VÍNCULO – Qual foi o
papel do BNDES na
trajetória de
sucesso da Embraer?
Marcio Migon –
O apoio do BNDES à
Embraer remonta à
época em que ela era
estatal, por meio da
equalização das
taxas de juros
ofertada pela União
Federal, da qual era
agente. Ao fim dos
anos 80, o
carro-chefe da
companhia era o
turboélice de 30
assentos, o
Brasília, que também
operou bastante nas
linhas aéreas
regionais
brasileiras até fins
dos anos 90. A
SkyWest, uma das
maiores linhas
aéreas regionais do
mundo, hoje com mais
de 900 aeronaves,
adquiriu à época 18
Brasílias com o
apoio do Banco. Hoje
a Embraer é
altamente
competitiva na arena
global. No segmento
civil, que responde
por mais de 60% de
seu faturamento,
exporta mais de 90%
da sua produção,
para mais de 100
empresas aéreas ao
redor do globo.
Em 1994, o controle
da Embraer foi
transferido para o
mercado privado. O
conceito de um jato
de 50 assentos para
passageiros já vinha
sendo amadurecido,
mas a crise
econômica em seguida
à moratória de 86 e
uma decisão
equivocada de
investimentos tomada
pela empresa
inviabilizavam o
acesso a recursos
que a Embraer
precisava para
desenvolver um
produto que
sucedesse o
Brasília. A Embraer
foi a segunda
empresa pública a
ser levada a mercado
(a primeira foi a
CELMA, à época
também vinculada ao
Ministério da
Aeronáutica).
Assumiu o controle
um grupo liderado
pelo banco Bozzano
Simonsen, que
conduziu com muita
competência o
desenvolvimento do
novo produto e a sua
introdução no
mercado – iniciando
com vendas de poucas
unidades na Europa e
logo em seguida
fechando contratos
para centenas de
unidades nos Estados
Unidos, o maior
mercado de aviação
do mundo.
O Banco, então,
respondeu à altura o
desafio a ele
apresentado. Já em
1995 aportou
aproximadamente US$
300 milhões no
capital da Embraer
e, entre 1997 e
1998, aprovou
operações de
comércio exterior em
valor total de US$
1,47 bilhão, para
desembolsos ao longo
dos sete anos
seguintes, em apoio
a centenas de
unidades exportadas.
Era o nascimento da
era do transporte
regional a jato e
tanto a Embraer
quanto o Banco foram
hábeis em
rapidamente seguirem
os líderes do que
veio a ser o
duopólio no
segmento.
De lá para cá, vimos
apoiando a empresa
com o produto FINEM
para que
desenvolvesse tanto
o produto que
sucedeu o jato de 50
assentos, o Embraer
190, que entrou em
serviço em meados
dos anos 2000, como
o seu sucessor, o
Embraer 190E2, cujas
entregas devem
iniciar a partir de
2018. Também com o
FINEM apoiou o
avanço da empresa no
concorrido mercado
de jatos executivos,
ao financiar o
desenvolvimento dos
Legacys 450/500, ao
mesmo tempo em que,
na esteira da crise
de 2008, com o
FINAME PSI,
viabilizou que o
mercado doméstico
absorvesse a demanda
que se retraíra
fortemente nos
mercados centrais.
Historicamente,
acumularam-se
desembolsos de US$
20,4 bilhões em
financiamentos às
exportações,
apoiando a venda de
1091 unidades. A
carteira de
financiamento do
Banco às empresas
aéreas estrangeiras
vem sendo amortizada
regulamente, salvo
por dois casos de
recuperação judicial
nos Estados Unidos,
conduzidos com
sucesso por técnicos
do BNDES.
Atualmente, resta
uma exposição de US$
6,15 bilhões. E a
posição da BNDESPar
na companhia
continua expressiva,
quando comparada à
de outros
acionistas.
V – Qual o papel das
agências de crédito
à exportação na
concorrência
internacional entre
os fabricantes no
setor aeronáutico?
