabemos que estão em situação tão
complicada quanto o governo central sob
o ponto de vista econômico, financeiro e
orçamentário.
PROBLEMA nº 4: REGRESSIVIDADE NO IRPF +
ALÍQUOTA EFETIVA DE 21% NOS GRANDES
GRUPOS = CONCENTRAÇÃO DE RENDA +
DESIGUALDADE SOCIAL
Analisando o
extrato do IRPF divulgado pela
RFB[3],é
possível observar que o Brasil possuía
11 milhões de declarantes em 1998, que
informavam receber 69% de rendimentos
tributáveis e 22% de valores isentos de
IR, com 9% de rendimentos com tributação
definitiva (exclusiva na fonte).
Passados 20 anos, observando os números
de 2018, verifica-se que foram 29
milhões de contribuintes, que informaram
59% de rendimentos tributáveis e 31%
isentos, com 10% de tributação
definitiva. Como os dividendos
representam rendimentos isentos no
Brasil desde 1995, houve forte migração
ao longo dos anos de rendimentos
tributáveis para isentos, principalmente
nas faixas mais elevadas de
renda[4].
Em 2007, pouco mais de um dos vinte e
cinco milhões de contribuintes (4,3% do
total) que entregaram suas declarações
informavam ter recebido
dividendos/distribuição de lucros com
isenção de IR. Em 2018, 11 anos depois,
o número saltou para 3,2 milhões (11% do
total). A tabela a seguir, embora tenha
muitas linhas e colunas, é
esclarecedora. Pela sua relevância,
serão apresentados comentários em
tópicos para facilitar o entendimento,
após sua transcrição.
– Na primeira coluna (2018), o
rendimento é mensal e com base
aproximada no salário mínimo de 2019 (R$
998).
– A comparação com 2007 é mais fechada
por falta de abertura detalhada dos
dados naquele ano.
– Perceba que a alíquota média dos + de
30 milhões de declarantes foi 6,5%.
Porém, comparando com 2007, houve
aumento de alíquota de 4,4%.
– 676 mil brasileiros que declararam
renda mensal (tributável + isenta) acima
de R$ 40 mil tiveram expressiva redução
na sua alíquota de IRPF durante esses 11
anos (2007 para 2018).
– Já a faixa de renda entre R$ 20 e R$
40 mil/mês não apresentou aumento ou
redução na média dos 1.563 mil
contribuintes.
– O grupo de 3,7 milhões de pessoas com
renda média mensal entre R$ 10 e 20 mil
experimentou aumento na alíquota de 46%.
E os 7,7 milhões com renda mensal entre
R$ 5 e R$ 10 mil assumiram aumento de
alíquota de IRPF em 134%.
– A falta de correção na tabela desde
2015 foi o principal fator para o brutal
aumento percentual na tributação da
turma (8,3 milhões) na faixa mensal
entre R$ 3 e R$ 5 mil. E essa falta de
correção é mais um fator que explica o
aumento das alíquotas nas faixas entre
R$ 5 e R$ 20 mil.
– Observe que a alíquota efetiva vai
subindo até a faixa de R$ 20 a R$ 30
mil, sendo que a partir da faixa de R$
40 mil ela passa a diminuir. Tal fato se
justifica na leitura das três colunas
finais, pois quanto maior o rendimento,
maior o percentual de rendimentos
isentos e exclusivos na fonte tem o
contribuinte.
O modelo
brasileiro de cobrança do IRPF é ou não
regressivo? Por isso, conforme dados da
ONU,
somos o 7º país mais desigual do mundo e
o 2º com maior concentração de renda,
atrás apenas do Catar.
Mas, o argumento
original para a concessão e manutenção
da isenção no pagamento de dividendos
nas pessoas físicas com maior rendimento
se justifica pela elevada alíquota
cobrada nas empresas brasileiras. Será?
Pesquisa realizada em
100
dos maiores grupos brasileiros nos
últimos dez anos (2010 a 2019) revela
que a alíquota média praticada no Brasil
de IR+CSLL sobre o lucro ficou em 21%,
conforme tabela a seguir:
Diversos motivos explicam essa redução
de alíquota, sendo os três principais:
1. Pagamento de Juros sobre capital
próprio;
2. Uso de incentivos fiscais de redução,
como o lucro da exploração; e
3. Uso do lucro presumido em empresas
controladas e consolidadas nas DFs.
