"Em 2019, o mundo
despertou para a
emergência
climática, jovens
tomaram as ruas,
idosos famosos foram
presos em atos pelo
clima e governos
mostraram que não
conseguem responder
aos apelos da
população". Assim o
Observatório do
Clima (www.observatoriodoclima.eco.br/)
inicia sua
retrospectiva do ano
passado com fatos
que marcaram o
debate sobre o
clima.
No Brasil, a agenda
ambiental virou uma
espécie de inimiga
nº 1. "Atravessamos
uma crise ambiental
crônica chamada
Ricardo Salles, com
episódios agudos:
recorde de queimadas
em agosto, recorde
de derramamento de
óleo em setembro,
recorde de
desmatamento em
novembro. Em
janeiro, o Brasil
teve o desastre
ambiental mais fatal
de sua história, com
270 mortos após o
rompimento da
barragem da Vale no
Córrego do Feijão,
em Brumadinho".
Confira,
resumidamente,
alguns destaques.
RIP Fundo
Amazônia
O que você faz
quando tem uma
floresta de 4
milhões de
quilômetros
quadrados para
preservar e países
ricos te dão quase
R$ 3,5 bilhões para
isso? Se você é o
ministro Ricardo
Salles, a resposta é
simples: você chuta
tudo para o alto
porque tem birrinha
de ONG. Desde
fevereiro, Salles
tem tentado
controlar o Fundo
Amazônia, uma
iniciativa
bem-sucedida de
pagamentos por
redução de
desmatamento (REDD+)
em vigor desde 2008
numa parceria entre
BNDES e os governos
da Noruega e da
Alemanha. O objetivo
do ministro era
cortar todos os
recursos repassados
à sociedade civil
e distribuir o
dinheiro a seus
amigos do agro.
Sugeriu, sem nunca
ter provado, que
ONGs estariam
malversando a verba.
Ou que o fundo não
tinha critérios. Ou
que o BNDES, um
banco, não sabia
gerenciar dinheiro.
Tentou aparelhar os
comitês gestores do
fundo. Só que os
doadores nunca
toparam. Salles
extinguiu os comitês
e desde então vem
declarando que a
retomada do fundo
está "em
negociação".
Governadores da
Amazônia, que
juntamente com a
União recebiam a
maior parte do
recurso, já estão
atrás de doações
diretas.
Desmatamento em
alta
A taxa de
desmatamento na
Amazônia cresceu
29,5% no período
medido entre agosto
de 2018 e julho de
2019. Trata-se do
maior desmatamento
em uma década e do
terceiro maior
incremento na taxa
desde que o Inpe
começou a fazer as
medições do sistema
Prodes, em 1988. O
ministro do Meio
Ambiente chamou a
divulgação dos dados
de
"sensacionalismo",
depois encomendou um
PowerPoint mostrando
supostos "furos" no
Deter, que
justificariam a
contratação de um
sistema privado para
"complementar" as
informações do Inpe.
Quando o Prodes
saiu, mostrando a
perda de 9.762 km 2 de
floresta e
confirmando os
alertas do Deter, o
ministro tentou
fugir para a frente
e culpar os países
ricos por não darem
dinheiro para a
conservação.
Brasil
negacionista
O Brasil de
Bolsonaro entrou
para o grupo dos
países nos quais o
negacionismo
climático é política
de Estado. O
ministro das
Relações Exteriores
professa a variante
xucra do
negacionismo,
segundo a qual
a ciência climática
é uma invenção da
esquerda para
destruir o Ocidente
e criminalizar o
consumo de carne. O
ministro do Meio
Ambiente é mais
alinhado com o
negacionismo "prafrentex",
do século 21: admite
que a mudança
climática existe,
mas questiona se é
causada pelos
humanos.
Galvão não se dobra
Em 19 de julho,
diante das notícias
sobre a explosão do
desmatamento na
Amazônia, Jair
Bolsonaro chamou a
imprensa
internacional para
dizer que os dados
do Instituto
Nacional de
Pesquisas Espaciais
eram "mentirosos" e
que o diretor do
Inpe, o físico
Ricardo Galvão,
devia estar "a
serviço de alguma
ONG". O presidente
só não contava com a
reação. No dia
seguinte, Galvão
declarou ao jornal O
Estado de S.Paulo que
a atitude de
Bolsonaro foi
"pusilânime e
covarde". A
declaração lhe
custou o cargo, mas
ajudou a preservar o
Inpe, instituição
que mede
desmatamento na
Amazônia por
satélite há mais de
30 anos. A
integridade do
cientista e sua
decisão de peitar o
governo tornaram
Galvão um herói
nacional. Em
dezembro, ele abriu
a lista da
prestigiosa revista
Nature das
dez pessoas que
fizeram a diferença
na ciência no mundo
em 2019.
