Seria relativamente
fácil fazer um texto
irônico, pernóstico
e exibicionista
sobre o peculiar
Oriente-Ocidente do
anúncio/apologia da
reorganização. Por
exemplo, perguntar
"e no confucionismo,
não vai nada?",
seguindo-se de uma
discussão de
Fukuyama, tanto do
volume 1 de The
Origins of Political
Order, suas
três componentes da
ordem política,
e de como as
orientais China e
Índia são
radicalmente
distintas,
acrescentando o
contraste entre
China e Japão que
ele fizera antes no
Trust.
E quem sabe aí
emendar com a
história política do
Ocidente, a presença
contínua de partidos
de base religiosa e
de movimentos
sociais, tanto
conservadores quanto
progressistas,
fundados na fé.
Talvez radicalizar,
tomando emprestado
um pouco que aprendi
com umas amigas
recentemente, sacar
do contraste entre
aletheia e
veritas, de
advaita,
observar as bolinhas
no símbolo de
yin-yang. Tudo isso
emoldurado com uma
frase do Kawasaki
sobre o acesso a
oxigênio. Terá
ficado de herança
uma coleção de
biscoitos da sorte
do Da Costa com um
aviso de "abra em
caso de emergência"?
Ou estaria apenas
sendo gratuitamente
indelicado com um
amigo, com duas
bem-sucedidas
décadas de trabalho
de executivo do
Banco, com um
experiente tomador
de decisões formado
em engenharia
operando fora de sua
zona de conforto
quando forçado a
escrever uma curta
peça entre a
prestação de contas
para acalmar ânimos
e a bulshitagem
motivacional
corporativa,
tratando de uma
pauta que ele mesmo
reconhece como aquém
do que julga deveria
ser feito? Como ler
um texto que, se
numa mão parece ser
um esforço público
sincero de medida
transparência,
noutra mão mascara o
que é um golpe de
morte no que resta
de unidade no corpo
funcional do Banco.
Atos de magia são
assim, atente à mão
que não importa
enquanto à outra se
entrega o feito.
Entre os atos de
magia, a mulher
serrada é construir
um conjunto de
premissas
(aparentemente)
óbvias – e,
portanto,
incontestáveis –
sobre o caminho do
mundo. E uma delas,
que estava presente,
por exemplo, nas
mudanças cá
efetuadas no último
biênio do governo
FHC, é a premissa de
que agora teremos um
ambiente de
concorrência pela
frente. Para poder
enfrentar isso
necessário será se
mudar as estruturas.
É pro bem do país,
pro bem do Banco,
pro nosso bem. Mas
se a coletivos é
bem, a quem ela é
benefício?
Façamos uma pequena
digressão teórica.
Começo com uma
pequena história
acontecida aqui no
Banco. Um evento com
perto de metade da
Área presente, uma
discussão sobre
promoção. Um colega,
administrador, saca
de uma oposição
entre o (insolúvel)
entendimento
meritocrático do
problema tal como
usualmente formulado
e um método (e seu
devido entendimento)
que atendia a
princípios de
justiça distributiva,
numa linha
rawlsiana
(posteriormente,
chamamos a
heurística de Mérito
Coletivo –
obviamente não foi
adotada). Foi um
momento mágico, um
momento em que vi
coisas que eu
conhecia fazia mais
de três décadas,
coisas que aprendi
com Sérgio Abranches,
ali, brilhantemente
refletidas em meio a
uma aparentemente
banal (e geralmente
infrutífera)
discussão
corporativa. Por
vezes você pensa a
utilização de
ferramentas no campo
restrito para o qual
elas foram
desenvolvidas; e
ali, um uso óbvio
(mas que me
escapara) de
conceitos que
funcionam para
espaços políticos
mais amplos estava
sendo empregado para
este espaço político
restrito. E muito
bem empregado, de
forma muito prática.
Em
bom português,
os princípios de
Rawls são:
"1º. Princípio da
liberdade igual: A
sociedade deve
assegurar a máxima
liberdade para cada
pessoa compatível
com uma liberdade
igual para todos os
outros.
2ºB. Princípio da
oportunidade justa:
As desigualdades
económicas e sociais
devem estar ligadas
a postos e posições
acessíveis a todos
em condições de
igualdade de
oportunidades.
2ºA. Princípio da
diferença: A
sociedade deve
promover a
distribuição igual
da riqueza, excepto
se a existência de
desigualdades
económicas e sociais
gerar o maior
benefício para os
menos favorecidos".
O que me traz a uma
obra obscura, uma
ideia soterrada pelo
tempo, mas que na
época fascinava o
Sérgio. Em Tyranny
and Legitimacy
(1979), James
Fishkin, que uma
década depois se
tornou o formulador
da ideia de
deliberative polling,
propunha um critério
de não-tirania para
as decisões
públicas. Na sua
formulação (se não
me falha a memória),
uma decisão
não-tirânica é
aquela que não
provoca
privações severas no
life plan
de uma pessoa.
Lembrem-se, este era
um campo à época
contaminado pelo
convívio com
economistas da
escola de escolha
racional (que, entre
outras coisas,
desandou em
Carrasco). E com
pessoas tentando ser
originais em relação
a esse colosso da
filosofia política
que foi Rawls.
