O BNDES e a integração de infraestrutura da América do Sul: uma proposta
 

Arthur Koblitz
Diretor de Assuntos Institucionais da AFBNDES (*)
 
Um dos temas mais polêmicos na atual onda de ataques
ao BNDES tem sido o apoio às exportações de serviço
de construção. O apoio do BNDES a essas exportações, na forma de financiamento, normalmente garantido pelo FGE (Fundo de Garantia à Exportação), cresceu consideravelmente durante a última década.

No final dos anos 90 e início do novo milênio, os desembolsos anuais para essa finalidade encontravam-se na casa dos US$ 100 milhões; a partir de 2003 eles passaram a subir quase que ininterruptamente até atingir US$ 1,5 bilhões em 2011, tendo caído desde então, progressivamente, para a casa dos US$ 500 milhões de reais em 2015. No total, nos 18 anos entre 1998 e 2015, tivemos um desembolso de US$ 10 bilhões de dólares, dos quais cerca de US$ 5 bilhões foram destinados a América do Sul, US$ 2 bilhões para o resto da América Latina e US$ 3,5 bilhões para a África.

São conhecidos, ainda que frequentemente distorcidos, os argumentos favoráveis e contrários aos méritos dessa atuação do BNDES. Não é objeto do presente artigo adicionar nada a esse debate nos termos em que vem sendo travado. Como todos sabemos, o BNDES recentemente anunciou modificações na sua atuação nesse campo que também não serão alvo de exame aqui. O que pretende-se destacar apenas é a não consideração de uma questão fundamental que talvez poderia ajudar a recontextualizar os termos do debate.

Por uma série de razões reconhece-se amplamente que o país tem grande interesse na integração econômica da América do Sul e que a ausência de infraestrutura logística é um dos principais fatores que hoje impedem essa integração. De fato, há pouca dúvida de que as barreiras logísticas são hoje mais relevantes que as barreira tarifárias para a intensificação do comércio intra-regional. Também é amplamente reconhecido que a integração da infraestrutura energética possibilitaria o aumento da eficiência e aproveitamento de complementaridades entre os países da região.

Se esse diagnóstico está correto, e insistindo, trata-se de um diagnóstico sobre o qual há acordo amplo, inclusive em termos do espectro ideológico, segue que há importantes obras de infraestrutura localizadas geograficamente fora do território nacional que são de interesse estratégico para o país. Não é um paradoxo que todo debate sobre o apoio a obras de infraestrutura fora do território nacional seja travado sem considerar essa questão?

O caráter paradoxal da questão talvez seja ainda mais elevado se levarmos em conta que o atual sistema de apoio à exportação brasileira tenha tido efeito virtualmente nulo para a realização das obras de infraestrutura de integração regional. Depois de 16 anos de fundação da IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), hoje parte do COSIPLAN (Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento) da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas), as obras incluídas na carteira de projetos de integração não contaram com o apoio do sistema brasileiro de exportação.

Mesmo os bancos multilaterais da região BID e CAF encontram dificuldades no apoio aos projetos da IIRSA. Os projetos são listados pelos governos da região, mas não constam da lista de prioridade de financiamento quando esses mesmos governos recorrem ao BNDES ou aos bancos multilaterais.

Por que os projetos de integração regional não chegam às carteiras do BNDES ou do BID? Várias explicações, não excludentes, talvez até complementares, podem ser elencadas.

• Países da América do Sul passaram anos subinvestindo em suas infraestruturas básicas, inclusive infraestrutura urbanas que por sua natureza estão circunscritas às grandes cidades, ou seja, não são de integração;

• Os investimentos de integração muitas vezes são realizados em regiões periféricas, pouco desenvolvidas dos países em questão. A viabilidade econômica dos projetos de integração muitas vezes sofre da falta de um planejamento do desenvolvimento para essas regiões;

• O comércio intra-regional é baixo. Esse ponto é importante porque ele envolve um tema crucial da integração: existe um ciclo vicioso que para ser desfeito precisa contar com uma ação estatal.

Ainda que a ação isolada do BNDES ou do sistema brasileiro de apoio à exportação não possa completamente dar conta dos fatores aqui envolvidos, algumas modificações poderiam ser feitas desde já para sinalizar a prioridade estratégica desses projetos, e atrair o interesse dos países vizinhos na sua realização. Entre as medidas a serem consideradas deveriam constar:

• Definição de uma carteira de projetos estratégicos de integração;

• Linha específica de apoio à exportação para os projetos dessa carteira. Essa linha deveria não apenas contar com condições financeiras, taxas e prazos diferenciados, mas outras condições como: (a) a possibilidade de financiamento de gastos locais; (b) a possibilidade de contemplar acordos de cooperação visando a capacitação das empresas locais que colaborem eventualmente com as empresas brasileiras nos projetos;

• Estender para os projetos da carteira de integração o financiamento inclusive de parte da obra que fosse realizada por empresas da região, e não somente por empresas brasileiras, complementando o apoio que prestaríamos via exportação;

• Envolvimento no fomento desses projetos, ou seja, envolvimento nas fases de avaliação e design dos projetos de integração, ao invés de meramente esperar para que empresas recorram ao BNDES ou ao sistema brasileiro de exportação com projetos comercialmente já fechados.

Como a possibilidade de apoio a empresas não nacionais pode ser considerada uma heresia dada a história do BNDES, é relevante lembrar que Rômulo Almeida, quando diretor do BNDES, em 1987, publicou artigo defendendo que, entre outros instrumentos, o estímulo à integração deveria contar com a concessão de "tratamento nacional aos investidores" em projetos de integração.

Do ponto de vista da integração, o debate sobre apoio a obras de infraestrutura no exterior tem sofrido de excessiva preocupação com o volume do aporte para esses projetos, e de falta de atenção quanto aos possíveis direcionamentos desses aportes. Uma vez recontextualizado o debate dentro de uma estratégia de desenvolvimento econômico, acabaremos por concluir, voltando ao debate sobre o volume dos aportes, que eles têm sido tímidos e não vultuosos.
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(*)  Participou, em 29/11/16, de seminário internacional sobre "Modelo de Desenvolvimento para a América Latina e o Caribe", falando sobre infraestrutura voltada para o desenvolvimento da região.

 
 
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