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Edição nº1346 – quinta-feira, 23 de maio de 2019

Um ato de desagravo para ficar na história do BNDES

Empregados reagem ao afastamento da chefe do Departamento de Meio Ambiente em meio à pressão do ministro Ricardo Salles, defendem Fundo Amazônia e criticam postura da direção do Banco no caso. Moção aprovada por unanimidade mostra amadurecimento do corpo funcional

wsantos

Moção exortando os colegas a não aceitar convite para a chefia do departamento foi aprovada por unanimidade

Até o início da noite de ontem (22), a diretora de Governo e Infraestrutura do BNDES, Karla Bertocco, não havia recebido a AFBNDES para tratar do caso do afastamento da chefe do Departamento de Meio Ambiente, Daniela Baccas, após críticas sem fundamento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, à gestão do Fundo Amazônia (a reunião foi pedida na sexta-feira, 17). Também não era pública qualquer palavra do presidente Joaquim Levy a respeito.

E isto depois do ato de desagravo a Daniela, que levou centenas de empregados ao térreo do Edserj na tarde da última segunda-feira (20); do pedido de renúncia do superintendente Gabriel Visconti, da Área de Gestão Pública e Socioambiental, em solidariedade à colega; e da grande repercussão do assunto na mídia, com reportagem de mais de quatro minutos no Jornal Nacional de anteontem e matérias em diversos veículos de comunicação do país e até mesmo no New York Times. Quer dizer que o corpo funcional e a comunidade benedense terão que ficar satisfeitos com a nota divulgada pelo Banco quando houve o afastamento da chefe de departamento após pressão do MMA?

A AFBNDES deixou patente na manhã de segunda-feira seu descontentamento com o teor do comunicado do Banco: "O mais grave da nota é tentar passar como natural o que é uma excepcionalidade. Não é verdade que a decisão do afastamento ‘reflete prática natural enquanto se esclarecem as questões levantadas’. Ao contrário, ao menos no BNDES tal decisão não conhece precedente, haja vista que até hoje comissões de apuração interna foram abertas sem o afastamento dos investigados. Também depõe contra a suposta normalidade do procedimento a própria situação do presidente do Banco, que é investigado pelo Tribunal de Constas da União (TCU), assim como a do ministro do Meio Ambiente, que está sob investigação criminal, além de já ter sido condenado em primeira instância por improbidade administrativa. Note-se que o caso da chefe do Departamento de Meio Ambiente não é comparável a qualquer um dos citados, uma vez que o afastamento ocorre antes de iniciada qualquer investigação, como esclarece a própria nota da diretoria do BNDES".

Ato grave e intolerável – Durante a manifestação de desagravo de segunda-feira, os empregados explicitaram sua indignação com o ato grave e intolerável do MMA contra o Fundo Amazônia, a governança do BNDES e o corpo técnico da instituição, na figura de Daniela. "Nem na época da ditatura isto aconteceu aqui", contou o colega aposentado Paulo Sérgio Moreira da Fonseca no final da concentração. "Há pessoas sendo investigadas no BNDES por comissões internas, nenhuma delas foi afastada. O clima é de surpresa, é de sentir que você não pode cumprir seu trabalho técnico de forma independente, e isso é a razão, a natureza do nosso trabalho", afirmou o vice-presidente da AFBNDES, Arthur Koblitz, em entrevista ao Jornal Nacional na terça-feira.

O posicionamento dos empregados no térreo do Edserj foi ouvido alto e bom som. Eles querem que a Diretoria do Banco se retrate e volte atrás da decisão de afastamento da chefe de departamento e, em votação unânime, aprovaram moção exortando os colegas para que não aceitem o cargo em questão. Também ficou decidida a realização de um ato unificado, na próxima semana, em defesa do Fundo Amazônia, reunindo entidades e trabalhadores do setor de meio ambiente. Na segunda-feira, representantes da Associação dos Servidores do Ibama (Asibama-RJ) e do Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro acompanharam o protesto dos empregados do Banco. O presidente da AFBNDES, Thiago Mitidieri, não esteve presente por motivo de doença.

