Quem não é de São
Paulo, fique sabendo
que a maior cidade
do país está forrada
de buracos em suas
vias públicas. Para
quem mora na capital
paulista,
recomenda-se muito
cuidado nas ruas,
especialmente se o
cidadão pretende se
arriscar andando de
bicicleta ou nos
“modernos” patinetes.
Olhando para esses
buracos, o
paulistano
certamente imagina
que eles não são
tapados por uma
dessas três razões:
incompetência da
administração
pública, falta de
dinheiro ou as duas
anteriores juntas.
Diante de tantas
crateras abertas,
porém, um viciado em
economia talvez se
lembre da célebre
sugestão do
economista John
Maynard Keynes: em
tempos de crise, o
governo deveria
contratar
trabalhadores, mesmo
que fosse para
alguns cavarem
buracos e outros os
taparem.
O conselho histórico
e simbólico de
Keynes, a propósito
da grande depressão
de 1929, abre espaço
para um pouco de
humor – para quem
ainda o tem neste
momento opaco da
economia do país. Se
quisesse seguir a
sugestão do grande
economista, São
Paulo nem precisaria
contratar ninguém
para abrir os
buracos.
Falando sério, essa
história de abrir e
tapar buracos é
importante porque
nos faz lembrar que
a maior batalha da
economia brasileira
no momento é contra
o desemprego. O
número é conhecido,
13 milhões, sem
contar os
desalentados,
aqueles que
desistiram de
procurar trabalho.
Tudo isso porque o
país viveu uma
recessão brutal. O
economista José Luis
Oreiro, em artigo no
Valor, estimou que a
retração de 8%,
desde 2014, em
termos reais,
representa uma perda
de riqueza de R$ 600
bilhões.
O atual momento se
torna ainda mais
grave porque os
pensadores da
economia tendem a
discutir apenas um
tema: a reforma da
Previdência Social.
Talvez o ministro da
Economia, Paulo
Guedes, tenha razão
ao dizer que as
pessoas que são
contra essa reforma
merecem ser
internadas. A frase
foi deselegante.
Mais do que isso,
entretanto, ela
parece relegar a um
segundo plano as
raras opiniões de
brasileiros bem
informados que,
acreditando na
importância da
reforma da
Previdência, alertam
para o fato de que
ela não resolve
todos os problemas
do país. Nem se deve
condicionar tudo ao
destino da reforma,
como disse o senador
José Serra.
André Lara Resende,
um dos formuladores
do Plano Real, não
está sozinho. Desde
que publicou no
Valor o resumo de
seu ensaio “Uma
Armadilha
Conceitual”, em 8 de
março, vem
incendiando o debate
entre os economistas
sobre o momento
brasileiro.
Os que receitam a
reforma da
Previdência como
remédio milagroso o
fazem por considerar
o problema fiscal
como um câncer a ser
extirpado a golpes
de machado. Lara
Resende parece não
pensar assim. Ele
reconhece a
importância do
déficit da
Previdência Social e
da crise fiscal, mas
observa que
responsabilidade
fiscal não pode ser
confundida com
dogmatismo.
Considera que o
importante não é
equilibrar o
Orçamento a curto
prazo e a qualquer
custo, mas tributar
e investir bem. Quer
uma tributação
simples e
investimentos
públicos eficientes.
Em entrevista a “O
Estado de S. Paulo”,
fez uma afirmação
corajosa: “É mais
importante tributar
e investir bem, com
objetivo de aumentar
a produtividade e a
equidade, ainda que
sem equilibrar o
Orçamento, do que
eliminar o déficit,
mas continuar
tributando e
gastando mal. Isso é
verdade sobretudo
quando há desemprego
e capacidade
ociosa”.
Gastar bem,
portanto, seria
fazê-lo com olho na
criação de empregos,
não para abrir
buracos,
naturalmente, até
porque o país já tem
buracos
suficientemente
grandes a ser
tapados não apenas
nas ruas, mas em
todas as áreas,
principalmente na
educação, na saúde e
na infraestrutura.
É desolador
observar, no atual
contexto, que o
dogmatismo fiscal
está encolhendo
o Banco Nacional de
Desenvolvimento
Econômico e
Social (BNDES),
entidade da qual
normalmente se
espera um grande
apoio aos
investimentos no
país. No ano
passado, os
desembolsos do banco
caíram para R$ 69
bilhões, o menor
nível dos últimos
dez anos.
Um observador
distraído diria “ok,
o banco está sem
dinheiro, é a
crise”. Mas não, ele
encerrou 2018 com um
lucro líquido de R$
6,7 bilhões e cerca
de R$ 150 bilhões em
caixa.
Em vez de aplicar
esses recursos para
estimular
investimentos e
crescimento, o banco
deverá devolver ao
Tesouro mais de R$
120 bilhões neste
ano, um pagamento
antecipado de dívida
que só venceria em
2040. Esse bolo de
dinheiro será
“incinerado”, usado
com o único objetivo
de reduzir a dívida
da União.
Para compensar esse
desfalque de caixa,
observa o diretor da
associação dos
funcionários do
banco Arthur Koblitz,
o BNDES vai buscar
empréstimos em
dólares em
instituições
internacionais. “É
difícil acreditar
que se está
considerando
destruir recursos em
reais mobilizados
para o investimento
para substituí-los
por captação em
dólares sujeitas a
variações cambiais”,
escreveu Koblitz.
Há um problema
adicional. Segundo o
economista, as
devoluções seriam
ilegais. O artigo 37
da Lei de
Responsabilidade
Fiscal estabelece a
vedação ao
“recebimento
antecipado de
valores de empresa
em que o poder
público detenha,
direta ou
indiretamente, a
maioria do capital
social com direito a
voto, salvo lucros e
dividendos”. Assim,
o governo estaria
usando um banco
estatal para
compensar o
descontrole da
política fiscal,
algo muito parecido
com a acusação de
“pedaladas fiscais”
que, oficialmente,
foram a razão do
impeachment de Dilma
Rousseff.
Sejam pedaladas ou
não, o fato é que
não se pode esperar
grande colaboração
do BNDES para
expandir o volume de
crédito a
investimentos no
país. Sem reforma da
Previdência e sem
austeridade fiscal,
será o caos, alguém
já disse. Mas sem
investimentos e sem
criação de empregos,
não será diferente.
Nem é preciso ser
economista para
entender isso, como
não é preciso ser
engenheiro para
entender a
importância da luz
elétrica e da água
encanada.