A máquina não trivial
 
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fernando garcia/2013

 

Edgar Morin
Antropólogo, sociólogo e filósofo francês
 
Os seres humanos, a sociedade, a empresa, não são máquinas triviais: uma máquina trivial é aquela da qual, ao se conhecer todos os inputs e todos os outputs, pode-se predizer o seu comportamento desde que se saiba tudo o que entra na máquina. De certa maneira, nós também somos máquinas triviais das quais se pode em grande parte predizer os comportamentos.

De fato, a vida social exige que nos comportemos como máquinas triviais. Está claro, não agimos como puros autômatos, buscamos meios não triviais quando constatamos que não podemos alcançar nossos fins. O importante é que surgem momentos de crise, momentos de decisão, em que a máquina se torna não trivial: ela age de uma maneira imprevisível. Tudo o que diz respeito ao surgimento do novo não é trivial e não pode ser dito antecipadamente. Assim, quando os estudantes chineses estão na rua aos milhares, a China torna-se uma máquina não trivial. Em 1987-89, na União Soviética, Gorbatchev se comporta como uma máquina não trivial! Tudo o que se passou na história, sobretudo nas épocas de crise, são acontecimentos não triviais que não podem ser preditos. Joana d’Arc, que escuta vozes e decide procurar o rei da França, tem um comportamento não trivial. Tudo o que vai acontecer de importante na politica francesa ou mundial diz respeito ao inesperado.

Nossas sociedades são máquinas não triviais no sentido em que elas também conhecem sem cessar crises politicas, econômicas e sociais. Qualquer crise é um acréscimo de incertezas. A probabilidade de divisão diminui. As desordens tornam-se ameaçadoras. Os antagonismos inibem as complementaridades, os virtuais conflitos se atualizam. Os controles falham ou se quebram. É preciso abandonar os programas, inventar estratégias para sair da crise. Com frequência necessitamos abandonar as soluções que remediavam as antigas crises e elaborar novas soluções.

Preparar-se para o inesperado

A complexidade não é uma receita para conhecer o inesperado. Mas ela nos torna prudentes, atentos, não nos deixa dormir na aparente mecânica e na aparente trivialidade dos determinismos. Ela nos mostra que não devemos nos fechar no "contemporaneísmo", isto é, na crença de que o que acontece hoje vai continuar indefinidamente. Por mais que saibamos que tudo o que aconteceu de importante na história mundial ou em nossa vida era totalmente inesperado, continuamos a agir como se nada de inesperado devesse acontecer daqui pra frente. Sacudir essa preguiça mental é uma lição que nos oferece o pensamento complexo.

O pensamento complexo não recusa de modo algum a clareza, a ordem, o determinismo. Ele os considera insuficientes, sabe que não se pode programar a descoberta, o conhecimento, nem a ação.

A complexidade necessita de uma estratégia. Claro, segmentos programados com sequências em que o aleatório não intervenha são uteis ou necessários. Em situação normal, a pilotagem automática é possível, mas a estratégia se impõe desde que sobrevenha o inesperado ou o incerto, isto é, desde que apareça um problema importante.

O pensamento simples resolve os problemas simples sem problemas de pensamento. O pensamento complexo não resolve por si só os problemas, mas se constitui numa ajuda à estratégia que pode resolvê-los. Ele nos diz: "Ajuda-te, o pensamento complexo te ajudará".

O que o pensamento complexo pode fazer é dar, a cada um, um memento, um lembrete, avisando: "Não esqueças que a realidade é mutante, não esqueça que o novo pode surgir e, de todo modo, vai surgir".

A complexidade situa-se num ponto de partida para uma ação mais rica, menos mutiladora. Acredito profundamente que quanto menos um pensamento for mutilador, menos ele mutilará os humanos. É preciso lembrar-se dos estragos que os pontos de vista simplificadores têm feito, não apenas no mundo intelectual, mas na vida. Milhões de seres sofrem o resultado dos efeitos do pensamento fragmentado e unidimensional.

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(*) Extraído de "Introdução ao pensamento complexo"; 5.ed. – Sulina, 2015, p. 82-83.

 
 
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