MP 777: uma iniciativa controversa
Na terceira audiência pública da Comissão Mista do Congresso que analisa a Medida Provisória da TLP a polêmica continuou. A AFBNDES esteve presente

 
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reprodução/senado.

Presidente da AF, Thiago Mitidieri (e) participou de audiência no Senado
 
 
Foi realizada anteontem (8), em Brasília, a terceira audiência pública da Comissão Mista instalada pelo Congresso Nacional para apreciar a Medida Provisória 777/2017, que cria a TLP em substituição à TJLP para remunerar os contratos de financiamento do BNDES a partir de 1º de janeiro de 2018.

Participaram da audiência os seguintes convidados: Mansueto de Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda; Venilton Tadini, presidente-executivo da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib); José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp; Thiago Mitidieri, presidente da AFBNDES; Roberto Ellery, professor de Economia da UnB; Otávio Ribeiro Damaso, diretor de Regulação do Banco Central; José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), também representando a Confederação Nacional da Indústria (CNI); Felipe Rezende, professor associado de Economia e Finanças da Bard e Levy Economics Institute (NY); Samuel Pessoa, professor de Economia da FGV; e Leonardo Ribeiro, economista e assessor do Senado Federal.

A audiência ainda contou com a participação do presidente da Comissão Mista, senador Lindbergh Farias (PT/RJ), do relator da matéria, Betinho Gomes (PSDB/PE), e do senador Armando Monteiro (PTB/PE), integrante da Comissão. Também participou ativamente dos debates o senador José Serra (PSDB/SP), que estava no plenário.

Como nas outras oportunidades, a audiência pública da última terça-feira foi bem dividida, confirmando o caráter controverso da substituição da TJLP pela TLP – todas as apresentações feitas pelos convidados estão no site do Senado Federal.

Destacaram-se na contestação à Medida Provisória 777, o presidente da AFBNDES, Thiago Mitidieri, os representantes do setor industrial (para quem o critério de cálculo fará com que a TLP seja mais alta e mais volátil que a TJLP, provocando incerteza e desestimulando o investimento privado), o professor Felipe Rezende e o senador José Serra, que criticou de forma veemente a iniciativa governamental: "O governo mexe no BNDES e não mexe em subsídios de empréstimos em outros bancos. Isso é oportunismo político".

O relatório elaborado pelo deputado Betinho Gomes não foi lido ontem em reunião da Comissão Mista por falta de quórum. A leitura foi remarcada para o dia 15, data em que estava prevista a votação da matéria.

"Mudança precipitada, aposta arriscada"

Em sua apresentação, o presidente da AFBNDES disse que estava trazendo à audiência as preocupações dos funcionários do Banco. "Esta MP mexe profundamente com o BNDES. O Banco é uma instituição que existe há 65 anos. Ele foi criado numa época em que havia uma ideia de projeto de país. A industrialização seria um motor que geraria as transformações necessárias para modernizar a nossa economia e o Brasil. Ao longo desse período, de vários ciclos de desenvolvimento da economia, o BNDES foi se diversificando. Ele nasceu como instituição voltada ao financiamento e à análise de projetos (expertise até então inexistente). À medida que os setores iam sendo instalados; à medida que ia evoluindo, o BNDES também ia criando mecanismos para atribuir competitividade, como, por exemplo, o Finame, o apoio às exportações e o Cartão BNDES – um produto criado a partir dos anos 2000 voltado exclusivamente para o apoio às micro, pequenas e médias empresas".

Sendo assim, segundo Mitidieri, qualquer medida que mude profundamente a forma como o BNDES opera, precisa ser feita com muito cuidado, porque como o Banco é parte fundamental da economia brasileira, mudanças precipitadas podem gerar desarranjos e prejuízos que não estão sendo considerados.

"O colega da Fazenda, Fabio Kanczuk, na audiência realizada no BNDES, usou a expressão non sequitur para se referir a uma espécie de dissonância no debate acerca da MP. Eu atribuo essa dissonância à ausência de análises sistemáticas e estudos de impacto sobre as consequências da MP 777 para o investimento de longo prazo, a competitividade da indústria, o nível de emprego e o crescimento da economia. Como disse o professor Ernani Teixeira em outra audiência, essa medida significa um ‘salto no escuro’, porque, como não há estudos que tratem de suas consequências, é uma aposta muito arriscada".

Debate enviesado

Toda a discussão sobre o uso do subsídio está enviesada, disse Mitidieri: "Só se fala do custo do subsídio. Passa a impressão de que o subsídio é um crime e que acabar com ele significa que haverá uma moralização do BNDES, uma moralização do país. Subsídio é usado em todos os países que têm uma economia relevante. No debate, o custo é enfatizado, ignorando-se o benefício".

Para Mitidieri, o papel do BNDES como banco de desenvolvimento foi completamente desconsiderado nesse processo. "Não houve a participação do corpo técnico do BNDES na formulação dessa proposta. Inclusive, esse é um dos motivos de não terem sido feitas essas análises. É uma discussão essencialmente política e não técnica", destacou.

