A extinção da TJLP: um salto no escuro
 

Ernani T. Torres Filho
Professor do Instituto de Economia da UFRJ e ex-Superintendente do BNDES
 

No dia 31/03/2017, o Presidente do Banco Central anunciou a edição de uma Medida Provisória prevendo a extinção da TJLP, taxa de juros que incide sobre os créditos do BNDES, do Fundo de Marinha Mercante e dos Fundos Constitucionais de Financiamento das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste desde 1994. Em seu lugar, será criada uma nova taxa de juros de longo prazo, a TLP, baseada no custo da NTN-B de cinco anos. Esse título público é indexado à inflação (IPCA) e paga, acima disso, uma taxa real de juros real fixada em leilão pelo mercado.

Até o momento, o governo não deu publicidade a nenhum documento que justifique essa mudança. Entretanto, a partir das manifestações de membros da equipe econômica e de analistas de mercado, podem ser identificadas três motivações que levaram a essa medida. A primeira – e a mais importante – seria a necessidade de se aumentar a potência da política monetária no Brasil. Supostamente, o crédito direcionado bloquearia a atuação do Banco Central pelo fato de a TJLP ser formada independentemente da taxa da SELIC, fixada pela autoridade monetária. Esse fato teria adquirido uma dimensão macroeconômica nos últimos anos, na medida em que o crédito direcionado passou a responder por cerca de 50% de todos os empréstimos bancários da economia.

O segundo motivo seria o caráter discricionário da formação da TJLP, que é fixada pelo Conselho Monetário Nacional, a partir de critérios e metodologias pouco restritivas e transparentes. Isso torna a TJLP imprevisível e impede que os empréstimos do BNDES possam ser securitizados, ou seja, convertidos em títulos e oferecidos a investidores no mercado de capitais. Com isso, o banco de desenvolvimento precisa ser financiado com recursos parafiscais.

A terceira razão seria alinhar a taxa de juros do BNDES às do mercado, reduzindo sua atratividade e com isso a demanda por recursos direcionados. Esse reposicionamento 2 aumentaria o interesse das empresas por financiamentos de mercado e, ao reduzir a pressão de demanda pelos fundos do BNDES, permitiria, no primeiro momento, acelerar o repaga-mento dos empréstimos que o Tesouro Nacional fez ao Banco e posteriormente simplesmente eliminar o Fundo de Amparo ao Trabalhador, incorporando-o definitivamente ao Orçamento da União.

Diante desse cenário, seria importante analisar a consistência dos motivos apresentados pela equipe econômica e avaliar as implicações que a extinção da TJLP terá para a economia brasileira. Com relação à política monetária, há que se ter presente que a potência da taxa de juros do Banco Central está associada aos canais que transmitam o impacto de sua alteração para o restante da economia. O crédito é apenas um desses canais, juntamente com a taxa de câmbio, a variação no preço dos ativos, as expectativas dos agentes etc.

A transmissão através do canal do crédito se dá pelo efeito que a variação na SELIC tem sobre a taxa de juros aplicada aos novos empréstimos. As condições financeiras do estoque de crédito concedido no passado não são diretamente afetadas pela política monetária do Banco Central. Desse ponto de vista, o dado importante não é o fato do crédito direcionado responder por quase 50% do estoque dos empréstimos bancários. O indicador relevante passa a ser a participação do crédito direcionado no fluxo das novas concessões. Sob esse ângulo, a importância do BNDES é muito pequena. A título de exemplo, os novos empréstimos do banco de desenvolvimento entre 2011 e 2016 responderam por apenas 3,8% do fluxo de novos créditos bancários, enquanto, nesse mesmo período, os empréstimos da instituição correspondiam a 20,6% de todo o estoque de crédito dos bancos. Essa diferença decorre do fato de os empréstimos do BNDES serem de longo prazo, com duração média de 7 anos. Diante disso, pode-se afirmar que o papel do crédito direcionado na efetivação da política monetária é muito pequeno no conjunto dos mecanismos de transmissão existentes e certamente muito menor do que aquele que a equipe econômica deixa entender.

Com relação à imprevisibilidade e a discricionariedade da TJLP, há que se reconhecer que são fatores que limitam a possibilidade de o BNDES transacionar seus créditos no 3 mercado de capitais. Entretanto, para que o mecanismo de securitização pudesse ser relevante para o financiamento de longo prazo seria fundamental que os mercados bancários e de capitais brasileiros tivessem porte suficiente para absorver uma parcela relevante dos empréstimos direcionados. Além disso, seria essencial que a adoção da taxa da NTN-B de 5 anos não prejudicasse o nível de investimento e, consequentemente, a demanda por novos créditos corporativos de longo prazo.