Portanto, é preciso calma na hora de
afirmar que as pessoas jurídicas pagam
muito imposto sobre lucro no Brasil. São
apenas 100 grandes grupos nacionais, mas
que representam praticamente todos os
setores importantes da atividade
econômica e considerando alíquota média
de dez anos, para não causar distorção.
A PROPOSTA DE REFORMA TRIBUTÁRIA
COMPLETA E O PRIMEIRO PROJETO
APRESENTADO PELO MINISTÉRIO DA ECONOMIA
Analisando a
reação ao recebimento do PL nº 3.887/2020,
percebe-se
o quanto será complicado fazer uma
reforma tributária no Brasil. Ainda que
o documento tenha demorado demais a ser
apresentado e esteja longe da completa
simplificação, ele traz importantes
avanços, mas que foram rechaçados de
imediato pela cultura individualista e
imediatista que cerca a sociedade
brasileira, mesmo aquela com
(teoricamente) melhor nível intelectual.
A primeira análise que se faz, em um
caso desses, é olhar para dentro de si e
fazer a seguinte pergunta: eu pagarei
mais do que pago hoje? Só isso. Não se
pergunta: o que eu pago hoje é a parcela
justa em relação a minha renda e
capacidade contributiva? Ou, será que eu
poderia pagar um pouco mais do que pago
hoje? Irei explicar a seguir o que seria
o novo tributo, a Contribuição sobre
Bens e Serviços – CBS,
e você poderá observar que, ainda que
longe do ideal, ele traz avanços
importantes e é muito melhor do que
temos hoje na insana legislação que rege
a cobrança das contribuições para
PIS/PASEP e COFINS.
O governo demorou demais para começar a
apresentar seu projeto de reforma
tributária. Isso é fato. Porém, parece
correta a lógica da proposta completa,
distribuída em quatro etapas
importantes, a saber:
1. Integração de
PIS e COFINS em contribuição única sobre
bens e serviços
–
CBS, num modelo similar aos utilizados
em nações desenvolvidas;
2. Transformação do IPI em um imposto
realmente seletivo, cobrado apenas sobre
poucos itens, de forma simplificada e
cumulativa;
3. Redução da alíquota de IRPJ, com
tributação da distribuição de lucros e
dividendos, seguindo o lema: mais
impostos para pessoas físicas e menos
impostos para pessoas jurídicas; e
4. Redução dos encargos sociais, com
substituição para um imposto sobre
transações financeiras.
Por enquanto só o primeiro item foi
apresentado, por meio do PL nº
3.887/2020, criando a CBS, integrando as
legislações vigentes de PIS/PASEP e
COFINS. E sobre ele serão feitos alguns
comentários. Os outros três itens
precisam ser integrados ao primeiro para
construir um processo completo de
reforma na essência do sistema
tributário nacional.
Inicialmente,
é importante registrar o primor técnico
do texto apresentado, sem dúvida
construído com qualificada base
científica e jurídica, inspirado no
modelo do IVA canadense. Teoricamente, a
cobrança da CBS ficou bem mais simples
do que o modelo atual, porém
naturalmente traz aumento de carga
tributária para alguns, neutralidade
para a maioria e redução em outros
casos. Não há como fazer reforma 100%
neutra, a não ser que deixe o sistema
exatamente do jeito que está. Para
facilitar o entendimento, serão
apresentados os principais pontos do
texto, seguidos
de alguns comentários, quando
pertinentes.
– A BASE DE
CÁLCULO foi definida como o valor
adicionado pela empresa. Então, a
empresa separa, num primeiro momento, a
CBS a pagar sobre todas
as
suas vendas, com a
receita bruta apurada conforme previsto
na legislação tributária, alcançando
apenas a receita da atividade principal
prevista no contrato social/estatuto. O
ICMS e ISS, que continuam sendo cobrados
por dentro, reduzem a base da CBS. Já as
demais receitas ficam de fora da base,
exceto juros e multas acrescidos à
receita da atividade fim. Então, por
exemplo, se você tem uma venda a prazo
de R$ 500, com ICMS de 20% (R$ 100)
incluído no preço e o cliente paga com
atraso, sendo cobrados multa + juros de
R$ 25, terá CBS a pagar de R$ 51 (425 x
12%).
