Esse campo fértil e
recente da pesquisa
econômica que usa a
teoria de redes e
congrega físicos,
economistas,
engenheiros, cientistas
sociais e da computação,
é muito bem-vindo por
nos lembrar algo que já
deveríamos estar carecas
de saber, mas que, de
tempos em tempos,
insistimos em duvidar: a
estrutura produtiva
importa para o
desenvolvimento
econômico e social.
Mas porque escrevo sobre
Complexidade Econômica
se o convite que me foi
feito para ocupar esse
espaço era para falar do
setor de Petróleo e Gás
Natural (P&G) e de sua
Política de Conteúdo
Local? Por um simples
motivo: o setor de P&G
representa de longe a
maior oportunidade para
o desenvolvimento da
estrutura produtiva do
país nas próximas
décadas.
As melhores fontes de
informação que podemos
ter hoje sobre o
assunto, mesmo que
divirjam em algum grau,
não deixam a menor
dúvida: o arraste que o
setor de P&G possui nas
diversas cadeias de
fornecedores e na
estrutura produtiva
local é colossal.
Apresento alguns
números, sem a pretensão
de ser preciso, mas com
o simples intuito de dar
a ordem da grandeza do
que estamos falando. O
setor representa hoje
entre 150 a 200 mil
empregos industriais e
envolve mais de 10 mil
empresas na sua cadeia
produtiva. São mais de
R$ 60 bilhões em
investimento anual
(mesmo após tremenda
redução do plano de
investimentos da
Petrobras) – o maior
volume em um único setor
industrial no Brasil. O
setor é também o
principal demandante da
indústria de
transformação. A
Petrobras até há bem
pouco tempo era a
empresa com o maior
plano de investimentos
do mundo, e os
investimentos das demais
operadoras, se ainda
pequenos, crescerão.
O setor é um dos
principais demandantes
de novas tecnologias e
contribui de forma
significativa para os
investimentos em PD&I
no país. Ao contrário do
que acostumamos ouvir de
que este seria um setor
de tecnologia madura, o
Pré-sal representa uma
completa mudança de
paradigma para a
atividade de Exploração
e Produção (E&P)
offshore, sobretudo
do ponto de vista da
inovação.
Serão novos processos e
equipamentos mais
compactos e que passarão
a operar não mais nas
imensas plantas de
processo das
plataformas, mas no
leito submarino em
lâminas d’água de 2 mil
metros. As tecnologias
de perfuração deverão
atingir até 7 mil
metros, atravessando uma
camada de sal de mais de
2 mil metros de
extensão. A formação
geológica absolutamente
heterogênea e única no
mundo demandará intensa
pesquisa de novos
materiais e processos
para essa atividade. A
alta concentração de
contaminantes no óleo
necessita de novas
soluções de
revestimento. As enormes
distâncias da costa
implicarão maior
inteligência logística e
novas formas de
transportar o óleo
produzido até o
continente. As operações
das plantas submarinas
necessitarão de novas
formas de geração e
transmissão de energia,
em novos conceitos como
o de smart grid
subsea.
Há muitos outros
exemplos que poderiam
ser citados. As bases de
conhecimento
relacionadas são
diversas – da nano à
biotecnologia, das
tecnologias de
informação e comunicação
às novas gerações da
eletrônica e da elétrica
aplicada, além da
ciência dos materiais,
passando pela química e
pela atividade de
engenharia de projetos,
dentre tantas outras.
Por diversos ângulos, as
oportunidades para o
desenvolvimento de novas
tecnologias são imensas
e puxarão o conhecimento
e o progresso técnico em
diversas indústrias, no
Brasil ou no exterior.
Ao me alongar nessas
tecnicalidades, o leitor
deve estar se
perguntando: o que a
Política de Conteúdo
Local tem a ver com essa
história? Eu diria tudo.
O desenvolvimento e a
inovação não ocorrem
espontaneamente, em
especial nesse setor.
Mais do que isso.
Políticas públicas pelo
lado da oferta não são
suficientes para o
adensamento da cadeia
produtiva de P&G.
Explico.
A continuidade e a
previsibilidade da
demanda são fundamentais
para a decisão de
investimento produtivo
em qualquer setor – no
setor de P&G esse é um
aspecto extremamente
crítico. As
elevadíssimas barreiras
à entrada, os imensos
riscos envolvidos, a
elevada concentração na
maioria dos segmentos da
cadeia produtiva e o
predomínio de
estratégias ancoradas no
domínio tecnológico
nesses segmentos criam
uma dinâmica onde novos
investimentos dependam,
necessariamente, de
cenários que reduzam
significativamente as
incertezas quanto à
demanda e que viabilizem
a realização de
compromissos de longo
prazo no setor
produtivo.
Assim, a principal
função da Política de
Conteúdo Local no Brasil
é a de direcionar uma
demanda contínua,
previsível, sustentável
e em volumes que
incentivem novos
investimentos no país e
a cooperação na cadeia
produtiva, sem os quais
não se viabiliza o
adensamento produtivo
local.
Caro leitor, este é tudo
menos um setor onde a
concorrência seja
perfeita. Em setores com
essas características e
de forma a incentivar o
investimento e a
inovação, diversos
países usam e abusam de
mecanismos para
direcionar a demanda às
suas bases produtivas –
a forma com que o fazem
é que se distingue. Nos
EUA, pelas compras
diretas do setor público
ou pela regulamentação;
na Noruega, pelo poder
de compra de sua estatal
e pelo fomento às firmas
de engenharia locais; na
Indonésia, por políticas
que incentivam e
condicionam a formação
de parcerias. Na Arábia
Saudita, Angola,
Nigéria, Canadá, os
exemplos são inúmeros,
as formas diversas, mas
há em comum justamente o
desenho de mecanismos
que permitam às bases
produtivas locais
absorverem parte das
oportunidades que este
setor apresenta.
Não somos exceção, não
inventamos nada inédito.
A Política de Conteúdo
Local do P&G no Brasil é
apenas a forma que
criamos para viabilizar
um instrumento central
para o desenvolvimento
da estrutura produtiva e
que se adapta ao arranjo
institucional que aqui
temos. Não
necessariamente é ruim.
Pode ser revista,
aprimorada,
simplificada, mas não
pode perder seu objetivo
principal, o de criar
condições para que a
imensa demanda
decorrente do setor de
P&G seja, ao menos em
parte, absorvida por
nossa base produtiva
local. Se combinada com
outros mecanismos, como,
por exemplo, a Cláusula
de P&D da ANP, e a uma
visão de futuro que
incentive o
desenvolvimento
tecnológico e a
atividade de engenharia,
ainda melhor. Do
contrário, estaremos
ignorando o que a Teoria
da Complexidade
Econômica veio nos
lembrar de forma tão
cristalina: desenvolver
a estrutura produtiva
beneficia e impulsiona o
desenvolvimento
econômico e social. No
Brasil, isso passa por
aproveitar as
oportunidades do setor
de Petróleo e Gás e por
construir uma Política
de Conteúdo Local
efetiva, sem qualquer
dúvida.