A Figura 1 mostra a participação do BNDES e dos demais bancos ao final de 2016 no estoque de crédito de longo prazo, ou seja, com prazos superiores a 5 anos. O banco de desenvolvimento detinha naquela data mais de 50% desses empréstimos, todos realizados com empresas. O Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal respondiam por 35% desses créditos, concentrados em carteiras imobiliárias. A quase totalidade dos 86% detidos pelos bancos públicos foi financiada com recursos direcionados. A dimensão dos crédito de longo prazo intermediados pelos bancos privados com recursos livres é assim muito pequena no Brasil, apenas 14%. Do mesmo modo, de acordo com a Figura 2, os títulos de dívida corporativa, as debêntures, correspondem a menos da metade dos empréstimos da carteira do BNDES e têm um prazo médio muito inferior.

 
 

Finalmente, a Figura 3 mostra a evolução da rentabilidade da NTN-B de 5 anos e da TJLP, acrescidas do spread médio praticado pelo BNDES, 2,5% ao ano, entre 2002 e 2016. Trata-se, portanto, do custo para as empresas tomadoras em cada uma dessas duas opções. Comparativamente à TJLP, o uso da NTN-B de 5 anos como indexador do empréstimo teria introduzido um aumento brutal na volatilidade da taxa final praticada pelo banco de desenvolvimento. Além disso, teria provocado um aumento substancial no seu custo final. Assim, se uma empresa tivesse contraído um empréstimo em dezembro de 2002 e liquidado integralmente o principal e juros desse empréstimo em dezembro de 2016, o custo do empréstimo indexado à NTN-B teria sido três vezes maior do que tivesse sido contratado com base na TJLP.

 

 

Esse alinhamento automático da TJ-LP às taxas praticadas pelo mercado teria como consequência comprometer o papel que o BNDES tradicionalmente ocupou na economia brasileira. Com taxas tão elevadas, voláteis e procíclicas, o banco de desenvolvimento não teria mais condições de atuar como mecanismo de proteção ao investimento produtivo. Não seria mais capaz de promover a competitividade de segmentos de alto valor agregado e com elevado valor agregado nacional, como os bens de capital. Não poderia mais servir como instrumento de atuação anticíclica, como ocorreu em 2008 e 2009. O comportamento do BNDES será ditado, de agora em diante, pelo ciclo da política monetária e pelo risco que o mercado financeiro impuser ao Tesouro Nacional.

Há uma semelhança entre o enquadramento que está sendo feito do BNDES e a experiência de bancos de desenvolvimento de países mais estáveis macroeconomicamente. Na Europa e no Japão, por exemplo, os bancos públicos captam recursos em mercado a uma a taxa ligeiramente superior às que são cobradas a seu controlador. Entretanto, nesses mercados, as taxas de juros pagas pelos governos são historicamente muito mais baixas e mais estáveis que as praticadas no Brasil. Os spreads cobrados nos títulos públicos são pequenos e os mercados são muito concorrenciais. Nenhuma dessas características está presente na nossa realidade. Ao mesmo tempo, não há nenhuma garantia de que, no futuro próximo, o Tesouro Nacional será capaz de impor ao mercado taxas de juros de Primeiro Mundo.

Diante desse cenário, a substituição da TJLP pela NTN-B de 5 anos não parece ser uma medida adequada às condições da economia brasileira, a menos que se queira provocar uma contração do crédito direcionado corporativo e acelerar o repagamentos da dívida do BNDES com o Tesouro Nacional. Não haverá ganhos relevantes na potência da política monetária nem na capacidade de o BNDES captar recursos de longo prazo no mercado nacional. Pelo contrário, o mais provável é a substituição do crédito direcionado pela captação de fontes externas, denominados em moeda estrangeira. Com isso, voltaremos à situação anterior a 2004, com o aumento da dolarização dos balanços das empresas e, consequentemente, da instabilidade macroeconômica. Caso o governo ofereça garantia para o risco cambial 6 diretamente ou através do Banco Central, o problema fiscal aumentará de uma forma desmedida.

Entretanto, o fato de a medida adotada pelo governo ser inadequada não significa dizer que a TJLP não possa ou não deva ser revista. A indexação do crédito do BNDES à inflação passada não teria consequências negativas relevantes. Essa era a regra utilizada nos créditos do BNDES até 1994. O problema do uso da NTN-B está no seu spread demasiadamente elevado e volátil, incompatível com as necessidades de um país que apresenta níveis internacionalmente baixos de investimento e cuja indústria está exposta a uma concorrência financeira de empresas que obtêm recursos a juros muito inferiores aos aqui praticados. Essa deficiência poderia, no entanto, ser sanada através do desenvolvimento de uma metodologia que fixasse o spread a ser cobrado nos financiamentos do BNDES, com base no que é praticado no mercado internacional. Essa taxa de juros real deveria ainda viger por um prazo relativamente longo, de forma a impedir volatilidade excessiva. Seria um preço razoável e previsível e estaria ajustado para um cenário em que a taxa SELIC do Banco Central viesse a ser fixada em níveis compatíveis com a realidade internacional. Até lá, o governo está, com a substituição da TJLP pela TLP, fazendo com que o Brasil dê um salto no escuro, comprometendo um dos únicos mecanismos que dispõe para promover a saída sustentada da longa e profunda recessão que estamos atravessando.

 
 
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