Opinião

Edição nº1351 – sexta-feira, 28 de junho de 2019

Correção do FGTS: mitos e verdades

Felipe Miranda

 

Advogado do BNDES

Breve histórico

Desde 1999, o dinheiro que os trabalhadores têm no Fundo de Garantia é corrigido com base na TR (Taxa Referencial). Com isso, o rendimento é menor que o da poupança e, muitas vezes, não cobre nem a inflação.

Segundo especialistas, nos anos 1990, quando a Selic (taxa básica de juros) encontrava-se em um patamar elevado, o cálculo da TR resultava em um índice bem próximo ao da inflação mensal, de forma que a correção por meio deste índice era plenamente capaz de garantir a correta atualização monetária e a consequente manutenção do poder aquisitivo da moeda.

Entretanto, diante das mudanças financeiras do país, houve uma redução da taxa de juros, impactando diretamente sobre o cálculo da TR, que não conseguiu mais acompanhar o poder de compra da moeda.

Caso o trabalhador pudesse colocar esse dinheiro em outras aplicações, teria um retorno maior. Na prática, quem tem recursos no FGTS está perdendo dinheiro. A substituição da TR pelo IPCA-E tem sido a proposta considerada mais benéfica à correção porque reflete a real inflação do país.

Do prazo prescricional

Por mais de vinte anos, a jurisprudência pátria afirmou que o prazo prescricional aplicável ao FGTS seria o trintenário e não o quinquenário, previsto no art. 174 do Código Tributário Nacional (CTN). Esse entendimento foi fixado nas Súmulas 362/TST e 210/STJ, tendo como fundamento os arts. 23, § 5º da Lei 8.036/90, e 55 do Dec. 99.684/90.

Porém, em novembro de 2014, no ARExt 709212/DF, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) discutiu novamente a questão do prazo prescricional aplicável para a cobrança das contribuições ao FGTS não depositadas tempestivamente pelos empregadores e tomadores de serviço.

Nesta ocasião, o Pleno do STF reviu sua jurisprudência e decidiu que o prazo prescricional aplicável às cobranças dos depósitos do FGTS é o de 5 anos, previsto no art. 7º, inc. XXIX, da CF/88, pois trata-se de direito dos trabalhadores urbanos e rurais, nos termos do inciso III do referido dispositivo constitucional. Com isso, ficam superadas as Súmulas 362/TST e 210/STJ.

O Plenário do STF, tendo em conta a mudança jurisprudencial operada, destacou a necessidade de garantia da segurança jurídica. Assim, com fundamento no art. 27 da Lei n. 9.868/99, o STF atribuiu efeitos ex nunc – ou seja, prospectivos – ao julgamento do ARE 709212/DF.

Desse modo, conforme explicou o ilustre Ministro Gilmar Mendes:

"(...) para aqueles [casos] cujo termo inicial da prescrição ocorra após a data do presente julgamento, aplica-se, desde logo, o prazo de cinco anos. Por outro lado, para os casos em que o prazo prescricional já esteja em curso, aplica-se o que ocorrer primeiro: 30 anos, contados do termo inicial, ou 5 anos, a partir desta decisão. Assim se, na presente data, já tenham transcorrido 27 anos do prazo prescricional, bastarão mais 3 anos para que se opere a prescrição, com base na jurisprudência desta Corte até então vigente. Por outro lado, se na data desta decisão tiverem decorridos 23 anos do prazo prescricional, ao caso se aplicará o novo prazo de 5 anos, a contar da data do presente julgamento".

O problema é só um. Se o STF assim declarou, teria isso impacto em uma ação revisional de FGTS contra a CEF? Entendemos que sim, pois somente a partir de 13.11.2014 é que começa a contar o prazo geral de prescrição que consta do art. 205 do Código Civil:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Então, ao contrário do que se comunga por aí, se alguém resolver entrar com ação, a prescrição da parcela a ser buscada só se inicia a partir de 2024.

Da inconstitucionalidade da TR

Seria então a manutenção deste índice algo inconstitucional?

Dita a Constituição:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

...

III - fundo de garantia do tempo de serviço;

Se entende pacificamente que as normas veiculadas no artigo em comento traduzem uma garantia. No momento em que a Constituição fala em melhoria da condição social, como seria possível você impor a um cidadão que ele faça um investimento para perder dinheiro?

