O despertar das Sombras

Celso Evaristo Silva

Empregado do BNDES

E praza a Deus que o triste e duro Fado de tamanhos desastres se contente, que sempre um grande mal inopinado é mais do que o espera a incauta gente...

Camões – Éclogas

Uma coisa não se pode negar à candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República: a de ter recolocado a extrema-direita no tabuleiro do xadrez político nacional. Desde o fim do regime civil/militar de 1964, os setores mais reacionários do campo conservador estavam numa espécie de estado letárgico; como um vírus adormecido, congelado no permafrost de alguma tundra do planeta à espera de condições ideais de temperatura para voltar à ativa. E tais condições lhe foram dadas pelo aquecimento global.

O fenômeno da polarização política não fica restrito ao Brasil; ele acontece em vários pontos do planeta. Na Europa, a conjuminância do desmantelamento do Estado de Bem-Estar Social e sua perda de direitos com a questão da imigração em massa tem favorecido essa polarização. Nos EUA, a transferência de postos de trabalho para a Ásia, o aumento da desigualdade social, o medo do terrorismo e a onda de imigrantes latinos têm acirrado os ânimos, criando condições para a unificação do campo da extrema-direita composto por várias forças e tendências: supremacistas brancos, Ku Klux Klan, neonazistas, ressentidos antiglobalistas, a turma do Tea Parthy, republicanos exaltados etc.

No caso brasileiro, a situação se torna mais complexa. Desde as manifestações de 2013 "contra tudo e contra todos", o quadro político evoluiu para a contestação do então governo Dilma Roussef, passando por processo eleitoral polarizado até desembocar no impedimento da presidente. Movimentos de rua bem organizados e com amplos recursos, gestados na internet e apoiados pela grande mídia varreram o país de norte a sul numa grande onda conservadora. A classe média voltava às ruas com indignação e ardor somente vistos durante o período pré-golpe civil militar de 1964.

Naufragava, junto com a queda de Dilma, a política de conciliação de interesses do período lulista. A equação "PT = neoliberalismo tucano confeitado por políticas sociais" não mexeu na herança dos tucanos marcada pelas privatizações, centralidade do mercado financeiro, lei de responsabilidade fiscal, reforma administrativa bresseriana, metas de inflação e de déficit primário.

Tanto o lulismo quanto a direita globalista tucana avaliaram mal o novo quadro político nascido da recente crise política. Alguns lulistas preferiram ater-se ao ressentimento de Aécio pela derrota nas urnas como causa primeira para a crise e que tudo voltaria aos trilhos quando a poeira baixas-se; enquanto os tucanos tinham como certo ter chegado o momento de seu retorno ao projeto de FHC, bastando para isso dar um peteleco na Dilma e aguardar o retorno triunfal em 2019. Paralelamente ao estrabismo político de ambas as correntes, o ovo da serpente fascistoide eclodia nas camadas medianas de nossa sociedade. De dentro dele saía o monstrengo que muitos julgavam adormecido, congelado nas geleiras da história brasileira.

Chamar esse monstrengo de fascismo pode não corresponder à precisão histórica do fenômeno que varreu a Europa do início do século passado, mas não está tão longe assim das práticas e valores subjacentes aos movimentos liderados por Benito Mussolini (1883-1945), na Itá-lia, e Adolf Hitler (1889-1945), na Alemanha. A nova extrema-direita não mais vê no Estado todo poderoso a saída para as crises do capitalismo. Augusto Pinochet (1915-2006) e seus Chicagos’s Boys inauguraram a aliança que vigora até hoje nesse campo: a aliança do reacionarismo político/cultural com o ultraliberalismo econômico. Ultraconservadores acertaram seus ponteiros com os liberais. O discurso do ódio ao inimigo comum unificador das ações políticas continuou como fator de mobilização para a conquista do poder.

O voluntarismo violento, o culto à personalidade, o proselitismo moral, o militarismo, a disseminação dos preconceitos de toda ordem – racial, misógino, homofóbico, xenofóbico – permanecem, à semelhança do fascismo histórico, só que, agora, acrescidos do compromisso com os liberais em torno da centralidade do mercado e do individualismo daí decorrente; sem deixar de fora outro ingrediente base de engenharia social: o uso da religião enquanto mobilização político ideológica.

Se nas sociedades caracterizadas por instituições tradicionais garantidoras de certa blindagem contra movimentos antidemocráticos, os famosos check and balances, essa onda reacionária causa preocupação, que dirá em países de pouca tradição democrática e com largo histórico de intervenções militares no papel de poder moderador.

O embate entre o antipetismo cego, raivoso, e a adoração acrítica ao grande líder que Lula continua sendo abriu espaço para forças retrógradas que emergiram do Brasil profundo, cuja superação torna-se um imperativo categórico para escaparmos da barbárie, retomando nosso processo civilizacional. É o mínimo que a história espera de nós...

 

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