Da Forma Errada – conversa pra alemão ver
 

Paulo Moreira Franco
Economista do BNDES
 

E era meu plano estar aqui falando de Kahneman quando veio a apresentação feita por pessoas traquejadas pelo mídia training, apresentação que se seguiu por um artigo! conclamando nosso engajamento na defesa! desse essencial planejamento estratégico! que estamos fazendo todos, participativamente (embora alguns animais mais participativos que os outros, o que faz o maior sentido neste país onde o PIG governa com quem a justiça deixar). E aí eu ia juntando esses dois lances...

...e sai o artigo de minha ex-gerente, a última das pessoas que eu esperaria ler no VÍNCULO, artigo bastante instigante, perfeito para começar uma reflexão no momento em que o caso Carillion acontece na terra da Rainha, matriz ideológica de boa parte das assombrações neoliberais que nos assolam. Com isso faria uma discussão sobre Banco, PPPs etc.

...mas aí um amigo me manda na tardinha de domingo, enquanto eu assistia futebol espanhol e esperava pelo Super Bowl, uma entrevista do Diretor-Presidente da nossa excelente consultoria luso-germânica, matéria publicada neste vetusto porta-voz do quatrocentismo paulista que é o Estadão. E aí eu paro esses dois lances aos quais pretendo retornar para discutir um pouco do entendimento deste nosso desnorteado país que está nesse exemplar diálogo. É quase carnaval, serei breve. Vou pegar dois pontos, dois pontinhos apenas. Tem mais, mas a pressa é inimiga da digressão.

O primeiro, um que certamente vocês já ouviram centenas de vezes, é o papinho de que a economia brasileira é muito fechada. Porque, comparando com Alemanha, México e Colômbia (onde raios ele obteve aquele número da Colômbia?), a participação do setor externo no PIB brasileiro é muito pequena. E se formos no site do Banco Mundial olhar os dados, é realmente apavorante. Somos o segundo “pior”, depois do Sudão (22%), empatados com o Paquistão (25%). O problema é que os seguintes, colados em nós, são a Argentina (26%) e os EUA (27%). Ué? Que los hermanos sejam parecidos conosco, vá lá. Mas os EUA? Aliás, se olharmos só as exportações, os americanos (11,9%) são piores em termos de percentual do PIB do que nós (12,5%). Será que a participação de um país no comércio exterior tem a haver com coisas como geografia, tipo o tamanho e a população, a distância da massa continental da Eurásia, o tamanho relativo da economia em relação aos vizinhos, a quantidade de latitudes que atravessam o país? Será que a distância do troca-troca que acontece dentro da Eurozona ou das cadeias produtivas regionais asiáticas, relações que acontecem por conta de “eficiências”, dentre as quais se encontram as de natureza fiscal (vai um double irish dutch sandwich ou coisa parecida para escapar de pagar imposto pelo venti servido em Londres?), tem influência nesse número?

Defender uma maior participação do comércio exterior é uma daquelas abobrinhas bacaninhas que todo mundo fala por aí, pela qual a economia reza. Na boca de uma consultoria alemã, país que mantém um patológico superávit de balança comercial, isso ganha outra conotação. Isso não é estratégia, mas dogma.

E em se tratando de dogma, o segundo ponto é ainda mais gritante. E aqui eu pego um trecho de Other People’s Money, do John Kay:

“But the popular obsession with Silicon Valley should not lead anyone to believe that all successful SMEs are made in California. The business writer Hermann Simon has identified around two thousand firms he calls ‘hidden champions’, distinguished by a combination of modest scale (revenues below $4 billion) and world-dominant positions in niche markets. (…)

Although there are niche producers such as these in the USA, Italy and Japan, two-thirds of the ‘hidden champions’ come from Germany and the German-speaking areas of Switzerland and Austria. These ‘hidden champions’ are the stars of the Mittelstand, the small- and medium-size companies that are the basis of Germany’s extraordinary strength in manufacturing exports. German exports per head are four times those of the USA and more than ten times those of China. The businesses of the Mittelstand are predominantly family owned. (…)

(…) As noted in Chapter 1 a consequence of this concentrated ownership and governance structure, and the success of family controlled Mittelstand companies, is that Germany has less egalitarian income and wealth distribution than other continental European countries.”

Campeões ocultos! Olha que conceito que faria a alegria de Miriam Leitão tivesse o BNDES por trás disso. “Achamos que o futuro do país está na média empresa” é não entender que a Alemanha tem um quadro institucional e histórico bastante específico (até no seu entendimento de economia), que não é copiável, que vagamente pode servir de inspiração, mas nunca de template. Fechando com o próprio John Kay:

“The very different environments of German-speaking Europe, California and Tel Aviv demonstrate that there is no single formula for success in nurturing SMEs and providing the necessary finance. Each of these industrial groups – the Mittelstand, the Valley, the Israeli electronics cluster – has proved effective in the global competition, but each is the product of particularities of history, culture and environment which are probably irreproducible elsewhere.”

 
 
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