Opinião

Texto publicado na edição nº1367 (24 de outubro de 2019)

Reflexões sobre a BNDESPAR e como monetizar sua carteira

Estêvão de Almeida Acciolly e Marcelo Marcolino

Economista aposentado do BNDES e ex-superintendente de mercado de capitais e Contador do BNDES

Assunto bastante debatido entre os economistas, a participação do Estado no sistema financeiro e seu impacto no desenvolvimento têm sido considerado tema polêmico.

Em um país com grande concentração bancária como o nosso, até pouco tempo campeão em taxas de juros, o fortalecimento do mercado de capitais, favorecendo a desintermediação bancária e trazendo fontes alternativas de funding para investimentos, além de fintechs e outras plataformas nascentes de crowdfunding e equity crowdfunding focadas no varejo, pode ajudar a melhorar o ambiente oligopolizado e a restrição de capital, ajudando na geração de empregos e formação de poupança.

O Sistema BNDES vem atuando no desenvolvimento do mercado de capitais desde meados da década de 1970, através de suas antigas subsidiárias, consolidadas na BNDESPAR em 1982. Foi assim com o ecossistema de fundos de investimento, nos processos de privatização, mercado de dívida corporativa, ambiente regulatório e governança corporativa (Novo Mercado e Bovespa Mais), ampliação e democratização do acesso ao mercado para emissores e investidores, dentre outros tantos exemplos.

Aliás, vale destacar o uso do FGTS nas ofertas públicas de ações de Vale e Petrobras, que além de alavancar o retorno das poupanças compulsórias de milhares de trabalhadores, junto com as ofertas dos PIBBs e outros ETFs, contribuiu fortemente para a disseminação do conhecimento do mercado de capitais como alternativa de investimento aos chamados investidores de varejo, as pessoas físicas.

Desde a crise de 2008, com os consequentes impactos na performance dos títulos negociados na bolsa, observa-se uma atuação da BNDESPAR mais anticíclica e mais focada em investimentos. Utilizou-se cada vez mais a mesa de operações para realizar os desinvestimentos, diminuindo as ofertas de ações e criação de novos produtos relacionados.

Deveríamos voltar a realizar operações estruturadas, ofertas e novos produtos. Um mercado de capitais desenvolvido depende do tripé: ambiente institucional e regulação; emissores e títulos (capital e dívida); e investidores. A atuação em falhas de mercado e na formação de um mercado investidor saudável é um objetivo que legitima a atuação da BNDESPAR como instituição de fomento.

Um dos potenciais motivos discutidos com a BlackRock, à época do lançamento de nosso ETF baseado no ICO2, para a pouca penetração dos ETFs no mercado brasileiro (apesar de termos tido mais de 120 mil pessoas físicas investindo na 2ª oferta do PIBB), seria a falta de ofertas recorrentes de títulos, além de questões tributárias. Pode-se inferir ainda que a oposição dos bancos, grandes gestores de carteiras de fundos de investimentos, com taxas de administração bastante elevadas, seja um forte componente.

Apesar do grave quadro fiscal e da urgência do país em realizar as reformas necessárias à retomada do investimento, com incremento da participação privada, vale a pena refletir um pouco sobre a melhor estratégia de como pode ser a contribuição do BNDES.

Como a tese do Fundo de Riqueza Nacional – FRN1, por exemplo, que vem sendo adotado em países como a Suécia, para melhor gestão e desinvestimento de ativos públicos, com gestão independente e sem interferências políticas, visando à maximização do interesse público. A BNDESPAR já é uma espécie de FRN, atuando como representante do governo em relação aos ativos depositados no FND. O lucro recorde do primeiro semestre do ano é um exemplo de como o BNDES pode gerir os ativos e alienálos de forma a maximizar os retornos para o país e seus cidadãos.

A questão do risco de concentração na carteira de ações da BNDESPAR é importante e não deve ser menosprezada. Não é de hoje que as equipes técnicas do BNDES alertam sobre o assunto, inclusive sobre a necessidade do estabelecimento de uma gestão de portfólio baseada em parâmetros técnicos. Esse deve ser o princípio básico a nortear a política de gestão da carteira. Naturalmente, em cada operação de desinvestimento devem ser levados em consideração, além do melhor momento de mercado para alienação, a visão fundamentalista sobre a empresa e os títulos em negociação, oportunidades de melhoria em governança (como nos exemplos exitosos de Fibria e Vale), recuperação do valor de ativos (AES/Eletropaulo), fomento à democratização do capital e instrumentos inovadores (PIBB I e II e ICO2), além, é claro, de estar de acordo com a diretriz estratégica traçada pela Alta Administração.

É importante que se entenda que a carteira atual da BNDESPAR foi fruto de diversas operações ao longo do tempo, como nos exemplos de reestruturação societária de créditos do BNDES e dos aportes em ações feitos pelo Tesouro, e não necessariamente decorrente de propostas de investimentos realizadas pelo corpo técnico do BNDES. Ainda assim, sempre se procurou fazer a melhor gestão possível dos ativos, como nos exemplos de Fibria e Eletropaulo.

