“Fabricamos aos montes, aos
dez
Nós ainda queremos muito
mais”
(Lamartine Babo)
Cara colega do Bloco C,
Anos atrás
escrevi uma carta a uma
presidente que cá passou,
pessoa destemida e audaz que
a nós (BNDES) fazia uma
série de críticas que eram
mais pertinentes do que
assumimos. Infelizmente,
para ela e para o Banco, seu
olhar estava preso às
guerras do passado. Diz o
ditado que os generais
sempre estão preparados para
lutar a guerra anterior.
Pior do que a ilusão do
preço médio – a ideia de que
a diluição das perdas da
desvalorização de um ativo
pela compra posterior de
mais a menor preço reduz sua
perda –, são as pessoas que
acham que a repetição de
erros do passado na
esperança de que agora venha
a dar certo pode significar
algum tipo de redenção.
Assumindo o papel de Time
Opositor (não confundir
com Oposição) em relação ao
que parece ser a estratégia
a ser conduzida por este
governo que nem bem assumiu,
duas propostas serão aqui
brevemente apresentadas e
discutidas. Ninguém as
pediu, ninguém perguntou
nada, talvez a ninguém
interesse, whatever,
vai assim mesmo.
Uma Lição do Passado
No raiar dos anos 90 a ideia
de Choque era o chic.
Hoje reconhece-se o baixo
sucesso e o preço social
alto deste tipo de condução
de reformas. Mas por vezes é
como se meu xará Guedes
estivesse ainda preso àquele
momento dos 80 onde essa era
uma esperança
revolucionária. A coisa que
meu lado burkeano mais teme
são revolucionários
travestidos de
conservadores.
No Brasil, o voluntarismo de
Fernando Collor refletiu
esse zeitgeist. E,
portanto, a sua tentativa
inicial de privatização foi
desordenada, seja pela
dilapidação do patrimônio da
União em imóveis em
Brasília, açambarcados pelos
seus moradores de então,
seja pela tentativa de
forçar a privatização no
processo de devolução da
liquidez enxugada pelo
confisco de poupanças. Ao
final de seu breve governo,
e naqueles que o sucederam
no tempo e nas intenções de
abertura – mas sem o mesmo
pueril voluntarismo
revolucionário –, o processo
de privatização foi
conduzido a contento e com
relativo sucesso. Por quê?
Ao invés de se acreditar que
basta botar as coisas à
venda com um processo
regulatório montadinho às
pressas, crendices do gênero
de que a lâmpada vai ser
trocada sozinha pelas forças
de mercado, esses governos
puseram o BNDES a financiar
o processo de privatização.
Primeiro, transformando as
dívidas das estatais
privatizadas em créditos
utilizáveis na aquisição das
empresas, créditos que eram
vendidos a prazo pelo BNDES.
Quando esgotado esse
mecanismo, ali pelo início
do governo FHC, outros
recursos do BNDES foram
utilizados para financiar
essas vendas, bem como a
participação da BNDESPAR
como eventual sócia
minoritária.
O ponto aonde quero chegar é
o seguinte: não é porque eu
ache que os recursos do
Banco deveriam ser usados
para financiar as
atividades/setores do tipo
A, B ou C, que eu penso que
a aceleração da devolução de
recursos ao Tesouro é
pior do que um crime: é um
erro. É porque, se a
meta de privatização
colocada claramente por
Paulo Guedes já na campanha
é para ser executada e
funcionar de forma não
predatória ou traumática, o
papel do BNDES na condução
desse tipo de processo pode
novamente ser crucial. Essa
meta é bastante original no
sentido de reposicionar a
questão de liberar ativos
que estão sob controle da
União para uma utilização
mais sábia pelo setor
privado: a ideia de incluir
o patrimônio imobiliário
(gente, sabe aquele
estacionamento no meio da
Voluntários da Pátria:
aquilo é terreno arrendado
da União!) como um elemento
central no discurso de
privatização, e não ficar
preso somente às empresas
constituídas.
Indo direto ao ponto, a
primeira proposta pode ser
descrita da seguinte forma:
1. O BNDES conduzirá, sob o
comando do Ministério da
Economia, um processo de
construção de empresas
gestoras de grandes
portfólios imobiliários
regionalmente delimitados.