Supondo que as
medidas que venham a
ser efetuadas
concretamente
impliquem em um
deslocamento/redução
de cargos das
áreas-meio em favor
das
áreas-operacionais,
não é preciso muito
esforço para
entender que nem a
condição de
não-tirania, nem
o princípio da
oportunidade justa,
estarão sendo
observados. Quanto a
este, pela forma
como a distribuição
de profissionais no
Banco se dá sabe-se
lá desde quando, a
distribuição das
diferentes
profissões entre as
áreas-operacionais e
as áreas-meio não é
simétrica. Pela
própria natureza dos
trabalhos que são
realizados na Área
Financeira, na Área
Administrativa e de
Recursos Humanos,
nas atividades de
contabilidade e
controladoria, a
presença de
contadores e
administradores de
empresa será
proporcionalmente
maior que no
restante do Banco
nessas áreas-meio. É
também política
atual que os
analistas de
sistemas estão
"condenados" a estar
na ATI (ou seja,
sequer o
princípio da
liberdade igual
vale para eles). A
mudança, por tanto,
tem um viés. Por
acaso esse viés
melhora a
possibilidade de
acesso de todos?
Suspeito que não.
Mas a redução de
cargos, combinada a
isto, certamente
reduz a expectativa
futura das pessoas
virem a ocupar esses
cargos na carreira.
Supondo que essa
situação se
perpetue, isso se
caracteriza como uma
decisão tirânica.
A questão é se essa
medida vai produzir
um ganho que
justifique a
insatisfação e a
apatia que ela
produzirá nas áreas
negativamente
afetadas em suas
oportunidades
individuais pela
reestruturação. Sim,
porque espero que o
impacto disso tenha
sido de alguma forma
contabilizado pelos
propositores dessa
racionalização
administrativa.
Mesmo sabendo que há
pressões de Brasília
por medidas
performáticas (e
inócuas), o Ricardo
foi bastante honesto
em não colocar a
(praticamente
irrelevante) redução
direta de custos
como uma das
metas/resultados
dessa reforma.
Portanto, algum
outro ganho concreto
isso deve ter que
não seja meramente
solucionável, por
exemplo, pela
simples mudança de
atribuições de
cargos, mudanças de
governança
envolvendo a
quantidade de tinta
em determinadas
canetas e carimbos,
sem que isso
envolvesse extinções
e deslocamentos
significativos e
abruptos.
Que falte gente em
certas áreas
operacionais hoje
não é de se
surpreender. Há um
pânico com os abusos
cometidos pelo
Sistema U, pânico
que nada melhora com
membros da atual
Diretoria dizendo
que o Sistema U é
nosso amigo. Não,
não é. As pessoas
querem ter a
garantia de que a
Diretoria está
disposta a se
sacrificar por elas
– não apenas
disposta a negociar.
Isto não é claro,
isto não tem solução
no curto prazo – mas
vem um governo novo
em menos de seis
meses.
Que faltem operações
não se deve à falta
de pessoas nas áreas
operacionais, nem à
falta de ideias
originais. Estamos
no poço de uma
recessão de balanço;
no abraço de morte
do event horizon
de uma política
recessiva,
contracionista,
imposta por
mecanismos de
austeridade
auto-inflingidos; no
limiar de uma nova
era a nível global
em que, ao que
parece, políticas no
âmbito do estado
nacional voltam a
ter relevância. E
isto também é
questão a ser
resolvida por quem
vier – não será
agora.
Pra que, então? Ou
será, pra quem,
então?
Medidas dessa
natureza num momento
em que se sabe que
muito provavelmente
as coisas irão mudar
de novo ano que vem
costumam ser uma
tentativa de
proteger/consolidar
posições de poder.
Mais questões de
política interna do
que questões de
política de
desenvolvimento.
Quais? Não dá pra se
afirmar a priori. Na
linha do
Princípio do
Conservadorismo
Contábil,
citando o (candidato
a) presidente Jair
Bolsonaro: devemos
discutir quem, "mas
com dados técnicos
do BNDES para você
não falar besteira".
E não pense você,
cara leitora, que cá
faço a defesa de um
processo
participativo,
transparente, seja
lá qual a palavra de
ordem ou a ideologia
do momento. "Manda
quem pode, obedece
quem tem juízo" é
uma daquelas máximas
de fácil
entendimento, coisa
que qualquer pessoa
numa engrenagem
hierárquica entende.
É o discurso que soa
falso do "é pro seu
bem" que incomoda,
que desmotiva. É
direito (e papel)
desta Diretoria
fazer as mudanças
que bem entende
(dentro dos limites
da lei, obviamente).
Mas isso não deve,
em hipótese alguma,
ser um obstáculo
para as mudanças na
próxima
administração.
O que não exime o
que está sendo
proposto de seu
impacto. Isso cobra
um preço. No caso, o
que estará sendo
pago é a
solidariedade
interna que lotou o
auditório quando
pessoas foram
arbitrariamente
conduzidas pela
polícia. E posso
dizer
ARBITRARIAMENTE
agora com toda a
tranquilidade: o STF
baniu a prática. Mas
socos na mesa não
irão restaurar a
solidariedade que
será perdida com
medidas desiguais,
indelicadas,
apressadas, pelo
que, como o coelho
puxado da cartola,
no fundo parece um
golpe.