Em entrevista à jornalista Miriam Leitão, da
GloboNews, que foi ao ar na última
quarta-feira (11), o novo presidente do
BNDES, Aloizio Mercadante, falou sobre a
linha de atuação do Banco sob nova direção:
“O BNDES é uma instituição que tem 70 anos
de história. Ele teve papel decisivo na
industrialização e no desenvolvimento do
Brasil. E os países em desenvolvimento de
uma forma geral, e mesmo países
desenvolvidos, como a Alemanha, têm banco de
desenvolvimento público, que cumpre papel
fundamental em suprir lacunas do mercado, em
fomentar setores inovadores e a agenda
contemporânea. E o que a gente pensa para o
BNDES? O Banco tem que ser digital, verde e
inclusivo. Essas são três palavras-chave
para a gente entender o papel do BNDES. E
ele também tem que recuperar o papel de
indução à industrialização, à
reindustrialização do país, e se debruçar
sobre os problemas dessa economia
contemporânea, da crise climática, da
transição digital, da indústria 4.0. Quer
dizer, ele tem que se ousado e ser parceiro
do mercado de capitais nesse imenso
desafio”.
Mercadante afirmou que o investimento no
desenvolvimento sustentável da Amazônia
poderá atrair recursos externos para o país,
especialmente da União Europeia. "Com o
Brasil liderando essa agenda da
biodiversidade, como já liderou no passado,
temos 55 trilhões de euros na União Europeia
para terceiros países”. Com a boa relação
que o presidente Lula tem com líderes
europeus, Mercadante avalia que “temos
grandes chances de trazer uma parte
importante desses recursos para financiar
projetos de desenvolvimento sustentável para
a Amazônia", em fala que repercutiu nos
principais veículos de imprensa.
Segundo Mercadante, o Brasil tem a
oportunidade de "liderar" os investimentos
"verdes" no mundo. Na verdade, segundo ele,
o desenvolvimento sustentável da Amazônia,
com a preservação da floresta, seria o único
caminho para o país ter uma boa inserção no
cenário internacional. "Ou o Brasil enfrenta
isso ou estamos fora do cenário
internacional. O que acende ou apaga a luz
lá fora é a Amazônia. Então, colocando a
proteção dos nossos biomas, especialmente a
Amazônia, vamos ter a contrapartida de
atrair recursos e desenvolver outros
setores, de energia limpa, de economia
limpa, gerar valor agregado, pesquisa,
emprego e renda, de forma sustentável",
completou.
Fundo Amazônia –
Mercadante informou que a primeira reunião
do Fundo Amazônia, após a posse de Lula,
será em fevereiro. “Assim que o Lula
assumiu, o presidente alemão esteve aqui.
Estive com ele e com a ministra do Meio
Ambiente e a ministra da Cooperação. Agora,
no final do mês, vem o Olaf Scholz
(chanceler alemão). Vai vir também o
ministro da Fazenda. Vão vir mais lideranças
do primeiro time do governo da Alemanha em
um mês do que em quatro anos do governo
anterior. E eles sinalizaram isso muito
fortemente quando fizeram aquela doação para
o Fundo Amazônia e a Noruega imediatamente
liberou os recursos. Nós temos R$ 3,3
bilhões não reembolsáveis para o Fundo. Eu
já acertei com o novo diretor geral da
Polícia Federal e com o Flávio Dino
(ministro da Justiça e Segurança Pública) um
grupo de trabalho para a gente estudar todas
as operações de comando e controle para
enfrentar garimpo e desmatamento na Amazônia
e, ao mesmo tempo, entrar com políticas
públicas para gerar emprego e renda e
alternativa de financiamento para as 28
milhões de pessoas da Amazônia. Você vai
tirar uma fonte de renda predatória,
destrutiva, que o mundo não aceita, que o
país não pode permitir, mas precisa colocar
alguma coisa no lugar”, enfatizou.