As "razões" do ministro para fazer pressão sobre o Fundo Amazônia – apesar da Controladoria Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU) não terem constatado nenhuma irregularidade na sua gestão – foram contestadas pela AFBNDES, em nota, e pelos empregados no térreo do Edserj em sucessivas falações. "Tão grave quanto o afastamento foi o motivo que levou a diretoria a afirmar a possibilidade de abertura da investigação. A decisão é, segundo a nota do BNDES, baseada em alegações do ministro do Meio Ambiente sobre supostas irregularidades na gestão do Fundo Amazônia. Estamos falando de um dos mecanismos financeiros mais controlados e auditados do país: duas auditorias anuais específicas independentes (financeira e de compliance); reunião anual com doadores que periodicamente realizam avaliações independentes – recentemente a Noruega e o KFW fizeram avaliações com resultados positivos sobre o Fundo; obrigações de transparência – com site específico e elaboração de ‘reportes’; além dos controles usuais a que o BNDES está submetido (auditoria interna, ouvidoria, CGU e TCU). Em 2018, o TCU realizou auditoria sobre projetos do Fundo Amazônia com visitas in loco, com conclusões positivas sobre a gestão e a efetividade dos projetos apoiados (TC 018.242/2017-0). Nenhuma das auditorias ou avaliações indicou qualquer tipo de irregularidades na gestão do Fundo", escreveu a Associação. "Resumo da história: o BNDES destitui uma empregada exemplar de suas funções em razão de um blefe do ministro do Meio Ambiente", complementou a AF.

Como tem sido divulgado para a opinião pública pela imprensa, contrariando a fala do ministro Ricardo Salles, o Fundo Amazônia vem financiando, nos últimos dez anos, projetos de pesquisa e geração de emprego e renda com o compromisso de incluir socialmente e não destruir o meio ambiente. "São 103 ações diferentes, todas fiscalizadas e auditadas pelos principais doadores: a Noruega já repassou mais de R$ 3 bilhões; a Alemanha, R$ 192 milhões; e a Petrobras, R$ 17 milhões", informou o jornalista André Trigueiro no Jornal Nacional. Segundo ele, a Embaixada da Alemanha informou que está disposta a ouvir as propostas do governo brasileiro, mas ainda não concorda com mudanças na gestão do fundo. Em nota, a Embaixada da Noruega declarou "estar satisfeita com a robusta estrutura de governança do Fundo Amazônia e com os resultados obtidos nos últimos dez anos e que não recebeu nenhuma proposta das autoridades brasileiras para mudar a estrutura e os critérios de aplicação" hoje existentes.

Em defesa do Fundo Amazônia – Na abertura da manifestação de segunda-feira, o vice-presidente da AFBNDES, Arthur Koblitz, saudou a presença dos empregados no ato de desagravo "a uma colega querida e muito respeitada, que está passando por uma situação que nós não estamos acostumados". Para ele, é grave o que está acontecendo: "É o sinal dos tempos, do momento que nós estamos vivendo no país e, em particular, no BNDES", destacou. "Nós estamos aqui para responder a esta agressão. Quem acha que a gente vai compactuar com isto está redondamente enganado. Infelizmente, a nota divulgada pelo Banco para explicar o inexplicável obriga os benedenses a estar aqui e a protestar contra este arbítrio. Nosso propósito é defender a recondução da colega ao cargo de onde ela nunca deveria ter saído, e com pedido desculpas. E que a gente possa aproveitar este momento para fazer uma grande defesa do Fundo Amazônia e de sua gestão – uma tarefa que o BNDES tomou para si e a tem exercido com excelência, com reconhecimento no Brasil e no exterior. E como a gente tem visto pela cobertura da imprensa, a opinião pública ficará ao nosso lado", concluiu.