Por outro lado
(quase[5])
tudo que a empresa tiver de gastos com
cobrança de CBS poderá ser deduzido da
CBS a pagar. A título exemplificativo,
supondo empresa comercial, ela teria
crédito sobre o estoque adquirido, sobre
as despesas de água, energia, aluguel
(se pago a pessoa jurídica), internet,
embalagens, compra de móveis,
equipamentos e veículos, material de
escritório, limpeza, treinamento e
outros itens. Tudo que adquirir com
cobrança de CBS (que será destacado no
documento fiscal) poderá ser deduzido
dos R$ 51 apurados na sua venda. É
realmente um tributo sobre valor
agregado com o chamado crédito
financeiro. Sem dúvida, um enorme
avanço.
–
COMPRAS DE EMPRESAS NO SIMPLES
continuarão gerando crédito, porém pela
parcela da CBS que foi cobrada destas
empresas. Este processo foi importante,
pois de cada dez empresas brasileiras,
sete são tributadas pelo SIMPLES.
Supondo compra de empresa comercial,
tributada pelo SIMPLES, com receita
mensal de R$ 75 mil, há o pagamento de
uma guia única, incluindo IR+CSLL,
Contribuição Previdenciária Patronal,
ICMS e o CBS (que substituirá PIS e
COFINS), no total de 8,2%. A parcela da
CBS representa 1,27% e este será o
montante que produzirá o crédito para a
empresa compradora. Se esta compra foi
de material de escritório/limpeza de R$
1.000, o crédito será de
R$ 12,70[6],
ficando a despesa reconhecida em R$
987,30. Parece complicado, mas se o
valor da CBS for destacado no documento
que ampara a venda, não haverá problema.
– ISENÇÕES DIVERSAS foram incluídas no
texto, com a cesta básica totalmente
desonerada, por exemplo. Importante
deixar claro que como não haverá
cobrança de CBS na venda, o comprador
não terá direito a crédito. Em alguns
casos, há o chamado “crédito presumido”,
quando mesmo com o vendedor não tendo
que pagar a CBS há permissão para o
comprador se creditar de um percentual.
Por exemplo, na venda de frutas in
natura não há cobrança de CBS. Suponha
um hotel, que compre frutas por R$ 500
para utilizar no café da manhã ou para
fazer sucos para seus hóspedes. No caso,
poderá utilizar um “crédito presumido”
de 1,8% (15% de 12%), no montante de R$
9.
– QUEM VENDER PRODUTOS TRIBUTADOS E
ISENTOS simultaneamente deverá ter
atenção especial para o uso de créditos.
Vamos a um exemplo. Um supermercado tem
receita bruta de R$ 20 mil, sendo 70% de
produtos tributáveis (14.000) e 30% de
produtos com isenção (6.000). Sobre a
venda de R$ 14 mil, o supermercado
acrescentará R$ 1.680 (12%) de CBS,
cobrando do seu cliente R$ 15.680
(14.000 + 1.680). A venda de 6.000 sairá
sem a contribuição. Admita que a conta
de energia elétrica do supermercado seja
R$ 2 mil (Despesa) + R$ 240 (12%) de CBS,
totalizando R$ 2.240. Neste caso, o
desconto no pagamento será de apenas R$
168 (70% de 240), com o supermercado
assumindo o valor da CBS pago na compra
de R$ 72 (30% de 340). Resta a seguinte
dúvida: a despesa de energia elétrica
será de R$ 2.072, incluindo a CBS não
aproveitada? Entendo que sim. Lembrando
sempre que, para fins de simplificação,
desconsideramos o ICMS aqui.
ENTENDENDO A CBS POR MEIO DE EXEMPLO
NUMÉRICO
Importante explicar a aplicação da CBS
por meio de exemplo numérico em uma
pequena cadeia produtiva.
Suponha que a Cia. Alfa produza X, que
será vendido diretamente a Cia Beta,
varejista, que revenderá o produto ao
consumidor final. Colocarei alguns
prestadores de serviço no caminho, para
tornar o exemplo o mais real possível.
Para fins de simplificação, deixarei o
ICMS de fora do processo, pois as bases
de cálculo da CBS deveriam sempre
retirar o imposto estadual.
Cia. ALFA, PRODUZ X
. Gastou R$ 1.000 na compra de insumos
agrícolas, pagando R$ 1.120 pela
inclusão da CBS de R$ 120 (12% de 1
mil).
. Comprou frutas in natura, que
representam matéria prima na produção de
X por R$ 500, sem a cobrança da CBS,
pois a venda de frutas é isenta. Porém,
a Cia. Alfa terá direito a um crédito
presumido de CBS de 1,8% (15% de 12%),
montando R$ 9.