“Campeões nacionais” –
Questionado pela jornalista, o novo
presidente do BNDES também falou sobre a
política de fomento a “campeões nacionais”,
colocada em prática em governos anteriores
do PT: “Nós temos hoje um mercado de
capitais muito consolidado. E as empresas
que têm acesso ao mercado de capitais não
precisam do BNDES. O Banco pode fazer
parceria, por exemplo, para alongar o
financiamento em infraestrutura, que tem
prazo maior, risco maior. O Banco pode
ajudar a mitigar riscos, usar o fundo
garantidor, que é um instrumento
contemporâneo muito eficiente para alavancar
o financiamento, mas ele não tem que
competir, nem substituir o mercado de
capitais. As empresas consolidadas, maduras,
não precisam do BNDES”. Para Mercadante, o
Banco precisa ter um papel muito forte junto
ao setor de micro, pequenas e médias
empresas, na democratização do acesso ao
crédito, através, por exemplo, de
cooperativas de crédito.
Para o novo presidente do BNDES, a política
de “campeões nacionais” é uma página virada.
“Ali você tinha uma crise de 2008 e 2009, um
momento muito difícil do mundo, a quebra do
Lehman Brother, crise de crédito, e você tem
experiências internacionais em que essa
parceria foi muito exitosa em relação a
algumas empresas, mas eu acho que o mercado
de capitais hoje está financiando essas
companhias. O que você pode fazer é um
consórcio. O BNDES entrar para estimular um
novo investimento, um programa, um setor da
economia. Por exemplo, o setor de aviação e
a Embraer, que é uma empresa que só existe
porque o BNDES existe. É um setor de grande
valor agregado, muita tecnologia e muita
inovação. O BNDES foi fundamental na linha
de crédito de exportações de aviões. Então,
há coisas que o BNDES tem que continuar
fazendo”. Mercadante também citou outros
setores que necessitaram da atuação do BNDES
para se desenvolverem, como papel e
celulose, energia eólica e fármacos. “Você
tem que olhar setores estratégicos e ajudar,
impulsionar, viabilizar e trabalhar sempre
em parceria com o mercado de capitais”,
destacou.
Aportes do Tesouro –
Sobre o fortalecimento do funding do
Banco via aportes do Tesouro Nacional,
Mercadante informou que o Banco recebeu R$
420 bilhões e já devolveu R$ 540 bilhões e
ainda falta uma parcela de R$ 24 bilhões.
“Eu vou conversar com o TCU e a Fazenda para
jogar isso para o segundo semestre porque
precisamos tomar pé da situação. O ideal é
uma relação de equilíbrio entre o Banco e o
Tesouro. E não é que o Tesouro não possa
fazer uma operação (do tipo). Na pandemia,
foi criado aqui o FGI PEAC (Programa
Emergencial de Acesso ao Crédito). O Tesouro
entrou com R$ 20 bilhões de funding e
foram alavancados R$ 94 bilhões de crédito. Uma
excelente experiência em meio a um momento
de crise de liquidez. Você pode
eventualmente ter este tipo de coisa, mas
não tem espaço no Tesouro hoje para o BNDES
solicitar recursos, e não há disposição. Eu
estava na coordenação dos grupos técnicos de
transição e sei o tamanho do apagão fiscal
que nós herdamos. Como é que vai ter
recursos para o BNDES? Não vai ter. E o
Haddad (ministro da Fazenda) vai proteger o
Tesouro”.
O caminho, de acordo com o novo presidente
do BNDES, é buscar alternativas de
financiamento. “Por isso que o Brasil ser o
G1 da biodiversidade no planeta é um ativo,
é um instrumento para a gente ter acesso a
recursos favorecidos, que podem compensar a
restrição do Tesouro para poder melhorar a
qualidade do crédito internamente. Nós temos
que melhorar a Tesouraria do Banco, melhorar
a eficiência da gestão, para poder liberar
mais recursos para o crédito, porque se não
tiver crédito não tem crescimento”.
TLP –
Mercadante afirmou que qualquer mudança na
TLP (Taxa de Longo Prazo) terá que ser
discutida com o Congresso, porque é lei, mas
tem críticas à taxa de juros incluída no
Banco durante o governo Temer: “A diretoria
do Banco não tem esse poder. É lei, o BNDES
não pode alterar a TLP, vamos tirar esse
fantasma da discussão. Mas ela tem um
primeiro problema: a volatilidade. O IPCA
que entra no cálculo é o do mês. Quando a
inflação sobe num mês, a taxa explode e
arrebenta o pequeno empresário. Você precisa
ter uma taxa que seja mais estável, com um
cálculo de três, cinco meses. Você tem que
alongar para amortecer as oscilações. O
segundo problema da TLP é que os juros são
os da NTN-B de cinco anos. Ela tem estado
acima da Selic e acima do custo médio de
rolagem da dívida. Nós podemos trabalhar o
tema da TLP sem recursos do Tesouro. Não
estou falando em subsídio, mas não faz
sentido um banco de desenvolvimento cobrar
uma taxa muito acima do que é o custo que o
governo tem para captar no mercado. Não vou
competir com o setor privado, mas quero
trabalhar para permitir um crédito mais
barato, em parceria com o setor privado”.