MM –
O setor aeronáutico
conta com uma cadeia
produtiva global. Na
aviação comercial,
Boeing e Airbus
dominam o mercado de
jatos acima de 120
assentos, com a
Bombardier tentando
desafiar esse
duopólio que já dura
mais de três
décadas. Já o
mercado de jatos de
menor porte é
compartilhado pela
Embraer, hoje líder,
e Bombardier,
desafiadas por
empresas russa (Sukhoi,
em consórcio com
franceses e
italianos), japonesa
(Mitsubishi) e
chinesa (Avic).
Na outra ponta dessa
cadeia encontram-se
as empresas aéreas,
que também, via de
regra, escolhem suas
aeronaves no mercado
global. Ademais,
linhas aéreas são
empresas intensivas
em capital, mão de
obra, tecnologia e
energia, além de
operarem em rede, o
que faz daquele
negócio um dos mais
complexos,
sofisticados e
arriscados do mundo.
É na medida desse
risco, e da enorme
demanda por capital,
que entram as
agências de crédito
à exportação. Sua
atuação mitiga os
riscos de execução
dos fabricantes
quando da entrega de
suas aeronaves, uma
vez que ou elas
próprias fornecem os
financiamentos que
viabilizam tais
entregas (caso de
Brasil e Canadá) ou
elas emitem
garantias robustas o
suficiente para
atraírem bancos
privados ou
investidores do
mercado de capitais
(caso de europeus e
norte-americanos).
Os entrantes também
têm seus mecanismos
de apoio público ao
comércio exterior e,
salvo pelo que se
conhece como home
market rule, em
todas as demais
operações é comum
encontrarmos algum
tipo de papel sendo
exercido por
entidades
governamentais. Na
prática, apenas as
exportações da
Boeing para os
países europeus que
integram o consórcio
Airbus, e as deste
pa-ra os Estados
Unidos, prescin-dem
de todo de apoio
público.
O assunto apoio
público à exportação
é tão relevante
nesse setor que já
deu margem a longo
contencioso entre
Brasil e Canadá
(1996-2002), no
âmbito do órgão de
solução de
controvérsias da
OMC, que acabou por
impor derrotas a
ambos os lados e que
serviu de forte
indutor para que,
entre 2004 e 2007,
fosse negociado, no
âmbito da OCDE, o
que se conhece como
o Entendimento
Setorial
Aeronáutico. Mesmo
sem fazer parte
daquela Organização,
o Brasil foi
convidado a
participar. Acabou
por cumprir papel de
alto destaque,
relevância e
qualidade técnica,
em boa parte devido
à presença de
colegas nossos aqui
do Banco nas várias
fases de concepção e
de negociação
daquele Acordo
internacional. Como
este tem força de
safe haven
perante a OMC, fica
por conseguinte
sobremaneira
mitigado o risco de
novos contenciosos.
Ademais, o
contencioso mais
longo e complexo de
toda a história da
OMC se dá em função
de Boeing e Airbus.
Tecnicamente
tratam-se de dois
painéis, ambos
contestando a
legalidade do apoio
que Estados Unidos e
União Europeia dão
aos seus respectivos
fabricantes, para
fins de
investimentos em
P,D&I e no
lançamento de novos
produtos no mercado.
Ainda que não se
discuta nesses casos
o financiamento ao
comércio exterior,
vê-se que o apoio
público ofertado
pelos países
centrais, de
variadas naturezas,
tem peso muito
relevante nesse
setor e
reiteradamente é
considerado como
algo que se
posiciona no limite
do que preconizam as
leis de mercado.
V – Quais os
desafios hoje
enfrentados pela
Embraer e como o
BNDES pode
contribuir para a
continuidade do
sucesso da empresa?
MM –
Os desafios recentes
estavam ligados à
sobrevivência da
empresa. No período
de desenvolvimento
do produto sucessor
da família Embraer
190E1, a empresa
atravessou o que se
chama nesse mercado
de "vale da morte",
justamente porque,
na hipótese de lhe
ter faltado
financiamento
público à exportação
em volumes e taxas
idênticos ao que o
concorrente
canadense oferecia,
dificilmente obteria
êxito nas campanhas
de vendas para o
mercado
norte-americano
iniciadas em 2012.
Isso teria ensejado
o encerramento
precoce da linha de
produção ativa e a
possibilidade de
centenas de
demissões.
