Ao visitarmos a capital de um país não costumamos perceber, mas muito da sua organização parece refletir um pouco da forma como a sociedade se organiza, com consequências sobre seu próprio desenvolvimento. Há tempos venho desenvolvendo essa teoria. Percebo ser assim em Washington. Parece ser também em Moscou, Beijing e Tóquio, em Londres e Paris, bem como nas capitais dos Emirados Árabes. Penso que é também em Brasília. E, como pretendo argumentar, ajuda a entender os nossos problemas e as soluções para o Brasil.
Vejamos primeiro o caso de Washington. A cidade foi planejada sob o pensamento da maçonaria, que vislumbra a sociedade como uma pirâmide em construção, ou seja, como um trapézio. Essa forma está na nota de um dólar. É a lógica que devemos sempre nos aprimorar para chegar à perfeição. Assim, na base da pirâmide está o eixo que vai do Capitólio ao Lincoln Center, com a Casa Branca, os ministérios e o FED no meio. Nos dois outros vértices estão Dupont Circle e o Logan Circle, a partir dos quais saem ruas diagonais. A lógica é do corpo do trapézio prover um conjunto de serviços, restaurante e hotéis, para aqueles que estão na sua base. "Não pergunte o que os EUA podem fazer por você, mas aquilo que você pode fazer para os EUA".
A cidade de Moscou é bem diferente. No centro da cidade está o Kremlin, construção – fortaleza – com muro alto, sem janelas para a sociedade. Embora as pessoas possam chegar perto do muro, dá para imaginar alguém querendo passear por ali? Em Tóquio, o palácio imperial está no alto e é muito bonito de se ver. Porém está distante do povo, admira-se de longe, não dá para chegar perto. A impressão que se tem é de que lá reside um imperador que enxerga a floresta embaixo, mas não tão bem as árvores.
Já em Beijing, a cidade proibida causa grande admiração logo na entrada ao se ver um grande pátio, todo cercado por paredes com uma construção imponente em frente. Um visitante com pressa e mal informado sairia dali pensando ter visto tudo. No entanto, quando se perambula pela construção, acaba-se por descobrir pequenas entradas nas duas laterais, que dão para outro pátio também suntuoso e novamente uma construção em frente. Já acostumado, o turista imagina outro pátio atrás deste, o que, de fato, existe. Esta experiência acontece mais vezes. A mesma sensação se tem quando se começa a estudar a China. Descobre-se que o país é bem mais complexo do que se pensava inicialmente. Sem saber onde estão as entradas laterais, não se chega muito longe.
E o que se pode dizer ao comparar Londres com Paris? A primeira consegue mesclar, como nenhuma outra da qual tenho conhecimento, o antigo com o moderno. A Torre de Londres fica a pouca distância dos prédios da City, sem que isso cause estranheza. Em suma, conseguiu transitar da idade média para a atual. Ao mesmo tempo em que preserva costumes da realeza, tem um mercado financeiro bastante desenvolvido. Já Paris quer permanecer no mundo da Belle Époque. Tem um centro financeiro mais moderno, mas o escondeu em uma parte mais baixa da cidade.
Em Dubai ou Doha, nos Emirados Árabes, tem-se a impressão de se estar em uma grande e moderna Barra da Tijuca, bairro do Rio de Janeiro. Há grandes avenidas, mas sem calçadas. Chega-se aos prédios apenas através das entradas para carros. Não há interação entre a população e esse mundo entre quatro paredes.
Finalmente, temos a nossa capital, Brasília. Ali o espaço urbano foi planejado como nenhuma outra das cidades acima. Há o setor hoteleiro, o financeiro, o residencial. Até os hospitais são concentrados em determinadas áreas da cidade. O formato da cidade foi arquitetado de modo a parecer um avião. Contudo, por algum motivo que desconheço, resolveu-se colocar todas as pessoas nas asas do avião, deixando o corpo vazio. Existem aqueles que estão na esquerda e os que estão na direita deste avião. Não há gente no centro, ocupado por um gramado sem arborização, que cristaliza a separação entre a cabine de controle e os passageiros, que sustentam o avião.
Parecendo querer validar a relação acima entre características do espaço urbano das capitais e da sua sociedade, o mapa de Brasília simboliza o momento atual do país, marcado pela radicalização de ideologias. Temos migrado da esquerda para a direita. Ignoramos o centro. Ali não tem paisagem ou foto para ser tirada, apenas um gramado estéril.
Enfim, chegamos a uma conclusão, antes que acabe o artigo. Não quero um desfecho fatalista. Não precisamos, como sociedade, replicar o mapa de nossa capital – tampouco, fazer uma grande obra de infraestrutura nessa cidade resolverá nossos problemas. Quero, sim, ser propositivo, com o pé no chão. Reconhecendo a situação em que nos encontramos, o caminho está na reaproximação da direita e da esquerda para o centro; no aparar das diferenças, fazendo com que sejam mais pontuais; no evitar o vai e vem de políticas públicas, que não criam raízes; em termos soluções que levem a menos stops and goes e à redução nas nossas desigualdades.