. Pagou R$ 200 a seus empregados da
produção. Para fins de simplificação,
apenas os três gastos listados (insumos
+ frutas + mão de obra) integrarão o
custo de produção.
. Pagou R$ 200 de contas de energia,
água e telecomunicações, acrescido da
CBS de R$ 24 (12%), totalizando R$ 224.
. Gastou R$ 50 em treinamento, acrescido
de R$ 6 (12%) da CBS, pagando R$ 56.
. Como faz sua
contabilidade, RH e parte jurídica fora,
pagou por
esses serviços R$ 150, acrescido de R$
18 da CBS, pagando R$ 168.
. Produziu 20
unidades de X e vendeu tudo por R$ 125
cada + CBS de R$ 15 (12%), sendo R$ 140
por unidade. No total, deu
R$ 2.500 +
300 (12%) = R$ 2.800, foi o valor
cobrado do comércio varejista.
APURAÇÃO DA CBS DA CIA. ALFA
(INDÚSTRIA):
+ CBS a Pagar de
R$ 300
(2.500 x 12%).
- CBS a Recuperar de
R$ 177
(120 + 24 + 6 + 18 + 9)
= CBS Líquido a Desembolsar de R$
123.
. Não gerou crédito de CBS o gasto
de
mão de obra.
. A Cia. Alfa teve receita bruta de
R$ 2.500 + R$ 9 ref. Crédito
presumido de CBS.
. Como vendeu tudo, seu custo das
vendas foi R$ 1.700 (1.000 + 500 +
200).
. Demais despesas de R$ 400 (200 +
50 + 150).
. Assim, o lucro da Cia. Alfa montou
R$ 409 (2.509 – 1.700 – 400).
. Perceba que a CBS não representa
despesa nem receita do distribuidor.
Este apenas pagou a contribuição nas
suas compras e cobrou do cliente a
CBS na venda. Apenas o valor do
crédito presumido obtido na compra
da fruta foi registrado em receita.
CIA.
BETA, COMÉRCIO VAREJISTA
. Comprou 20 unidades de X pagando R$
2.500 + 300 (12%) de CBS, totalizando R$
2.800.
. Tem despesas com aluguel, energia
elétrica, telecomunicações e serviços de
terceiros, pagando R$ 100 + R$ 12 de CBS
(12%), totalizando R$ 112.
.
Contratou frete
para entregar seus produtos, pagando a
empresa de transportes (tributada pelo
SIMPLES) o total de R$ 100, sendo que a
CBS montou
R$ 2,65[7]
e virá destacada
na nota. Neste caso, a despesa de frete
do distribuidor montará R$ 97,35 (100,00
– 2,65 da CBS).
. Pagou tarifas bancárias ao Banco da
Praça de R$ 25. Neste caso, embora o
banco pague sua CBS (5,8% = R$ 1,45),
este valor não produz direito a crédito.
. Comprou material de limpeza/escritório
por R$ 36,25 + 4,35 (12%) de CBS,
pagando R$ 40,60.
.
Gastou R$ 41,40
com
mão de obra.
. Revendeu todo o
estoque de X por R$ 3.000 + CBS de R$
360 (12%), cobrando do cliente R$ 3.360
(150 a unidade + 18 de CBS = R$ 168).
APURAÇÃO DA CBS DA CIA. BETA
(DISTRIBUIDOR):
+ CBS a Pagar de
R$ 360
(3.000 x 12%).
- CBS a Recuperar de
R$ 319
(300 + 12 + 2,65 + 4,35)
= CBS Líquido a Desembolsar de
R$ 41.
. Não gerou crédito de CBS o gasto
de
mão de obra.
. A empresa teve receitas de R$
3.000 e despesas de R$ 2.800 (2.500
+ 100 +
97,35 + 25 + 36,25 + 41,40), com
lucro de R$ 200.
. Perceba que a CBS não representa
despesa nem receita do distribuidor.
Este apenas pagou a contribuição nas
suas compras e cobrou do cliente a
CBS na venda.
Trata-se de profunda e relevante mudança
cultural no processo, pois a CBS será
cobrada por fora, acrescida ao preço, de
forma transparente. Vamos analisar as
duas empresas do exemplo didático e
observar quanto elas pagaram da
contribuição, lembrando que ela não faz
parte do resultado, conforme já
comentado.
