Três horas de
apresentações e
discussão com a
plateia no
evento Café com
Conhecimento
sobre a
antecipação de
pagamento de
R$100 bilhões ao
Tesouro
Nacional,
realizado no dia
13, permitiram
que um tema
aparentemente
muito complexo,
envolvendo
questões
macroeconômicas,
financeiras e
jurídicas, fosse
condensado nas
asserções acima.
Talvez o leitor
esteja cético
sobre esse
julgamento
quanto ao
debate. Talvez
ele não tenha
ainda percebido
a importância do
que se está
discutindo,
afinal de
contas, há
recurso sobrando
no BNDES, a
dívida pública é
o problema
número um do
país, por que
não usar
recursos ociosos
para
enfrentá-lo?
Finalmente, com
a análise do
TCU, sabemos
agora que nada
há de ilegal
nessa
antecipação.
O problema com
esse raciocínio
está em parte
nas definições
de seus termos.
Por exemplo, os
recursos estão
ociosos no
BNDES. Como
determinamos a
ociosidade
desses recursos?
Em primeiro
lugar estamos
falando de
recursos de
longo prazo, 35
anos. De outro
lado, a medida
que se está
utilizando para
mensurar a
demanda por
esses recursos
são projeções de
curto prazo
feitas no meio
de uma das
maiores crises
econômicas da
história do
país. Como elas
poderiam não
estar
contaminadas por
um viés de baixa
sob esse clima?
Essas projeções
foram feitas em
condições de
incerteza sobre
as novas
políticas
operacionais
que, como
sabemos, serão
divulgadas
apenas em
janeiro.
Deveríamos
adicionar um
argumento
político a essa
questão também.
A medida de
devolução foi
proposta sob
orientação de um
ministro da
Fazenda e de um
governo que não
conseguiram se
livrar
totalmente do
seu caráter
temporário.
Finalmente, e
mais importante
do que o caráter
discutível das
previsões que
basearam o
diagnóstico de
ociosidade, há o
contexto no qual
essa decisão
está sendo
tomada. O país
está discutindo
como enfrentar
uma crise que
muitos já
diagnosticam
como um "credit
crunch", ou
seja, como
produto também
de um
encolhimento
abrupto e
significativo do
crédito. Que
papel os bancos
públicos podem
vir a cumprir
nesse cenário?
Aumentam o
número de
analistas que
acreditam que a
principal saída
para a crise é
um investimento
maciço em
infraestrutura.
É esse o momento
para se "descapitalizar"
o BNDES? Quem
fará
investimento de
longuíssimo
prazo no Brasil
de 2017?
Alguém poderia
retrucar que
esses recursos
são úteis no
BNDES, mas
seriam bem mais
úteis ao reduzir
a dívida
pública. Esse
tema também foi
discutido no
evento. Uma
primeira
informação que
todos deveriam
ter em conta é
que o lucro do
BNDES é
distribuído para
seu único
controlador, a
União. E isso
inclui a parte
do lucro obtida
com a aplicação
de recursos de
tesouraria. Ou
seja, os
recursos
aplicados no
BNDES que estão
"ociosos" não
têm custo fiscal
e, portanto, não
afetam a
trajetória do
endividamento
público. A
devolução dos
100 bi tampouco
afeta o nível
Dívida Líquida
do Setor Público
(anulação de um
ativo e de um
passivo
correspondente).
Curiosamente,
alguns analistas
deixaram de dar
importância ao
indicador de
Dívida Líquida,
mesmo que a
União possa
dispor de seus
ativos a
qualquer momento
para abater
dívida
mobiliária, à
custa do
rompimento de um
contrato de
longo prazo.
Para esses
analistas, a
Dívida Bruta em
proporção ao PIB
é o indicador
relevante,
especificamente
a trajetória –
se explosiva ou
não. Ela cresceu
aceleradamente
nos dois últimos
anos,
desacelerou nos
últimos meses e
chegou a 69,2%
do PIB em
outubro de 2016.