O funding do
BNDES e a
coordenação que este
exerceu junto ao
Ministério da
Fazenda e à CAMEX
foram determinantes
para que houvesse
sucesso comercial,
evitando que a
hipótese deletéria
se materializasse. O
sucesso comercial
por sua vez permitiu
que a linha de
produção nos anos de
2014, 2015 e 2016
fosse preenchida e
que os empregos na
empresa fossem
plenamente mantidos.
As iniciativas do
BNDES vieram na
esteira da derrota
que o fabricante
brasileiro sofreu na
campanha comercial
junto à Delta
Airlines. Depois
disso vieram
American Airlines,
United Continental e
SkyWest, todas
vencidas pela
fabricante nacional.
A pedra de toque foi
uma Resolução CAMEX,
capitaneada pelo
BNDES, e que
disciplinou a
articulação do nosso
funding, com
a garantia do FGE e
com os recursos do
PROEX-Equalização.
Para o futuro, o
desafio continua
sendo oferecer à
empresa – e a seus
clientes – capitais
públicos a custos e
prazos e em volumes
compatíveis com as
suas necessidades,
nos moldes que os
países onde estão
localizados seus
concorrentes o
fazem. Como a
Embraer é a única
neste mercado
localizada num país
emergente, é claro
que se trata de um
desafio gigantesco,
em especial em
tempos de restrições
fiscais. Na medida
em que há, como
visto, regras
internacionais que
balizam o apoio à
exportação de
aeronaves,
possivelmente, do
ponto de vista
institucional, o
próximo grande
desafio seja criar
uma disciplina
global para tratar
do apoio público a
P,D&I e ao
lançamento de novos
produtos.
Outro desafio grande
é reter a produção
da empresa (e os
empregos
decorrentes!) no
Brasil. Como tanto
os Estados Unidos
como a Europa já
ofereceram e
continuam a oferecer
vantagens de
variadas naturezas
para a Embraer
transferir sua
produção para
aqueles locais,
nossa
responsabilidade
fica ainda maior.
V – De que maneira a
sociedade brasileira
se beneficia do
apoio do BNDES à
Embraer?
MB –
São poucos os
setores de alta
tecnologia nos quais
países de
industrialização
tardia conseguem se
inserir. Tal como o
BNDES, a Embraer
também decorre da
Comissão Mista
Brasil-Estados
Unidos, mas de modo
indireto. Explicando
melhor, a fundação
da empresa, em 1969,
só foi possível
porque nos 19 anos
anteriores o
recém-criado
Ministério de
Aeronáutica, com o
apoio da Comissão,
criou o Instituto
Tecnológico de
Aeronáutica (o ITA),
focado em ensino
superior e
pós-graduação, e o
Centro Técnico
Aeroespacial, com
outros institutos
voltados para a
pesquisa aplicada e
para o fomento
industrial. Não é
por acaso que há uma
Embraer no Brasil.
São décadas de
investimento em
ensino e pesquisa,
seguidas de décadas
de investimentos
públicos (e mais
recentemente
privados) em
industrialização,
comercialização e
pós-vendas.
Sem a privatização
capitaneada pelo
BNDES, talvez a
empresa já tivesse
deixado de existir
nos anos 90. Sem a
presença continuada
de instrumentos
públicos de apoio,
compatíveis com os
oferecidos ao redor
do globo, ou bem a
empresa vai produzir
cada vez menos no
Brasil, ou bem
enfrentará novas
dúvidas quanto à sua
perenidade.
A geração de
empregos diretos e
indiretos – de alta
qualidade e com
remunerações acima
da média das
indústrias
brasileiras –, o
domínio do ciclo
completo de um
produto altamente
sofisticado, com
forte ênfase em
projeto e
engenharia, e a
capacidade de a
Embraer competir no
mercado global, e em
especial seu sucesso
no mercado mais
complexo do mundo, o
norte-americano, são
intangíveis que se
agregam e projetam a
"marca Brasil". Essa
projeção – agregada
aos investimentos em
P,D&I feitos junto a
mais de uma dezena
de instituições de
ensino e pesquisa
brasileiras – e as
ações de
responsabilidade
social empreendidas
pela Embraer são os
maiores benefícios
usufruídos pela
sociedade
brasileira.
Portanto, são esses
os benefícios
decorrentes do apoio
do Banco.