ENTREVISTA/MARCIO MIGON
Embraer e BNDES: uma parceria de sucesso
Desafios recentes da empresa estavam ligados à sua sobrevivência. Com financiamento público à exportação, ela atravessou o que se chama no mercado de "vale da morte"
 
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Marcio Migon trabalha na Área de Comércio Exterior
 
 
Ao entrevistar Marcio Migon, VÍNCULO procura resgatar o
papel do Banco na trajetória da Embraer. Reconhecida como caso de sucesso, a empresa foi objeto de política tecnológica e passou por privatização, internacionalização, mudança societária e agora enfrenta novos desafios. Quantos países dispõem de massa crítica de engenharia aeroespacial como o Brasil? Conforme pudemos constatar, a resposta passa pela ação do BNDES.
 

Graduado em Engenharia Aeroespacial pelo ITA (1993) e mestre em Engenharia de Produção (M.Sc.) pela COPPE/UFRJ (2000), Migon é técnico do BNDES desde 2002, ocupando cargo de chefe de departamento da Área de Comércio Exterior voltado para o apoio às vendas externas da Embraer desde 2010. Suas principais atividades consistem em estruturar operações de crédito, supervisionar os desembolsos e acompanhar a carteira de crédito. Recebeu prêmios internacionais por inovações em operações em favor de companhia de arrendamento mercantil de aeronaves, de companhia de propriedade compartilhada e fretamento de jatos executivos e de banco de desenvolvimento estrangeiro.

VÍNCULO – Qual foi o papel do BNDES na trajetória de sucesso da Embraer?

Marcio Migon – O apoio do BNDES à Embraer remonta à época em que ela era estatal, por meio da equalização das taxas de juros ofertada pela União Federal, da qual era agente. Ao fim dos anos 80, o carro-chefe da companhia era o turboélice de 30 assentos, o Brasília, que também operou bastante nas linhas aéreas regionais brasileiras até fins dos anos 90. A SkyWest, uma das maiores linhas aéreas regionais do mundo, hoje com mais de 900 aeronaves, adquiriu à época 18 Brasílias com o apoio do Banco. Hoje a Embraer é altamente competitiva na arena global. No segmento civil, que responde por mais de 60% de seu faturamento, exporta mais de 90% da sua produção, para mais de 100 empresas aéreas ao redor do globo.

Em 1994, o controle da Embraer foi transferido para o mercado privado. O conceito de um jato de 50 assentos para passageiros já vinha sendo amadurecido, mas a crise econômica em seguida à moratória de 86 e uma decisão equivocada de investimentos tomada pela empresa inviabilizavam o acesso a recursos que a Embraer precisava para desenvolver um produto que sucedesse o Brasília. A Embraer foi a segunda empresa pública a ser levada a mercado (a primeira foi a CELMA, à época também vinculada ao Ministério da Aeronáutica). Assumiu o controle um grupo liderado pelo banco Bozzano Simonsen, que conduziu com muita competência o desenvolvimento do novo produto e a sua introdução no mercado – iniciando com vendas de poucas unidades na Europa e logo em seguida fechando contratos para centenas de unidades nos Estados Unidos, o maior mercado de aviação do mundo.

O Banco, então, respondeu à altura o desafio a ele apresentado. Já em 1995 aportou aproximadamente US$ 300 milhões no capital da Embraer e, entre 1997 e 1998, aprovou operações de comércio exterior em valor total de US$ 1,47 bilhão, para desembolsos ao longo dos sete anos seguintes, em apoio a centenas de unidades exportadas. Era o nascimento da era do transporte regional a jato e tanto a Embraer quanto o Banco foram hábeis em rapidamente seguirem os líderes do que veio a ser o duopólio no segmento.

De lá para cá, vimos apoiando a empresa com o produto FINEM para que desenvolvesse tanto o produto que sucedeu o jato de 50 assentos, o Embraer 190, que entrou em serviço em meados dos anos 2000, como o seu sucessor, o Embraer 190E2, cujas entregas devem iniciar a partir de 2018. Também com o FINEM apoiou o avanço da empresa no concorrido mercado de jatos executivos, ao financiar o desenvolvimento dos Legacys 450/500, ao mesmo tempo em que, na esteira da crise de 2008, com o FINAME PSI, viabilizou que o mercado doméstico absorvesse a demanda que se retraíra fortemente nos mercados centrais.