Segundo o dirigente da AF, não basta dizer que é, tem que demonstrar. E perguntou: "A TLP é compatível com o investimento de longo prazo? Ela preserva a competitividade do Finame e, em consequência, da indústria de capital? Viabiliza o Cartão BNDES? Preserva a atuação anticíclica do BNDES?"

"Em qualquer manual de investimento você lê que para financiar o investimento de longo prazo, é necessária uma taxa de juros baixa, estável e previsível. E a TLP é o oposto disso: é alta, volátil e por isso mais imprevisível. A Abimaq fez uma exposição aqui demonstrando os impactos nega-tivos da TLP na competitividade da indústria. Com o encarecimento do custo do financiamento, a concorrência estrangeira vai ser mais favorecida no mercado brasileiro. E que prejuízo esta medida pode ter para as MPMEs? Outra coisa: a expansão de empréstimos do Tesouro ao Banco, de crescimento do desembolso do BNDES, ocorreu em função da crise de 2008. O FMI e o Banco Mundial reconheceram a importância da atuação anticíclica do BNDES para que a economia brasileira, naquele momento, não tivesse afundado. Como o voto do relator pode estar certo de que a MP 777 não afeta o BNDES e os segmentos apoiados por ele, se não há estudos sólidos demonstrando isso?"

O presidente da AFBNDES destacou que em seu voto, divulgado antecipadamente, o relator diz que a MP deveria ser aceita se tivesse respostas positivas para duas perguntas: "O balanço de custos e benefícios, sociais e econômicos, associado à sistemática vigente, é desfavorável ao emprego da TJLP? Os benefícios esperados da introdução da TLP recomendam sua adoção?"

"Que balanço de custos e benefícios? Aonde está esse balanço?", perguntou Mitidieri. "O que é citado é o lado do custo, que é simples determinar porque você está calculando, na verdade, o diferencial entre a Selic e a TJLP. Mas onde estão os benefícios? Não há uma menção sequer no relatório sobre os benefícios da atuação do BNDES. E não é possível que o BNDES não traga nenhum benefício à economia brasileira".

Sobre a pergunta relativa aos benefícios esperados com a introdução da TLP, Mitidieri trouxe outras interrogações: "Como essa pergunta pode ser respondida? Com base em quê?"

No documento, o relator diz que bastaria que uma das respostas parecesse negativa para que ele se inclinasse pela rejeição da MP. "Ora, estamos na terceira audiência pública. As duas primeiras apresentaram um contraditório forte em relação a essas questões e isso não foi considerado. Eu acho que há uma contradição na posição do relator", afirmou o presidente da Associação.

Urgência da MP 777

Para o dirigente da AFBNDES, a ausência de estudos de impacto e análise das consequências da MP enfraquece o sentido de urgência da iniciativa ("Se não sabemos para onde estamos indo, para que a pressa?"). Outro ponto: a avaliação do impacto negativo na dívida pública do subsídio implícito a ser usado pelo BNDES nos próximos 43 anos, estimado em R$ 109 bilhões, é feita sem considerar os benefícios que a aplicação desses subsídios poderá gerar para a economia e para as finanças públicas.

Ao tratar do real motivo da MP 777, que é eliminar o custo do subsídio implícito, Thiago Mitidieri chamou atenção para o que o BNDES pagou em dividendos e tributos de 2007 a 2016: dividendos ao Tesouro Nacional – R$ 97.214 milhões; tributos: R$ 62.298 milhões (total: 160.142 milhões) – equivalendo a 56% dos R$ 284.700 milhões calculados como subsídio das operações em TJLP e 67% do subsídio implícito.

"E os outros benefícios não computados? Qual é o efeito dos investimentos apoiados pelo BNDES na arrecadação tributária? Por que esses dados não aparecem no voto do relator?", perguntou Mitidieri.

O presidente da AFBNDES também fez referência ao caráter "arbitrário" da TJLP. "Por que a mesma autoridade monetária que define a TJLP, a Selic e a meta de inflação só é ‘arbitrária’ quando define a TJLP?"

Por fim, sem tempo para tratar de todos os temas presentes em sua apresentação, Mitidieri ainda tocou em dois pontos fundamentais: o BNDES como Banco de Desenvolvimento e o papel articulador do Congresso Nacional: "O BNDES não é uma instituição de mercado. Em todo o mundo bancos de desenvolvimento operam em condições diferenciadas em relação ao mercado, com mecanismos de incentivo. O KfW, banco de fomento alemão, capta recursos com o aval do Tesouro, possui imunidade tributária e não paga dividendos. Quais instrumentos o BNDES terá à disposição para cumprir seu papel? É necessário fazer essa discussão, porque a MP 777 retira tais instrumentos e não oferece qualquer compensação".

"O Congresso Nacional, legítimo representante da sociedade brasileira, deve ser um eficiente controlador, cobrando do BNDES as contrapartidas socioeconômicas e ambientais resultantes de sua atuação. Cobrar e prestar contas à população é dar transparência. O Congresso também tem um papel nobre: articular um pacto político pelo desenvolvimento, pela retomada do crescimento e pela empregabilidade", finalizou o presidente da AFBNDES.

 
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