"Tenho a honra de
defender, em nome de
nossos companheiros João
Paulo e Olívio Dutra, do
Partido dos
Trabalhadores; Marco
Maciel, José Lins e
Carlos Chiarelli, do
Partido da Frente
Liberal; Cardoso Alves,
do PMDB; e Juarez
Antunes, do PDT,
posições partidárias
divergentes em outros
assuntos e convergentes
neste momento.
Convergentes,
companheiros, porque
temos a certeza de que a
liberdade de organização
está diretamente ligada
à liberdade política. A
democracia está
diretamente ligada a
esta liberdade."
(DIÁRIO DA ASSEMBLÉIA
NACIONAL CONSTITUINTE, 2
de Março de 1988, p25)
A provocação não era
gratuita. Ela
complementava o ponto de
uma pergunta anterior. E
aqui faço uma breve
digressão sobre a arte
da pergunta. Faz-se
pergunta para esclarecer
um ponto do que foi
dito. Faz-se pergunta
para afirmar uma
posição. Isso é o comum
das perguntas. Também
delas faço, mas
sinceramente acho que há
pouca graça nisso. Tal
como entendo, tal como
gosto de fazer, boa
pergunta é aquela que
permite ao palestrante
dizer o que ele quer
dizer fora das amarras
do tema da palestra, do
powerpoint que o
emoldura naquele evento.
Uma boa pergunta rompe
as defesas da
formalidade e o liberta
para dizer o que
realmente acha sobre o
que o aflige/emociona
naquele momento. Que nem
sempre é o objeto da
palestra, mas que quase
sempre nos traz algo
muito mais interessante
para o entendimento do
mundo (e do
palestrante).
No caso da professora
Sola, a crise de
legitimidade e mudanças
que tornam a sociedade
mais ativa era o que ela
veio nos dizer.
Engasgada era a
afirmação que uma
Constituição deve ser
feita por um pequeno
grupo de ilustrados
especialistas e
simplesmente referendada
pelo órgão
representativo eleito. E
uma observação de que
nos EUA uma vez que a
Justiça decidiu ninguém
questiona, ao contrário
do Brasil. Observação
que funciona para muitos
casos, menos para quando
isso realmente importou:
após o mandato que
Roosevelt ganhou com a
eleição de 1937, por
exemplo.
Voltando à interpelação,
o parágrafo na abertura
deste texto foi parte da
fala de Guilherme Afif
Domingos, deputado
federal pelo PL com mais
de 500 mil votos na
eleição de 86. Na época
do PL de Álvaro Valle,
agora PSD de Kassab.
Coube a ele defender uma
emenda aglutinativa
desse conjunto de
parlamentares propondo a
pluralidade sindical,
desamarrando com o
cartório – que existe
até hoje. Sim, a emenda
foi recusada (148 sim,
305 não, 19 abstenções)
com os votos contrários
de Geraldo Alckmin
Filho, José Serra e
Michel Temer. FHC deve
ter ido ao banheiro, já
que não votou nessa mas
votou na seguinte, que
aprovou o texto que
ficou. O PT se absteve
nessa segunda votação.
Por que trazer isso?
Porque o processo
político é um pouco mais
complexo do que os
manuais construídos na
polaridade entre
esquerda e direita.
Porque essa votação
sinaliza uma ruptura que
a professora Sola parece
desconhecer. Pois
enquanto seus pares
políticos na época
defendiam a manutenção
de um status quo, outros
já estavam dentro da
lógica de mercados
enquanto solução dos
problemas. Pós-queda do
Muro o neoliberalismo
tornou-se A ideologia. E
nossa recém-aprovada
Constituição algo
subitamente anacrônico.
E pessoas que defenderam
o antigo status quo se
tornaram porta-vozes do
novo novo sem a menor
menção à radical mudança
que se passava,
neoliberais
renascidos... bem, teve
o Choque do Capitalismo.
Se a doutora Lourdes não
se dá conta dessa
mudança, de como ela
destrói o demos
ao fragmentá-lo em
identidades e
consumidores – em
oposição ao processo
anterior construído a
partir de classes
sociais e organizações
(como sindicatos e
partidos) – ela também
não consegue entender o
desmoronamento atual da
ordem neoliberal. Ela
está a duas revoluções
de distância, sendo uma
delas a revolução em
curso. E, neste sentido,
o desmoronamento
eleitoral das caixas
ocas em que se tornaram
os partidos do Ocidente
no (pós)neoliberalismo –
última das quais foi a
Alemanha – é coisa que
escapa ao tempo de
Sartori. A crise de
legitimação que ela
enxerga, da qual ela
falou, é um processo
mais grave, profundo,
complexo, universal.
Essa é uma revolução
cujo entendimento sobre
ainda está por ser
construído. Mas há
pensadores
contemporâneos – como
Mark Blyth, Wendy Brown,
Janine Wedel, só para
citar três autores,
atuantes em disciplinas
e matrizes teóricas
distintas – onde é
possível vislumbrar
algum sentido nesse
processo.
Este desmonte dos
sistemas partidários
pelo mundo afora é um
primeiro ponto de alguns
artigos que pretendo
escrever sobre a
pertinência de se fazer
um processo de
planejamento estratégico
neste momento. Não só
aqui quanto nos outros
pontos a serem
explorados
posteriormente, é a hora
errada, pois.
"Há uma grande desordem
sob o céu, a situação é
excelente."
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