Precisamos conversar sobre os novos tempos
 

Ricardo Ramos
Diretor do BNDES
 
Talvez a principal diferença entre o pensamento ocidental e oriental seja a visão de mundo a respeito da realidade. Enquanto para o cidadão ocidental a realidade tem um aspecto objetivo, para o oriental ela é dual. Essa pequena diferença conceitual leva à construção de sociedades bastante diferentes com relevante impacto no funcionamento de suas instituições e organizações.

Podemos citar alguns desses impactos mais facilmente percebidos. O ocidente supervaloriza a ciência em detrimento da filosofia e religião, a razão sobre a intuição, o indivíduo sobre o coletivo, o curto prazo ao invés do longo prazo, a visão linear do tempo contrapondo uma visão holística. Já o oriental percebe a realidade como subjetiva, dual (o símbolo Yin-Yang é uma boa representação dessa percepção), valoriza os relacionamentos contratualizando menos as relações e, com isso, desenvolve melhor a colaboração ao invés da competição entre as instituições. Para o pensamento oriental não há "A" verdade absoluta, pois o contexto é muito importante para o entendimento da realidade.

Dito isso, gostaria de abordar o atual momento do BNDES sob o prisma um pouco mais oriental. O contexto atual é desafiador e há vários paradoxos que nos cercam e, muitas vezes, tendem a nos paralisar. A convergência das taxas de juros, a mudança de nosso funding para uma taxa mais volátil, a legítima pressão da sociedade por maior agilidade e mais transparência, nossa dificuldade de comunicar a efetividade de nossa atuação e o aumento das exigências de compliance compõem um quadro de difícil solução.

Parece-nos paradoxal termos que ser mais ágeis, mais efetivos, mais transparentes, prover maior compliance e trabalhar com funding mais caro. Acrescento ainda a revolução tecnológica que vem varrendo vários setores da economia e que, definitivamente, está chegando ao setor financeiro, com os impactos visíveis das fintechs e outros agentes na concessão de crédito.

Numa rápida reflexão, se aplicarmos o paradigma ocidental (da linearidade e da continuidade como caminho natural), muitos pensarão que não há saída. Não vemos a saída porque estamos presos num modelo mental que dava bons resultados até há alguns anos. É possível ainda hoje pensar que a organização não tem que se reinventar, se reestruturar para os novos tempos? Talvez alguns esperem (ou desejem) que algum fato novo mude esse ambiente porque entendem que a situação não tem saída.

Acho que é necessário entender que "ausência de evidência não é evidência de ausência". Há inúmeras saídas. E o reposicionamento do Banco é tarefa nossa, sobretudo nossa. O atual Planejamento Estratégico já traz em si alguns avanços, mas não endereça todos os pontos. Para além do plano, a transformação requer o engajamento de todos.

Gostaria de fazer um chamamento a todo o corpo funcional para uma reflexão de segunda ordem ou reflexão crítica. Temos 66 anos de existência e em muitos outros momentos o Banco foi capaz de se reinventar. Temos um corpo funcional ético e de altíssima capacidade técnica. Temos capacidade e legitimidade para sermos o locus de discussão do desenvolvimento do país, mas temos que ter humildade organizacional e identificar onde temos que melhorar.

Cito dois aspectos importantes que teremos que endereçar melhor nos próximos anos: nossa interação com outros órgãos governamentais (sermos mais permeáveis às políticas públicas) e nossa capacidade de gestão de ambientes complexos.

Temos que lidar com o paradoxo com o qual nos defrontamos hoje entre ser o formulador ou operador de políticas públicas. É necessário dialogar mais com o governo (diálogo requer humildade), tentar entender melhor as questões sob um outro prisma que não seja somente o nosso. Temos que ser mais permeáveis às críticas e cobranças e estarmos mais dispostos a colaborar ao invés de sermos sempre o protagonista. Paradoxalmente, poderemos ter mais protagonismo quanto mais formos colaborativos devido ao imenso capital humano que possuímos. Há um enorme desafio de sermos mais permeáveis às inúmeras demandas da sociedade e nos mantermos uma burocracia ética e tecnicamente respeitada. É necessário influenciar e deixar ser influenciado, construindo uma relação mais saudável com governo, mercado e sociedade.

Quanto à gestão de ambientes complexos entendo que o desafio é ainda maior. Todos os elementos já citados aqui vieram para ficar: demanda por maior agilidade, melhor compliance, mais transparência, maior competição com novos e velhos atores, revolução tecnológica que mexe com as bases da indústria. Não podemos nos enganar. É necessário provermos respostas à altura do desafio, adquirindo novas competências técnicas e gerenciais, modificando nossa estrutura organizacional, mudando nossa cultura para torná-la mais empreendedora e estimulando que cada um de nós assuma suas responsabilidades (definido em inglês como accountability).

A reestruturação que começou em março desse ano iniciou a mudança necessária nas nossas competências de gestão. Já houve a criação de novas atribuições na estrutura, tendo como destaque a criação das Áreas de Fomento e Originação e de Comunicação e Relacionamento Institucional, bem como a incorporação de novas funções na Área de Desenvolvimento de Projetos.

Na nova etapa que se iniciará em agosto, vai haver o alinhamento da nova estrutura com a estratégia do Banco, introduzindo a especialização e segregação de funções, concentrando funções de backoffice e repactuando-se responsabilidades entre áreas de negócios e de suporte a negócios. Haverá também o balanceamento de recursos e níveis de responsabilidade (redimensionando de áreas prioritárias a partir das projeções de negócio e revisão da pirâmide organizacional). Importante salientar que a amplitude de controle será baseada na natureza da atividade, sendo maior em atividades rotineiras. Outro objetivo dessa segunda fase é melhorar a alocação do técnico de nível médio do Banco, criando oportunidades de melhorias na qualidade do trabalho realizado por esse profissional. Essas mudanças transcendem o processo eleitoral e um novo governo.

A participação e engajamento do corpo funcional é desejável e já vem acontecendo em várias dimensões. Alguns exemplos dessas mudanças são o plano de fomento estruturado que vem sendo desenvolvido, a nova segmentação de produtos que resultará num conceito mais moderno de política operacional, a criação de produtos automáticos diretos (FINAME Direto e Crédito Compartilhado) e o lançamento do Garagem BNDES, entre outros.

Se você acha que o BNDES está parado, procure saber. O BNDES se encontra em movimento.

Enfim, entendo que ao término deste ano o BNDES estará mais preparado para enfrentar seus desafios, mas entendo também que a execução do Planejamento Estratégico é condição necessária, mas não suficiente. Como já dito aqui, é necessário engajamento do corpo funcional, maior responsabilização individual pelos resultados e darmos início a um amplo debate sobre desenvolvimento, capaz de trazer relevância para esse tema na sociedade.

Há uma imensa oportunidade do BNDES se posicionar, em suas inúmeras vertentes, (infraestrutura, mercado de capitais, IOT, indústria 4.0, agronegócio, sistemas de inovação etc.) como um hub no ecossistema do desenvolvimento. Desenvolvimento de longo prazo é a nossa vocação natural e, mais do que nunca, o BNDES precisa ocupar melhor esse espaço. Mas, para isso, precisamos ter a coragem de sair da zona de conforto e implementar as mudanças necessárias para o enfrentamento do ambiente complexo em que vivemos.

 
 
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