DRE |
CIA. ALFA |
CIA. BETA |
RECEITA BRUTA |
2.500 |
3.000 |
(-) CUSTO DAS VENDAS |
1.700 |
2.500 |
LUCRO BRUTO |
800 |
500 |
(-) DESPESAS ADMINISTRATIVAS |
400 |
300 |
(+) RECEITA DE
SUBVENÇÃO |
9 |
- |
LUCRO ANTES DO IR |
409 |
200 |
CBS DESEMBOLSADO DIRETAMENTE |
123 |
41 |
Alíquota CBS sobre o Lucro |
30% |
20,5% |
Os percentuais não devem ser levados em
consideração, primeiro que a CBS é sobre
o valor agregado e não sobre o lucro
antes do IR. Mas, mesmo assim, é
importante para mostrar que a
contribuição não interferiu no resultado
empresarial. Os percentuais acima de 12%
se justificam pelos seguintes motivos:
. Cia. ALFA
não tem crédito direto sobre as despesas
de pessoal e na compra das frutas (R$
700 x 12% = 84). Por outro lado, recebeu
o “direito” de se creditar em R$ 9 nas
compras das frutas. Assim, 84 – 9 = R$
75. Se reduzir 75 de 123, encontramos R$
48, que daria 12% do LAIR de R$ 400, sem
a subvenção de R$ 9.
. Cia. BETA
não tem crédito sobre as despesas de
pessoal e bancária (R$ 66,40) e obteve
crédito reduzido sobre o frete
contratado de empresa no SIMPLES (2,72%
em vez de 12%). Portanto, deixou de se
creditar de R$ 17, conforme explicado a
seguir:
– Despesas de Pessoal de R$ 41,40 x
12% = R$ 4,97
– Despesas Bancárias de R$ 25,00 x 12% =
R$ 3,00
– Despesas de Frete de R$ 97,35 x 9,28%
= R$ 9,03
Assim, se a Cia.
Beta tivesse desembolsado mais R$ 17 de
CBS nas compras,
teria reduzido seu pagamento de R$ 41
para R$ 24, representando 12% sobre o
LAIR de R$ 200.
O SETOR DE SERVIÇOS VAI TER AUMENTO NA
SUA CARGA TRIBUTÁRIA?
As empresas tributadas pelo lucro
presumido que atuam na área de prestação
de serviços estão reclamando muito do PL
nº 3.887/2020, alegando aumento na sua
carga tributária. Reitero que se trata
de mudança cultural, pois o tributo
passará a ser cobrado por fora,
acrescido ao preço, com total
transparência para quem compra, ao
contrário do que acontece atualmente.
Não é possível fazer tal afirmativa sem
fazer contas. Seria necessário analisar
todas as compras das empresas, inclusive
aquelas aquisições de bens do ativo
fixo, que terão cobrança da contribuição
e reduzirão o valor devido no final do
período.
O sistema tributário brasileiro é dos
mais embaraçosos do mundo, por isso
existem alguns pontos que necessitam de
estudo aprofundado para melhor
avaliação. Neste momento, com poucos
dias de divulgação de um documento com
61 páginas com o refino técnico que a
complexidade do tema traz, seria
prematuro marcar posicionamento. De
qualquer forma, algumas situações serão
registradas para estudo, confirmação,
reflexão e, se possível, ajustes:
– As empresas do SIMPLES NACIONAL
poderão ser prejudicadas, pois suas
aquisições das empresas tributadas pelo
lucro presumido ou lucro real terão a
cobrança (por fora) da CBS com alíquota
de 12%. Esta CBS será reconhecida como
despesa, pois as empresas do modelo
simplificado terão que pagar sua
alíquota sem descontar qualquer crédito.
E as empresas do SIMPLES não se
beneficiam de ter mais despesas, pois
toda sua tributação é direcionada para
suas receitas.
– Empresa varejista que teve seu ICMS
cobrado no modelo de substituição
tributária pela indústria poderá retirar
o ICMS da base da CBS? Teoricamente
deveria, mas é possível que o valor
correspondente ao seu ICMS não esteja
disponível.
– Setores que pagavam PIS e COFINS pelo
modelo monofásico (concentrado) passaram
para a regra geral na CBS: bebidas
frias, produtos de higiene e beleza,
medicamentos, automóveis e suas peças.