A cada ano, o total acumulado é corrigido por uma taxa fixa: de 3% mais o valor da TR (Taxa Referencial), que varia diariamente. O problema é que o valor da TR é baixo. Em 2017, ela acumulou 0,6% em um ano, segundo o Banco Central. Com isso, o reajuste de quem tem dinheiro no FGTS foi de 3,6% no ano passado. É bem menos do que o rendimento da poupança, que foi de 6,2% em 2017 – e a poupança é uma das opções de investimento com ganho mais baixo.

Além disso, são raros os anos em que o reajuste do FGTS supera a inflação. Isso significa, na prática, que o dinheiro que o trabalhador tem guardado ali está diminuindo. Entre 2007 e 2017, por exemplo, o dinheiro aplicado no FGTS rendeu 49,7%, enquanto a inflação avançou 82,6%. Um trabalhador que tinha R$ 10 mil no FGTS em 2007 chegou a 2017 com R$ 14.967 em conta, mas o preço dos produtos e serviços subiu mais que isso nesse período. Então, houve uma perda no poder de compra do trabalhador.

Dissenso dos tribunais superiores

O problema se agrava porque ainda não existe um posicionamento definitivo com relação ao índice a ser adotado para atualização dos créditos trabalhistas, ou seja, se deve ser aplicado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) ou a Taxa Referencial (TR).

Num passado recente, o STF julgou as ADIns 4357 e 4425, referentes à EC 62/09, que instituiu o regime de pagamento de precatórios de órgãos públicos federais, estaduais e municipais.

Na ocasião, restou decidido que a correção monetária dos precatórios seria feita pelo IPCA-E, ao fundamento de que a TR não preservaria o valor real da moeda e, por isso, não protegeria o direito adquirido.

Por sua vez, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu em 2018 que o rendimento do FGTS deve ser mantido como está! No fatídico 11/04/2018, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu, em julgamento de recurso repetitivo, que será mantida a Taxa Referencial de juros (TR) como índice de atualização do FGTS.

Por unanimidade, o colegiado julgou improcedente o recurso que pedia a alteração na forma de correção do Fundo, determinando a correção pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Segundo o STJ, mais de 409 mil ações aguardavam a conclusão desse julgamento.

O colegiado estabeleceu a tese de que a remuneração das contas vinculadas ao FGTS tem disciplina própria, ditada por lei, que estabelece a TR como forma de atualização monetária, sendo vedado, portanto, ao Poder Judiciário substituir o índice. A tese firmada em recurso repetitivo tem orientado desde então todos os processos com objeto semelhante que tramitam nas instâncias ordinárias em todo o território nacional.

Mas o STJ poderia ter feito isso?

Retomando o dito alhures, o STF julgou as ADIns 4357 e 4425, referentes à EC 62/09, que instituiu o regime de pagamento de precatórios de órgãos públicos federais, estaduais e municipais e reconheceu a inconstitucionalidade da TR ao fundamento de que a mesma não preservaria o valor real da moeda e, por isso, não protegeria o direito adquirido, e ainda indicou que o IPCA-e é o melhor indexador para ser utilizado na correção monetária das ações propostas contra a Fazenda Pública.

A conclusão desse julgamento foi unânime.

Então, percebam, o STF disse que a TR não serve para correção monetária.

Posteriormente, alguns recursos chegaram ao STF tratando da temática da troca de índice de TR para IPCA-E e a Suprema Corte simplesmente negava análise desses recursos afirmando que não caberia a ela discuti-los, pois tratavam de matéria infraconstitucional.

Outros recursos chegaram a ser julgados pelo tribunal, mas não tratavam exatamente do tema em debate, como o Recurso Extraordinário nº 611503, por exemplo. A aplicação do parágrafo único do artigo 741 do antigo Código de Processo Civil foi o centro do julgamento. O dispositivo afirma que é "inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal" ou fundado em aplicação ou interpretação considerada incompatível com a Constituição Federal.

Porém, a questão de fundo do recurso era meramente processual. O que quer dizer que isso ainda não transitou em julgado e o tema está completamente aberto, ao menos no STF.

Conclusão

Podemos dizer que uma ação de revisão de FGTS objetivando a troca de índices seria viável, sim! Mas essa ação vai ter um caminho bem tortuoso a percorrer.

Torcemos que a harmonia necessária da segurança jurídica prevaleça.

 

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