E esse
crescimento
ocorreu a partir
da queda no
nível de
atividade (queda
acelerada da
arrecadação
tributária e
redução do
denominador) e
dos swaps
cambiais
realizados pelo
Banco Central,
além do aumento
da taxa Selic. A
devolução dos
100 bi afetaria
apenas o nível
desse indicador
(em 1,5% do PIB)
e não sua
trajetória, já
que o custo
fiscal desses
recursos em
Tesouraria no
BNDES é zero.
Como a redução
da Dívida Bruta
via antecipação
do pagamento dos
100 bi poderia
melhorar nossa
situação na
atual conjuntura
de crise, não
foi muito
explicado no
evento. Sabemos
apenas que
alguns analistas
acham que a
Dívida Bruta é
importante no
atual cenário…
e, segundo os
palestrantes, o
maior problema é
o "risco de
imagem", já que,
ao contrário do
Bradesco e do
Itaú, Tesouraria
não é o core
business
(sic) do BNDES.
Quem sabe o
leitor possa
concordar agora
que os
argumentos
financeiro e
macroeconômico
não são tão
convincentes
como pareciam. E
o argumento
jurídico? Bom,
aqui há uma
divisão entre
uma análise
literal versus
finalística da
Lei de
Responsabilidade
Fiscal, como fez
o TCU. O
VÍNCULO publicou
mais de uma vez
a opinião
divergente de
José Roberto
Afonso sobre
o tema. Na
penúltima edição
chegamos a
entrevistá-lo.
Para quem não
sabe, José
Roberto Afonso é
uma das maiores
autoridades em
finanças
públicas do
país, um dos
elaboradores da
Lei de
Responsabilidade
Fiscal e colega
aposentado do
Banco. José
Roberto Afonso
não é advogado,
será que sua
interpretação
divergente é
apenas literal?
Revisto o
argumento
principal que
apresentamos,
podemos entender
as citações com
que iniciamos o
artigo. Talvez
alguns agora
compreendam
porque em última
instância pode
se dizer que o
debate foi
reduzido a uma
questão de
imagem e
autoridade. Há
outros
argumentos
difundidos na
Casa de mesma
ordem. Ouvimos
colegas
argumentando que
esses aportes do
Tesouro
aumentaram
demasiadamente a
visibilidade do
Banco, no fundo
essa é a razão
para os ataques
que estamos
sofrendo de
vários segmentos
da mídia
convencional e
de blogueiros.
Esse, ao nosso
ver, é um
julgamento
ingênuo. Os
ataques ao BNDES
têm origem mais
profunda, em
termos de
interesse e
ideologia. O
Brasil é talvez
o único país da
América Latina
que manteve
bancos públicos
com uma presença
decisiva,
eventualmente
preponderante. O
discurso de
"normalização"
do Brasil passa
necessariamente
pela redução
substancial
desses bancos
públicos. Toda
discussão na
Casa hoje passa
por essa
perspectiva de
que há que se
abrir espaço
para o setor
privado
financeiro, como
se o
comportamento
dos bancos
públicos e não a
realidade das
taxas de juros
no país fosse a
razão para a
atuação tímida
dos bancos
privados no
mercado de
crédito. Não há
espaço para
desenvolver mais
sobre o tema do
interesse.
Quanto à
ideologia,
recomendamos que
o leitor
consulte um
vídeo
apresentado por
Persio Arida em
2010 (https://www.youtube.com/watch?v=P8I9q7tm95s).
Vale consultar
também o debate
entre Persio
Arida e Ernani
Teixeira, ou
alguns artigos
do economista
Marcos Lisboa,
do Insper.
É isso que se
entende por fim
de decisões
políticas, pelo
reino das
decisões
técnicas?
A história do
BNDES é também a
história da
busca da
instituição por
fontes de
financiamento
adequadas. Em
2008 estava
claro que as
fontes
garantidas pela
Constituição de
1988, o FAT,
encontrava-se no
seu limite.
Discutíamos
capitalizações
pelo governo
federal,
retenção de
dividendos,
quando a
conjuntura
trazida pela
crise de 2008
levou à decisão
dos aportes do
Tesouro.
Com a devolução
dos 100 bi, a
atual Diretoria
entra
definitivamente
para a história
do BNDES, como a
primeira a
reduzir o
funding da
instituição. Uma
pequena incursão
pela história do
Banco vai
mostrar que esse
é um feito
notável,
historicamente
falando, é
claro.