– O Setor de telecomunicações, mesmo
sendo composto por grandes grupos
econômicos, tributados pelo lucro real,
sempre pagou PIS e COFINS pelo método
cumulativo, com alíquota combinada de
3,65%. Analisando as DFs do Grupo Vivo
de 2019, encontramos uma Receita Bruta
de R$ 58 bilhões, com insumos adquiridos
de terceiros em torno de R$ 20 bi. Os
tributos (PIS, COFINS, ISS ou ICMS) eram
cobrados por dentro e estão incluídos,
tanto na receita quando nos insumos.
Porém, análise inicial traz a percepção
que o Grupo Vivo (Telefônica) terá
aumento no pagamento da CBS,
comparativamente ao pagamento anterior
de PIS e COFINS em torno de 50%. O
problema é que isso poderá representar
aumento no preço dos serviços.
– A situação descrita para o setor de
telecomunicações pode se repetir em
outros prestadores de serviços que
estavam no chamado “modelo misto” de PIS
e COFINS: educação, concessionária de
rodovias, serviços de telemarketing,
hotelaria e outros. No caso, um fator
preponderante na análise será em relação
ao CBS pago na aquisição de bens do
ativo fixo.
– As entidades imunes e isentas deixarão
de pagar PIS sobre a folha de pagamento.
Com isso, se não tiverem outras receitas
fora do seu objeto social, devem
economizar anualmente 12% sobre o valor
das despesas de pessoal.
CONCLUSÃO
O Brasil precisa,
com urgência, modificar a forma como
extrai da sociedade um terço da riqueza
produzida por ela. O
Congresso
Nacional,
após direcionar esforços para minimizar
os impactos da
Covid-19,
parece inclinado e colocar a REFORMA
TRIBUTÁRIA na ordem do dia. E faz muito
bem. O modelo tributário brasileiro é
excessivamente complexo, desorganizado e
caótico. Não há condições de atrair
investidores internos e externos com o
modelo atual. Os problemas listados na
primeira parte do artigo explicam isso.
Mas, o desafio será enorme, por conta de
muitos interesses regionais, políticos e
individuais. O Projeto de Lei nº
3.887/2020, apesar de tardio, é o modelo
de legislação que precisamos. Lógico que
necessita de intensos debates e de
aprimoramento. Mas é a base inicial da
mudança na forma de cobrar impostos
sobre o consumo. Seria um sonho
desenvolvimentista integrar ICMS e ISS
na ideia, no racional trazido pela
proposta da CBS. A distribuição do
dinheiro entre os entes estatais não
passa (e não deveria passar) pelo
contribuinte, este teria que pagar
apenas a sua CBS pelo valor efetivamente
agregado na cadeia produtiva. Além de
simplificar a tributação sobre o
consumo, o Brasil precisa reduzir
encargos sociais, tornar a geração de
empregos menos onerosa para a empresa e
mais atraente para o empregado. Mas será
necessário entrar num campo minado de
muitos interesses. E vencer o temor e
preconceito contra o imposto sobre
transações financeiras (CPMF...), que
entendo deveria ser cobrada apenas das
pessoas físicas e com alíquota
reduzidíssima, mais como instrumento de
combate
à
sonegação.
Mas, o mais importante, a meu ver, será
mexer com coragem na forma de tributação
sobre a renda, deixando as empresas com
uma alíquota baixa de IRPJ, para que
possam ter estímulo de investimentos,
mas cobrando das pessoas físicas um IR
justo e progressivo, conforme a renda de
cada um. Abraço.
Confira versão em PDF do artigo (com
tabelas em boa resolução),
aqui.
[1]
1,8% são destinados ao Banco do
Nordeste; 0,6% ao Banco da
Amazônia; e 0,6% ao Fundo do
Centro-Oeste, gerido pelo Banco
do Brasil. Os mesmos percentuais
são extraídos do Imposto de
Renda.
[5]
Embora as instituições
financeiras paguem a CBS, é
outro modelo (cumulativo),
portanto, todas as despesas de
juros e tarifas diversas não
permitem crédito da CBS.
[6]
Será destacado na nota fiscal,
conforme regulamentação que será
feita pelo Comitê Gestor do
Simples Nacional.
[7]
Calculado conforme Anexo III da
Lei Complementar nº 155/16.
[8]
Como a legislação concedeu um
crédito presumido que não foi
suportado pelo vendedor de
frutas, representou um ativo da
empresa compradora (Cia. Alfa),
com contrapartida em receita, a
qual não deverá ser tributada
pelos impostos sobre o lucro e
receita, além não deverá ser
distribuída.