O Clube de Engenharia e os primórdios da industrialização brasileira (1890-1945)
Uma inspiração para o BNDES hoje

 

Marco Aurélio Cabral Pinto
Engenheiro do BNDES e professor da UFF
 
A fundação do Clube de Engenharia precede em algumas décadas à criação do BNDES. Deu-se em 1880, passados apenas seis anos da primeira turma formada na Escola Central de Engenharia (Escola Politécnica). Na ocasião, o Brasil era imensa fazenda exportadora, sem qualquer setor manufatureiro importante.

Na capital, no porto, onde se obtinham notícias do vigor industrial nos EUA e na Alemanha à época, os engenheiros, alguns deles industriais, gozavam de prestígio junto ao imperador. O Clube de Engenharia foi, desde a origem, ambiente de debate qualificado para sistematização de propostas e projetos, com vistas ao exercício de políticas públicas desenvolvimentistas.

A partir de 1882, o Clube de Engenharia recebeu do governo federal a atribuição de apreciar investimentos públicos e privados em infraestrutura (estradas de ferro, instalações portuárias e outras). Não havia no início do século XX competência em planejamento e análise de empreendimentos no setor público e, com isso, coube ao Clube zelar pelo esforço de nacionalização em serviços de manutenção e operação de ativos de infraestrutura, principalmente.

Em 1887 foi publicado o primeiro número da Revista do Clube de Engenharia, onde se destacavam pareceres sobre o saneamento da lagoa Rodrigo de Freitas e o abastecimento de água do Rio de Janeiro. Dois anos depois, o engenheiro Paulo de Frontin resolveu, em apenas seis dias de obras, o crônico desabastecimento de água potável na Capital.

Em 1900, o Clube promoveu o I Congresso de Engenharia e Indústria. A situação financeira da indústria brasileira à época era crítica. As tentativas do governo federal em promover o desenvolvimento do país através do fortalecimento dos mercados de capitais havia recém fracassado (encilhamento).

A reação veio do Clube de Engenharia, que encaminhou conjunto de propostas para problemas de transporte (ampliação da rede ferroviária, reorganização do Lloyd, organização das Companhias das Docas e realização de obras no porto do Rio de Janeiro), posteriormente implementados pelo governo federal.

Na ocasião, os engenheiros e industriais trataram ainda de moléstias contagiosas na capital federal, propondo-se construção de rede de esgotos, calçamento em ruas e canalização de águas como estratégia em saúde pública.

Em 1904, o ex-presidente do Clube, Engenheiro Pereira Passos, tornou-se prefeito do Rio de Janeiro e iniciou processo de transformação urbana de grandes proporções, inspirado em grande medida em trabalhos e debates realizados no Clube de Engenharia [Cury (2000)].

O Plano de Viação Geral da República (1890), as discussões em torno do traçado da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (1904) e o projeto O Valle do Amazonas e suas comunicações telegraphicas (1905) comprovam a importância da atuação dos dublês de engenheiros e industriais na integração do território brasileiro e na consolidação do Estado republicano.

Durante a década de 1930, o recorrente estrangulamento externo mostrou, mesmo para o topo da elite liberal-conservadora (banqueiros e latifundiários), que as políticas liberais deveriam ser revistas. Prevaleceu durante a crise a ideia-chave de que o país deveria seguir adiante com o esforço de criação de mercados de trabalho/consumo. As porções mais pobres do país, constituídas majoritariamente por ex-escravos, acumulavam-se na periferia das cidades, somando-se à época três décadas de fracasso liberal.

Os engenheiros reunidos no Clube rapidamente perceberam, contudo, que o sonho civilizatório não poderia prescindir da ocupação política do Estado brasileiro. A partir de 1930, através do fortalecimento das instituições públicas nos anos Vargas, tornou-se então possível fazer a inflexão no debate em favor de um projeto de país.

Sobre as derrotadas teses fiscalistas/privatistas prevaleceram propostas para vigorosa expansão em investimentos públicos em infraestrutura – eis a origem da supremacia tecnológica brasileira em construção civil pesada. As mal compreendidas empreiteiras brasileiras protagonizaram o início da integração inacabada do território.

Apenas na década de 1930, o Clube participou dos debates para a construção do aeroporto Santos Dumont, eletrificação da Estrada de Ferro Central-Piraí e construção da adutora de Ribeirão das Lajes. Contribuiu também na elaboração do Código de Águas, do Código de Minas e em estudos para o aproveitamento do carvão nacional.

Em 1946, o Clube promoveu o II Congresso Brasileiro de Engenharia e Indústria. Neste colocou-se ênfase na atividade de planejamento, propondo-se a criação de ente público que coordenasse os estudos sobre a estrutura, os recursos e as condições gerais do Brasil. Procurou-se ainda garantir a execução de obras de engenharia de grande envergadura com profissionais brasileiros. Conforme resolução de subscrição consensual à época, o trabalho de profissionais estrangeiros só deveria ser efetuado com supervi-são de técnicos nacionais.

Pouco tempo depois, já no segundo mandato do presidente G. Vargas, foi criado o BNDES (1952) com funções complementares àquelas desempenhadas pelo Clube de Engenharia até então, porém potencializado por acesso a recursos compatíveis com o investimento de longo prazo no país.

Desde sua origem, o BNDES tem se envolvido progressivamente nos grandes problemas nacionais, com propostas ousadas e chamando para si a responsabilidade pelo encaminhamento das soluções.

Com mais ênfase a partir de 2016, o Banco passou, contudo, a redirecionar estrutura e estratégia para ampliação de acesso ao crédito de longo prazo não subsidiado a pequenas e médias empresas. Este caminho único parece distanciar o Banco da posição de outrora, no qual direcionou massas de investimento coordenado a setores dinâmicos da economia. Ao contrário, a atuação do BNDES como Fintech parece circunscrever-se a aspectos ligados à análise de crédito, taxas de juros e garantias.

Este ambiente não favorece o debate e o envolvimento dos funcionários nas grandes questões nacionais. Como coordenar processo de planejamento com entes subnacionais de maneira a aumentar a qualidade dos projetos de infraestrutura urbana no país? Como universalizar os serviços públicos e induzir melhorias de eficiência e qualidade? Como induzir o aumento de conteúdo nacional nos investimentos em infraestrutura? Em quais setores/tecnologias? Em que territórios? Quais os requisitos para o desenvolvimento sustentável? Para quem e como devem se estabelecer compensações e contrapartidas para o investimento em infraestrutura? Respostas convincentes não são esperadas do "setor privado", nem tampouco de pequenas e médias empresas.

Aproximando-se das eleições de 2018 o Clube de Engenharia se coloca como instituição-chave para a retomada do debate sobre o desenvolvimento brasileiro.

Para isso, não apenas os engenheiros do BNDES podem e devem se associar ao Clube de Engenharia, mas também colegas economistas, contadores, advogados, administradores etc., serão igualmente bem recebidos nos debates promovidos por lá.

Para quem não sabe, ao menos três colegas benedenses se encontram ligados ao Clube hoje, oferecendo-se como referência para os interessados – Sebastião Soares, José Eduardo Pessoa de Andrade e Nelson Duplat. Sem falar no ex-presidente Marcio Fortes.

 
 
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