Segundo Mercadante, a ideia é oferecer uma
taxa mais baixa para os bancos privados para
que eles possam oferecer na ponta uma taxa
mais competitiva. “E ainda tenho um problema
na relação com o FAT (Fundo de Amparo ao
Trabalhador), que é o grande funding
do Banco. Hoje, o superávit do FAT é usado
para a Previdência Social. Mas nós podemos
fazer uma taxa menor para setores
específicos como inovação, meio ambiente e
micro e pequena empresa. E isso passaria
pelo Congresso, a Fazenda tem que estar de
acordo, o Banco Central vai acompanhar, mas
eu vejo que tem espaço para a gente ajustar
a taxa. Nós não vamos interditar esse
debate. E a opção não é voltar com a TJLP”,
ressaltou.
Mercadante ilustrou o tema com a informação
de que durante o Plano Real e até 2007, o
tamanho do BNDES era mais ou menos 2% do
PIB. “Quando vem a crise do subprime,
o BNDES cresce e vai a 4,3%, dobra de
tamanho, foi quando gerou todo esse ruído.
Hoje o BNDES é 0,7% do PIB. Ele é um terço
do que era durante o Plano Real e o primeiro
governo Lula. Quer dizer: se a gente dobrar
o tamanho do BNDES, ainda não chega na taxa
histórica do que foi na economia
contemporânea brasileira. Então tem espaço
para o Banco crescer sem agredir o sistema
de crédito privado”, disse.
Banco digital –
Em relação à transição digital, Mercadante
explicou que o Banco tem canais digitais,
mas precisa melhorar mais, se modernizar.
Para ele, há uma dimensão muito importante
que é o Fust (Fundo de Universalização dos
Serviços de Telecomunicações). Um dos
projetos do futuro presidente do BNDES é,
com recursos do Fundo, acelerar a
digitalização das escolas públicas. “A
pandemia escancarou o fosso digital no
Brasil, e já estou em contato com o MEC para
que o Banco entre nesse processo de
digitalização”.
Equidade de gênero e diversidade –
Na entrevista à GloboNews, Mercadante
demonstrou preocupação com a pauta da
equidade de gênero e da diversidade. "Nós
vamos ter, dos nove diretores, quatro
mulheres" – entre elas, Helena Tenório,
funcionária da Casa que será a diretora de
RH e Operações. Helena participa de Comissão
de Mulheres que teve
reunião sobre o tema
com o novo presidente na sexta-feira passada
(6). As mulheres representam aproximadamente
36% do quadro funcional, conforme Relatório
Anual do BNDES de 2021.
"Agora, quando fui olhar a participação dos
negros, é 1,6% (do total de funcionários).
Junto com pardos, (sobe para) 4,6%. E nenhum
cargo da alta hierarquia do BNDES. Não tem
um superintendente negro na história do
Banco. Então, eu fiz a primeira reunião da
história com os negros, porque eles não
tinham uma representação própria. Vamos
fazer essa promoção. Vamos fazer um trainee
no Banco, que é muito valorizado no mercado,
só para negros e negras", disse Mercadante,
lembrando que não há CEOs negros no setor
financeiro brasileiro. "Também vamos ter um
concurso público (não há seleção pública
desde 2012) com política de ação afirmativa.
Então nós vamos aumentar a presença de
negros em cargos de chefia, fazer um trainee
específico e um concurso com ações
afirmativas para aumentar a presença de
negros. O BNDES tem que liderar na economia
digital, na economia verde e na economia
inclusiva, mas tem que liderar também pelo
exemplo. Temos que fazer aqui o que a gente
quer que a sociedade e o sistema financeiro
façam”.
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íntegra da entrevista concedida pelo novo
presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, à
jornalista Miriam Leitão, da GloboNews.
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► Leia também
“Mercadante recebe aval do TCU para nomeação
ao BNDES” (UOL/Estadão)
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