Historicamente, acumularam-se desembolsos de US$ 20,4 bilhões em financiamentos às exportações, apoiando a venda de 1091 unidades. A carteira de financiamento do Banco às empresas aéreas estrangeiras vem sendo amortizada regulamente, salvo por dois casos de recuperação judicial nos Estados Unidos, conduzidos com sucesso por técnicos do BNDES. Atualmente, resta uma exposição de US$ 6,15 bilhões. E a posição da BNDESPar na companhia continua expressiva, quando comparada à de outros acionistas.

V – Qual o papel das agências de crédito à exportação na concorrência internacional entre os fabricantes no setor aeronáutico?

MM – O setor aeronáutico conta com uma cadeia produtiva global. Na aviação comercial, Boeing e Airbus dominam o mercado de jatos acima de 120 assentos, com a Bombardier tentando desafiar esse duopólio que já dura mais de três décadas. Já o mercado de jatos de menor porte é compartilhado pela Embraer, hoje líder, e Bombardier, desafiadas por empresas russa (Sukhoi, em consórcio com franceses e italianos), japonesa (Mitsubishi) e chinesa (Avic).

Na outra ponta dessa cadeia encontram-se as empresas aéreas, que também, via de regra, escolhem suas aeronaves no mercado global. Ademais, linhas aéreas são empresas intensivas em capital, mão de obra, tecnologia e energia, além de operarem em rede, o que faz daquele negócio um dos mais complexos, sofisticados e arriscados do mundo. É na medida desse risco, e da enorme demanda por capital, que entram as agências de crédito à exportação. Sua atuação mitiga os riscos de execução dos fabricantes quando da entrega de suas aeronaves, uma vez que ou elas próprias fornecem os financiamentos que viabilizam tais entregas (caso de Brasil e Canadá) ou elas emitem garantias robustas o suficiente para atraírem bancos privados ou investidores do mercado de capitais (caso de europeus e norte-americanos). Os entrantes também têm seus mecanismos de apoio público ao comércio exterior e, salvo pelo que se conhece como home market rule, em todas as demais operações é comum encontrarmos algum tipo de papel sendo exercido por entidades governamentais. Na prática, apenas as exportações da Boeing para os países europeus que integram o consórcio Airbus, e as deste pa-ra os Estados Unidos, prescin-dem de todo de apoio público.

O assunto apoio público à exportação é tão relevante nesse setor que já deu margem a longo contencioso entre Brasil e Canadá (1996-2002), no âmbito do órgão de solução de controvérsias da OMC, que acabou por impor derrotas a ambos os lados e que serviu de forte indutor para que, entre 2004 e 2007, fosse negociado, no âmbito da OCDE, o que se conhece como o Entendimento Setorial Aeronáutico. Mesmo sem fazer parte daquela Organização, o Brasil foi convidado a participar. Acabou por cumprir papel de alto destaque, relevância e qualidade técnica, em boa parte devido à presença de colegas nossos aqui do Banco nas várias fases de concepção e de negociação daquele Acordo internacional. Como este tem força de safe haven perante a OMC, fica por conseguinte sobremaneira mitigado o risco de novos contenciosos.

Ademais, o contencioso mais longo e complexo de toda a história da OMC se dá em função de Boeing e Airbus. Tecnicamente tratam-se de dois painéis, ambos contestando a legalidade do apoio que Estados Unidos e União Europeia dão aos seus respectivos fabricantes, para fins de investimentos em P,D&I e no lançamento de novos produtos no mercado. Ainda que não se discuta nesses casos o financiamento ao comércio exterior, vê-se que o apoio público ofertado pelos países centrais, de variadas naturezas, tem peso muito relevante nesse setor e reiteradamente é considerado como algo que se posiciona no limite do que preconizam as leis de mercado.

V – Quais os desafios hoje enfrentados pela Embraer e como o BNDES pode contribuir para a continuidade do sucesso da empresa?