2. Essas empresas serão
colocadas no mercado com
participação do BNDES em seu
capital, de forma a garantir
ao setor privado um
compromisso adicional de que
este é um investimento
seguro.
3. A União poderá se
beneficiar futuramente pela
valorização desse patrimônio
sob gestão privada, seja
pelos fluxos de caixa pagos
ao BNDES, seja pela própria
desmobilização dessas ações
num momento mais tranquilo.
Que seja assim, que seja
através de fundos
imobiliários, qualquer que
seja a engenharia concebida
para isso. Deixar de usar o
BNDES e os recursos que aqui
estão para confiar que o
mercado por si só (e não sem
o skin in the game do
próprio governo – para não
dizer liquidez) vai resolver
isso é algo aquém da
responsabilidade em questão.
E processos bem-sucedidos,
feitos por pessoas com
espírito público e
entendimento de operação de
mercados, são conduzidos
no limite da
irresponsabilidade.
Uma Ligação com o Futuro
Como já tratei em
outros textos aqui neste
mesmo VÍNCULO, Ricardo
iniciou o processo de
construção de um novo Banco.
Embora ainda não seja muito
claro como isso será feito
(porque não creio que
soluções de mercado
terceirizadas para
inadimplência/contencioso
sejam matéria resolvida no
âmbito do Sistema U), a
ideia de que venhamos a
operar diretamente as
pequenas operações de BNDES
Automático com uso de
fintechs e coisa
parecida parece ser
visionária. Mas lembre-se
que dirigíveis com
hidrogênio também foram alta
tecnologia de sua época.
O fato é que essa não deve
ser uma experiência
abortada. Pelo contrário.
Por outro lado, nesse afã de
se avançar as relações com
(e para além) do sistema
financeiro presente e
futuro, há um ponto
negligenciado no que é o
conjunto principal das
operações automáticas do
Banco. Trata-se da FINAME,
do Cartão, daquelas
operações nas quais o
fabricante de um produto ou
o fornecedor de um serviço é
credenciado pelo Banco.
Como nosso presidente
destacou, o Banco deveria
dar uma prioridade à empresa
média. Isso, no entanto,
existe num país apenas, a
Alemanha, e com empresas
industriais de bens de
capital ou bens
intermediários. John Kay
costuma tratar disso, e isso
também já discuti nestas
páginas.
Para melhor apoiar este
setor, que incidentalmente
foi o que mais se engajou
politicamente na defesa da
manutenção das condições de
remuneração do Banco quando
se implantou a TLP, creio
que seria necessário
resgatar, de forma ampliada
e aperfeiçoada, uma
estrutura focalizada. O que
proponho é a criação de uma
Área de Operações
Credenciadas. Esta Área
conteria as estruturas
responsáveis pelos produtos
FINAME e Cartão BNDES, pelo
Departamento de
Credenciamento, que foi
exilado na AP na última
reestruturação, e pelo
Departamento de Bens de
Capital.
Razões? Para começar, o fato
de que bancos dedicados como
o Banco Volkswagen ou
eventuais futuras estruturas
cooperativas de
financiamento de vendas de
médias empresas de uma
região, como cidades do
interior de Santa Catarina,
são a alternativa presente e
futura ao custo de uma
operação genérica do
concentrado setor bancário,
em geral ignorante em
relação aos reais riscos e
necessidades dessas
empresas.
A isso se some a capacidade
de, de fato, fomentar o
aperfeiçoamento dessas
empresas, criando condições
para que elas se modernizem
ao mesmo tempo em que o
produto dessa modernização
tenha condições financeiras
adequadas à sua colocação no
mercado.
Isto não quer dizer
dirigismo como nalgum
passado de caixa preta. Isto
quer dizer apenas estimular
sinergias e permitir que o
suporte a uma empresa
industrial se dê no âmbito
completo de suas atividades,
na melhoria simultânea de
produção e vendas.
Por enquanto é isso. Em nada
incompatíveis com as metas
há outras propostas deste
Time Vermelho que
eventualmente cá estarão.
Saibam meus habituais
leitores que nos próximos
episódios ironia e
obscuridade retornarão a
estas páginas. O colega do
Bloco C provavelmente
lembrar-se-á que nós, do
Bloco F, em especial os que
frequentavam os fundos do
Bloco F, acreditamos no
livre...
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