O fechamento branco
do MMA
O primeiro ano da
gestão Salles foi
exatamente o que se
esperava: o de
desmonte acelerado
do Ministério do
Meio Ambiente (MMA), denunciado
por oito dos nove
ex-ministros vivos.
O desmonte começou
na própria estrutura
da pasta, que perdeu
a secretaria de
Clima e Florestas
(responsável por
implementar os
compromissos do
Brasil no Acordo de
Paris), a Agência
Nacional de Águas e
o Serviço Florestal
Brasileiro.
Aprofundou-se com a
militarização do
ICMBio, o
esvaziamento das
chefias do Ibama, o
aparelhamento do
Conama, a mordaça às
comunicações e
a execução
orçamentária pífia,
mesmo com dinheiro
em caixa e um monte
de problemas
ambientais para
resolver.
A "foice no Ibama"
Sob a batuta do
ministro Ricardo
Salles e execução do
presidente Eduardo
Bim, a autarquia
passou a perseguir
os próprios fiscais,
abandonou
estratégias de
inteligência contra
o crime ambiental,
deixou a maioria de
suas
superintendências
nos estados
acéfalas, censurou
as comunicações com
a imprensa, divulgou
locais de operação
na internet,
alertando os
criminosos, perdeu
recursos para áreas
estratégicas como
combate ao fogo e
viu a mais alta
figura da República
ordenar o fim da
destruição de
equipamentos
apreendidos de
bandidos em áreas
protegidas federais.
Indígenas viram alvo
Apoiado pela ala
militar, pelos
liberais e pelos
evangélicos, Jair
Bolsonaro abriu a
temporada de caça às
terras indígenas,
vistas como um
entrave ao
"desenvolvimento"
(que é como eles
chamam a exploração
de produtos
primários vendidos a
preço de banana no
mercado
internacional) e uma
ameaça à
"soberania". O
presidente tem
prometido abrir
essas terras ao
garimpo, à
agropecuária e à
extração de madeira.
Na ponta, as
promessas vêm sendo
entendidas como um
"liberou geral". De
janeiro a setembro,
o Cimi (Conselho
Indigenista
Missionário)
registrou 160
invasões a terras
indígenas, contra
111 em 2018. E
líderes indígenas
vêm sendo
assassinados.
Amazônia em chamas
Em 10 de agosto,
fazendeiros da
região de Novo
Progresso, no Pará,
combinaram por
WhatsApp um "Dia do
Fogo", uma espécie
de queimadaço
coletivo de áreas
que eles haviam
derrubado. A queima
tinha o objetivo
declarado de
"mostrar serviço" ao
presidente Jair
Bolsonaro. E iniciou
uma crise
internacional.
Naquele mês, o
número de queimadas
na Amazônia foi o
maior em sete anos –
o triplo do
registrado no mesmo
mês em 2018. Foi o
maior número de
focos de queimada
registrado num mês
de agosto desde o
início da queda no
desmatamento que não
esteve associado a
nenhum evento de El
Niño ou seca
extrema.
ONGs viram alvo
No final de
novembro, quatro
brigadistas
voluntários foram
presos e o
escritório do
Projeto Saúde e
Alegria foi invadido
pela Polícia Civil
de Santarém (PA),
sob a acusação
surreal de que os
ambientalistas
estariam por trás
dos incêndios feitos
por grileiros numa
área de proteção em
Alter do Chão.
#Óleo no Nordeste
No final de agosto,
manchas de óleo
começaram a aparecer
em algumas praias
nordestinas, no que
se tornaria o maior
desastre ambiental
do litoral
brasileiro: 4.500 km
de praias foram
contaminados. Apesar
das declarações do
secretário da Pesca,
Jorge Seif Jr.,
sobre a cognição
avançada dos peixes,
a indústria
pesqueira nordestina
sofreu um baque que
ainda não pôde ser
calculado. O governo
levou 41 dias para
acionar o plano de
contingência contra
vazamentos, que o
ministro do Meio
Ambiente só
descobriu que
existia no fim de
setembro. Os dois
comitês que
gerenciavam a
resposta rápida
haviam sido
extintos. A limpeza
das praias foi feita
por voluntários e
funcionários locais
do Ibama. Até hoje
não se sabe de onde
o óleo veio. Na
dúvida, o ministro
Ricardo Salles
adotou a estratégia
do chefe e culpou o
Greenpeace pelo
vazamento – e levou
um processo.
Íntegra da
retrospectiva:
www.observatoriodoclima.eco.br/ |