MM – Os desafios recentes estavam ligados à sobrevivência da empresa. No período de desenvolvimento do produto sucessor da família Embraer 190E1, a empresa atravessou o que se chama nesse mercado de "vale da morte", justamente porque, na hipótese de lhe ter faltado financiamento público à exportação em volumes e taxas idênticos ao que o concorrente canadense oferecia, dificilmente obteria êxito nas campanhas de vendas para o mercado norte-americano iniciadas em 2012. Isso teria ensejado o encerramento precoce da linha de produção ativa e a possibilidade de centenas de demissões.

O funding do BNDES e a coordenação que este exerceu junto ao Ministério da Fazenda e à CAMEX foram determinantes para que houvesse sucesso comercial, evitando que a hipótese deletéria se materializasse. O sucesso comercial por sua vez permitiu que a linha de produção nos anos de 2014, 2015 e 2016 fosse preenchida e que os empregos na empresa fossem plenamente mantidos. As iniciativas do BNDES vieram na esteira da derrota que o fabricante brasileiro sofreu na campanha comercial junto à Delta Airlines. Depois disso vieram American Airlines, United Continental e SkyWest, todas vencidas pela fabricante nacional. A pedra de toque foi uma Resolução CAMEX, capitaneada pelo BNDES, e que disciplinou a articulação do nosso funding, com a garantia do FGE e com os recursos do PROEX-Equalização.

Para o futuro, o desafio continua sendo oferecer à empresa – e a seus clientes – capitais públicos a custos e prazos e em volumes compatíveis com as suas necessidades, nos moldes que os países onde estão localizados seus concorrentes o fazem. Como a Embraer é a única neste mercado localizada num país emergente, é claro que se trata de um desafio gigantesco, em especial em tempos de restrições fiscais. Na medida em que há, como visto, regras internacionais que balizam o apoio à exportação de aeronaves, possivelmente, do ponto de vista institucional, o próximo grande desafio seja criar uma disciplina global para tratar do apoio público a P,D&I e ao lançamento de novos produtos.

Outro desafio grande é reter a produção da empresa (e os empregos decorrentes!) no Brasil. Como tanto os Estados Unidos como a Europa já ofereceram e continuam a oferecer vantagens de variadas naturezas para a Embraer transferir sua produção para aqueles locais, nossa responsabilidade fica ainda maior.

V – De que maneira a sociedade brasileira se beneficia do apoio do BNDES à Embraer?

MB – São poucos os setores de alta tecnologia nos quais países de industrialização tardia conseguem se inserir. Tal como o BNDES, a Embraer também decorre da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, mas de modo indireto. Explicando melhor, a fundação da empresa, em 1969, só foi possível porque nos 19 anos anteriores o recém-criado Ministério de Aeronáutica, com o apoio da Comissão, criou o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (o ITA), focado em ensino superior e pós-graduação, e o Centro Técnico Aeroespacial, com outros institutos voltados para a pesquisa aplicada e para o fomento industrial. Não é por acaso que há uma Embraer no Brasil. São décadas de investimento em ensino e pesquisa, seguidas de décadas de investimentos públicos (e mais recentemente privados) em industrialização, comercialização e pós-vendas.

Sem a privatização capitaneada pelo BNDES, talvez a empresa já tivesse deixado de existir nos anos 90. Sem a presença continuada de instrumentos públicos de apoio, compatíveis com os oferecidos ao redor do globo, ou bem a empresa vai produzir cada vez menos no Brasil, ou bem enfrentará novas dúvidas quanto à sua perenidade.

A geração de empregos diretos e indiretos – de alta qualidade e com remunerações acima da média das indústrias brasileiras –, o domínio do ciclo completo de um produto altamente sofisticado, com forte ênfase em projeto e engenharia, e a capacidade de a Embraer competir no mercado global, e em especial seu sucesso no mercado mais complexo do mundo, o norte-americano, são intangíveis que se agregam e projetam a "marca Brasil". Essa projeção – agregada aos investimentos em P,D&I feitos junto a mais de uma dezena de instituições de ensino e pesquisa brasileiras – e as ações de responsabilidade social empreendidas pela Embraer são os maiores benefícios usufruídos pela sociedade brasileira. Portanto, são esses os benefícios decorrentes do apoio do Banco.

 
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O conselheiro eleito do BNDES, William Saab, realizará encontro com os empregados no dia 12 de setembro, às 11h, na sala 2111 do Edserj. O evento terá transmissão em videoconferência para os departamentos regionais: DESUL, DENOR, DEREG e DENORTE.