Parceria entre Embraer e Boeing: a falsa inexorabilidade

Marcos José Barbieri Ferreira

Professor Doutor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Laboratório de Estudos das Indústrias Aeroespaciais e de Defesa (LabA&D) da Unicamp.

Os defensores da aquisição da área de negócios de aviação comercial da Embraer pela estadunidense Boeing apresentam como principal argumento a inexorabilidade desta operação, isto é, segundo eles não há alternativas, ou esta operação é prontamente realizada ou a Embraer não terá condições de competir e deixará de existir num prazo relativamente curto. Em contraposição, este artigo busca contribuir para o debate ao procurar mostrar, ainda que de maneira breve e superficial, as fragilidades e contradições do argumento apresentado pelos defensores desta operação.

O memorando de entendimento divulgado pela Embraer em 5 de julho de 2018 deixou claro que a parceria com sua congênere estadunidense se trata na realidade da venda da área de negócios de aviação comercial para sua congênere estadunidense. O argumento central em defesa desta operação, apresentado neste memorando, indica a necessidade de ampliação da escala empresarial da Embraer, particularmente depois que sua principal concorrente, a canadense Bombardier, firmou parceria com a europeia Airbus na aviação comercial. Os defensores deste argumento também indicam como fator negativo para a Embraer a ampliação da concorrência neste segmento de mercado com a entrada de novas empresas vindas da China, Rússia e Japão.

Com relação aos "novos" concorrentes, apenas a Mitsubishi japonesa pode ser considerada uma nova competidora, mas ainda assim algumas ressalvas devem ser colocadas. Apesar da competência da indústria aeronáutica japonesa na produção de sistemas e aeroestruturas, esta indústria nunca teve posição de destaque no mercado de aeronaves comerciais e há décadas não produz um único avião comercial. Em razão disso, o Japão vem tendo sérias dificuldades e atrasos no desenvolvimento do Mitsubishi Regional Jet (MRJ), resultando num volume de encomendas muito baixo. Além disso, este novo jato comercial terá capacidade para transportar no máximo 92 passageiros, concorrendo apenas com o E175-E2, o menor dos três modelos da nova família de jatos comerciais da Embraer.

Por sua vez, a empresa chinesa Comac e a russa Irkut estão lançando novos modelos de jatos comerciais, respectivamente o C919 e o MC-21, em ambos os casos com capacidade superior a 150 assentos. Desta maneira, estas novas aeronaves irão concorrer diretamente com as famílias de jatos de corredor único da Boeing (737 Max) e da Airbus (A320Neo) e não com os jatos comerciais da Embraer. Cabe esclarecer que as indústrias aeronáuticas russa e chinesa já concorrem com a Embraer, respectivamente, com os modelos Sukhoi Superjet 100 e Comac ARJ-21. No entanto, ambas as aeronaves são tecnologicamente inferiores e estão voltadas, quase que exclusivamente, para atender as demandas dos respectivos mercados internos. Em resumo, não se colocam como concorrentes efetivos dos jatos fabricados pela Embraer.

Com base no que foi apresentado, a nova família de jatos comerciais Bombardier C-Series (renomeadas para Airbus A220) são praticamente os únicos concorrentes da Embraer. Neste sentido, a associação — e não a venda, como proposto no caso brasileiro — entre as empresas canadense e europeia representa um importante desafio para a Embraer, mas em hipótese alguma a desqualifica para continuar disputando a liderança do segmento mercado de aeronaves comerciais de até 150 assentos. Apesar do poder econômico da empresa europeia ser incontestavelmente superior ao da empresa brasileira, este não pode ser utilizado de maneira desmedida em estratégias de concorrência desleal, sob pena de contestações e penalidades impostas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Outro questionamento em relação à possível perda de competitividade da Embraer se refere às vendas conjuntas, isto é, o argumento de que a união das empresas europeia e canadense facilitaria a padronização das frotas de aviões dos seus clientes. Se, por um lado, isto pode ocorrer; por outro lado, a incorporação da área comercial da empresa brasileira pela Boeing também representaria o fim flexibilidade comercial que a Embraer possui nas suas estratégias de negócio. Atualmente a empresa brasileira se concentra na oferta de aeronaves de até 150 assentos, não havendo incompatibilidade com as aeronaves de categoria superior utilizadas pelos seus clientes, independente do fornecedor. Além disso, os aviões comerciais produzidos pela Embraer não enfrentam as restrições colocadas pelos embargos econômicos unilaterais constantemente impostos pelos Estados Unidos da América aos seus oponentes no âmbito geopolítico.

Apesar da entrada da Airbus como concorrente, a Embraer vem mantendo uma elevada competitividade no seu segmento de mercado, como recentemente constatado na feira aeronáutica de Farnborough, na Inglaterra, onde 300 novas encomendas foram contabilizadas, podendo somar mais US$ 15 bilhões à carteira de encomendas da empresa brasileira.

Uma última consideração em relação aos potenciais concorrentes se refere a uma possível entrada da Boeing no segmento de mercado da Embraer, caso não se concretize a aquisição da área de negócios de aviação comercial. Neste sentido, a Boeing poderia utilizar duas estratégias: a aquisição de uma outra empresa já estabelecida ou o desenvolvimento de um projeto próprio. No caso da aquisição de uma outra empresa, a única opção com algum grau de viabilidade seria a japonesa Mitsubishi, mas possivelmente os japoneses não aceitariam as condições ofertadas à Embraer. Caso a hipotética parceria entre as empresas japonesa e estadunidense se concretizasse, o MRJ teria maiores condições de concorrência, mas dadas as limitações do projeto, esta concorrência estaria restrita ao menor modelo de jato comercial da Embraer. Por outro lado, a Boeing poderia decidir desenvolver seu próprio modelo de aeronave, mas isto iria requerer um prazo bastante longo, ainda mais se considerarmos as limitações que a empresa estadunidense possui na área de engenharia, além de sua necessidade de desenvolver novas aeronaves de maior porte. Em suma, a Boeing poderia se tornar um importante concorrente da Embraer, mas não para esta geração de aeronaves.

A Embraer pode sofrer eventuais perdas marginais de mercado em razão de todas as possíveis contestações apresentadas acima, mas com certeza não perderia as condições de continuar disputando uma posição de liderança neste segmento de mercado, pelo menos nesta década, enquanto estas gerações de aeronaves recém-lançadas – pela empresa brasileira e pelos seus concorrentes – estiverem em produção. Neste prazo, relativamente longo, as condições políticas e econômicas nacionais e internacionais podem se alterar, e a Embraer poderia negociar parcerias que preservassem a empresa, além de implementar outras estratégias que permitissem construir novas vantagens competitivas. Desta maneira, o argumento da inexorável inviabilidade competitividade da Embraer, caso não se associe com a Boeing, é completamente falso. Mas pior do que isso, este argumento é contraditório, pois em nome da perpetuidade da Embraer, está se promovendo o seu desmonte, este sim irreversível e com a certeza de impactos muito negativos para o desenvolvimento tecnológico, a cadeia de fornecedores domésticos e a geração de empregos no Brasil.

 

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