Foi a atuação da BNDESPAR que viabilizou a consolidação da Aracruz e VCP, evitando a quebra da primeira e criando a Fibria – uma empresa saudável, que em 2018 uniu-se à Suzano, operação que, além de formar a maior empresa global de celulose, proporcionou um estrondoso lucro ao Sistema BNDES.

As alternativas de desinvestimento, via ofertas públicas ou utilizando a mesa de operações, são complementares e importantes. Parece clara a necessidade de se retomar as operações estruturadas de venda, que devem ser realizadas sempre que necessário, sem perder de vista os objetivos da BNDESPAR de fomentar o mercado de capitais. É imperioso realizar a avaliação de impacto de operações passadas, para reorientarmos a estratégia em função de erros e acertos. A efetividade das operações é algo cada vez mais demandado pela sociedade e órgãos de controle, e o BNDES deve reforçar seu trabalho em prol da transparência.

Com relação às ofertas públicas, a experiência passada nos mostra que, por vezes, as lançadas pela BNDESPAR tiveram como mérito adicional comissões abaixo do mercado, como no caso dos ETFs, que por serem operações inovadoras e de grande impacto, tiveram grande concorrência dos bancos de investimento para serem mandatados como coordenadores.

Visando à democratização do acesso ao mercado a pequenos investidores, sempre que possível buscou-se destinar parte relevante das ofertas aos investidores de varejo, contra a vontade dos principais bancos de distribuir discricionariamente os papéis a investidores institucionais.

Na época do boom dos IPOs no país, em torno de 2007, cerca de 70% das emissões ficavam nas mãos de investidores estrangeiros. Alguns estudos argumentam que a discricionariedade dos bancos coordenadores na alocação levava a isso, com preferência para investidores frequentes, norte-americanos, em detrimento de investidores de varejo.

Outros estudos relacionam a volatilidade da bolsa ao fluxo de capital estrangeiro, enquanto alguns banqueiros atribuem aos investidores de varejo a alta volatilidade e a venda das ações no momento seguinte à oferta (o famoso "flipper").

Ainda que o investidor de varejo seja menos sofisticado que os institucionais e reaja de maneira mais impulsiva ao vai-e-vem do mercado, não parece factível atribuir um giro relevante dos papéis nos pregões posteriores apenas ao varejo, quando este recebe uma alocação pequena relativamente ao volume da oferta. Como atribuir, por exemplo, a venda de mais de 30% do volume da oferta nos dias seguintes ao início dos negócios ao varejo, se este recebe menos de 10% da alocação da oferta em média?

Para mitigar este risco, as operações recentes vêm instituindo incentivos para quem mantiver as ações por um período mínimo após a oferta, contribuindo para a estabilidade do preço das ações. A Vivara realizou seu IPO com um mecanismo desses. Inovações são bem-vindas e a BNDESPAR pode ter um papel relevante, buscando a evolução contínua e melhoria das boas práticas de mercado.

Enfim, são muitas as possibilidades de estruturação e implementação de modelagens de desinvestimento. As equipes técnicas do BNDES possuem conhecimento e experiência para conduzir com sucesso essa missão. Para desatar o nó dos desinvestimentos, há que aproximar a demanda e orientação estratégica da Alta Administração com a área técnica da Casa, que, conforme demonstra sua história, não se furtará a realizar as operações da melhor forma possível, sempre de forma técnica e buscando o melhor interesse público.

O diálogo e respeito mútuo são peças fundamentais nesta relação, em linha com a transformação da Área de Recursos Humanos em "Pessoas e Cultura".

Cabe ao Conselho de Administração estabelecer a diretriz estratégica e à Diretoria estabelecer os parâmetros dentro desta diretriz em um horizonte claro e factível, para que as equipes possam analisar tecnicamente a melhor forma e executar os desinvestimentos.

O Sistema BNDES atua há mais de 40 anos no mercado de capitais, sempre tendo o fomento ao mercado como um propósito, além de gerar lucro. Mudanças de rumo são naturais, afinal, o BNDES é um instrumento de políticas públicas, mas deve fazê-lo dentro das melhores práticas, com o zelo necessário e respeitando os Princípios da Administração Pública.

Para além disso, é preciso olhar para frente e ver onde e como pode-se agregar valor. No apoio às MPME, startups e atuando em lacunas de mercado. Desinvestir a carteira agregando elementos inovadores, democratizando o acesso aos pequenos investidores, estimulando a poupança interna e incrementando a liquidez, as boas práticas e o mercado de capitais nacional como um todo.

Ainda, ao modelar as privatizações e executá-las, pode ajudar a mudar o velho chavão da "dilapidação do patrimônio público", pelo "investimento do povo no Brasil do futuro". Seria o almejado "Brasil acima de tudo", como os técnicos do BNDES sempre buscaram fazer.

A manutenção de uma equipe técnica altamente qualificada e motivada é fundamental para que o BNDES continue a cumprir o papel de contribuir para o aperfeiçoamento de um mercado de capitais que esteja em condições de apoiar o desenvolvimento econômico do país.

 
 

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