Editorial

Edição nº1385 – quinta-feira, 26 de março de 2020

O Mito e o BNDES

Tudo indica que nos encaminhamos para uma situação trágica no Brasil. Uma crise sem precedentes. Humanitária e econômica ao mesmo tempo. Segundo o ministro da Economia da Alemanha, para dar uma referência, certamente a crise atual será pior ou igual à crise financeira de 2008 em seu impacto econômico.

As condições brasileiras para enfrentar a crise econômica foram todas deterioradas. A começar pelas duas principais lideranças que precisariam guiar o país.

Na Presidência da República temos um senhor fanatizado, um verdadeiro membro de seita, seguidor cego de um guru. O guru é o obscurantista dos obscurantistas. Um homem insano que já perdeu por completo o contato com a realidade. As fantasias e o lixo cultural que difunde deveriam ser objeto de chacota, mas, no contexto em que vivemos, seus disparates soam mais assustadores que engraçados. O presidente e seus filhos dão prova de que nada conta – recomendações de especialistas ou de seus próprios ministros, exemplos de outros chefes de Estado, para não falar de números e estudos publicados (porque todos nós sabemos que isso nunca importou para a família) –, além das loucuras do guru. Exemplos das sandices: não há morte pelo coronavírus comprovada, os políticos de direita que criticam o presidente estão se aliando ao partido comunista chinês, e por aí vai.

No Ministério da Economia temos um senhor que esperou décadas para mostrar para todos como um liberal de verdade deveria conduzir a economia. Acabar com bancos públicos, vender todas as estatais, política de austeridade sem dó nem piedade. Não apenas o resultado de um ano de sua administração guiada pelos dogmas da velha escola de Chicago revelou-se um fracasso rotundo, ele foi pego no meio de uma crise que urge, que suplica por uma medicina keynesiana ousada. Resultado: o ministro desapareceu. No seu lugar, ouvimos vozes patéticas, de subordinados claramente despreparados, repetindo fórmulas como: “as reformas são a melhor resposta à crise”; “estamos divulgando gradualmente as medidas por que precisamos de CAUTELA”.

Eles são a vanguarda do atraso mesmo em grupos sociais conservadores e gananciosos como o mercado financeiro. Não surpreende que o presidente da Câmara dos Deputados, um claro representante desses interesses financeiros, não consiga acompanhar as sugestões dos fanáticos do Ministério da Economia.

Em resumo, o que era apresentado como ala “ideológica” (ou conservadora) do governo e o que era considerado como a ala liberal revelam, nitidamente, nessa crise, o que realmente são e sempre foram: duas facções de dogmáticos, de extremistas, de fanáticos (leia a respeito no editorial do VÍNCULO:O Outro Guru”).

E o BNDES nisso tudo? Felizmente, o programa do Ministério da Economia de desmonte do Banco não foi completamente implementado. E provavelmente será interrompido nesse momento, mais por mérito da inviabilidade política no Congresso do que pela genuína percepção de sua inadequação pelo Ministério da Economia.

Tínhamos condições de apresentar um plano que se destacasse, que mostrasse para a sociedade brasileira a importância do BNDES. Mas não é isso o que os chefes querem, não é isso o que nossa diretoria apresenta. Não há por parte dela qualquer grandeza, não há qualquer dimensão do momento histórico. Fazem o feijão com arroz que corresponde aos sinais que recebem de cima. Levaram duas semanas para apresentar duas medidas. O importante, mais tímido, refinanciamento (uma suspensão por seis meses do pagamento das obrigações financeiras dos tomadores do Banco) e essa linha de capital de giro. Direção correta, verdade, mas foi muito pouco e demorou demais. Faz parte da tragédia que vivemos.

A submissão dos subordinados às sandices do número 1 da República – uma única e parcial exceção pode ser encontrada nas caretas e declarações do vice-presidente Mourão – mostra que ministros foram bem escolhidos. No BNDES há superintendente aclamando o “mito” em mensagens aos funcionários, demostrando que o mesmo ocorreu por aqui.

As condições políticas estão mudando rapidamente e muita gente é atropelada por não perceber isso. Por incrível que possa parecer, há quem tenha considerado importante a presença e as declarações positivas sobre o Banco do presidente Bolsonaro na live do BNDES! Longe de sinal de prestígio do Banco, a presença do presidente da República, no atual momento, foi na prática uma tentativa de prestigiá-lo. É compreensível que seus seguidores mais fiéis não se deem conta disso. Entre eles o Mito continua inabalável, talvez mais admirado do que nunca.

Deveria preocupar a todos com compromisso com o BNDES e com o país que esses seguidores estejam tão à vontade no comando do Banco. Não é um sinal alvissareiro de que o BNDES chegará a ocupar o papel que pode e precisa para sairmos da crise em que nos encontramos. Não ficaremos apenas lamentando. O momento é de ação. Faremos esforços de apresentar o que o BNDES pode e deve fazer. Aguardem.

 

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