O 2º vice-presidente da Associação, William Saab, disse que o afastamento da chefe de departamento tinha mais de uma dimensão: "É uma demissão construída com base no nada, no arrepio do artigo 5º da Constituição Federal e da liberdade profissional. Uma das características de qualquer ato administrativo é a sua motivação. E não há nenhuma motivação plausível que possa justificar a destituição que foi feita". Em outra dimensão, William destacou que também está sendo destituído "o exercício legítimo de autoridade dos superintendentes da casa, e isto é inadmissível". Para ele, este fato precisa ser tratado de forma coletiva pelo corpo de superintendentes: "É papel do superintendente nomear sua equipe de confiança. No caso em questão, esse exercício foi completamente usurpado. E isso é muito grave". Segundo o dirigente da AF, "nesse momento o que está sendo destituído, em última instância, é o próprio BNDES na sua função de legítimo gestor do Fundo Amazônia, como previsto em lei". "Quando a gente ouve vozes que estão se contrapondo ao que está ocorrendo, de representações internacionais e da própria imprensa, a gente verifica que alguma coisa de muito errado há", complementou.

Em nome da AFBNDES também falou o diretor de assuntos institucionais Celso Evaristo Silva: "Toda instituição, assim como todo o país, tem sua soberania. Quando essa soberania é atingida, esse país ou essa instituição perde a sua razão de ser. Ela se enfraquece e é mais fácil de ser destruída. Qual é o grande elemento da soberania de um país? É a sua cultura, o seu povo, suas tradições. E qual a grande cultura do BNDES? É a excelência técnica do seu corpo funcional e a retidão ética daqueles que aqui trabalham, e a Daniela é uma figura exemplar nesse sentido". Para Celso, a instituição é enfraquecida quando está no alvo o que ela tem de mais sagrado: o seu corpo técnico. "Quando querem atingir uma instituição, eles começam exatamente por aí: destruindo o moral das pessoas que nela trabalham, tornando essas pessoas inseguras, com medo de atuar, afetando sua soberania". Para ele, é preciso resistir à tentativa de desmonte do Banco, "como, aliás, faz parte da estratégia do governo em relação a todas as empresas estatais". "Não podemos deixar que joguem nossa moral e a nossa ética na lata do lixo, não podemos naturalizar isto. É inadmissível que em nome de uma medida administrativa a gente atinja o moral e a moral das pessoas, a motivação e a ética dos que aqui trabalham", encerrou.

Mais de uma dezena de outros empregados fizeram o uso da palavra de forma brilhante durante o ato, protestando contra a ingerência do MMA nos assuntos internos do BNDES, contra o comportamento do ministro do Meio Ambiente em suas visitas à casa e contra a postura da diretoria do Banco no caso. Os empregados também defenderam o trabalho profissional de Daniela Baccas à frente da chefia do Departamento de Meio Ambiente, o Fundo Amazônia, seu compromisso com a inclusão social, sua gestão qualificada pelo BNDES e a necessária independência dos técnicos benedenses na condução de seu trabalho, que é feito com absoluto rigor técnico. O ponto alto da manifestação foi a moção, aprovada por unanimidade, exortando os colegas para que não aceitem convite para o cargo ocupado por Daniela até a semana passada. Foi bom de ver.

 

Editorial

Nonsense, mentiras e desrespeito

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Eleição para Conselhos da AFBNDES acontecerá quarta-feira, 29 de maio

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• O economista André Nassif, professor da UFF e ex-funcionário do Banco, estará na sala de leitura da Biblioteca do BNDES nesta sexta-feira (24), às 16h, falando sobre “Desenvolvimento brasileiro: entraves e perspectivas”. A promoção é da AFBNDES.

• A convite da Associação, os ex-diretores do Banco Eduardo Rath Fingerl e Wagner Bittencourt participarão de seminário no dia 30 de maio, às 10h30, na sala 708 do Edifício Ventura Oeste, com o tema “O BNDES é a sua história”. 

• Vídeo da palestra do professor Daniel Negreiros Conceição (UFRJ) sobre “A crise da macroeconomia” estará disponível nesta quinta-feira no canal da AFBNDES no YouTube. Na próxima semana também estará presente no canal vídeos do debate “Visões alternativas sobre a reforma da Previdência”, envolvendo Fabio Giambiagi, economista do BNDES, e Denise Gentil, professora da UFRJ.