O governo federal, com
sua equipe enigmática e
excêntrica, representa a
materialização do
rebotalho de ideias
estapafúrdias, rançosas,
ajuntadas a esmo, para
servir de esteio
ideológico (tão frágil
quanto pretensioso) a um
"projeto" de país cuja
resultante – conscientes
seus calculistas disso
ou não – é realizar a
autofagia nacional mais
estupenda já assinalada
aqui e alhures. Isso não
se iniciou com ele,
diga-se, mas esse
governo serve de
estuário a tal processo
entrópico acelerado.
Exemplo único na
história, estamos
decididos a guerrear
contra nós mesmos até a
autodemolição – tijolo
por tijolo num processo
ilógico:
• Retiramos direitos
sociais em troca da
ilusão naif do
empreendedorismo
individual
autossustentável;
• Precarizamos relações
de trabalho com ampla
perda de produtividade e
empregos formais,
transformando
trabalhadores em
biscateiros
desempregados e
desalentados;
• Atacamos instituições
de pesquisa científica
renomadas,
desqualificando-as sem a
menor cerimônia;
• Promovemos o desmonte
de empresas estatais
estratégicas à espera do
Godot do livre
mercado, o qual, já se
sabe, não virá – como
não se fez presente
enquanto único e
principal detonador do
desenvolvimento em parte
alguma ao longo da
história humana;
• Aceitamos estoicamente
sermos colocados no
papel de fornecedores de
matérias-primas na
divisão internacional do
trabalho;
• Retrocedemos em várias
conquistas da
sociabilidade
civilizada;
• Negligenciamos o meio
ambiente, liberando mais
agrotóxicos, aumentando
o desmatamento e
propondo a liberação da
caça de animais
selvagens, muitos em
risco de extinção;
• Estolamos o sucesso da
Embraer, no entreguismo
abjeto de sua venda ao
Império;
• Abrimos mão de
qualquer protagonismo no
âmbito da construção
civil internacional
quando penalizamos as
empresas – sem qualquer
resguardo – junto com
seus dirigentes
corruptos;
• Deletamos, num piscar
de olhos, séculos de
tradição de nossa
política externa cujos
pilares sempre foram o
equilíbrio negocial
qualificado, o
arbitramento de
conflitos e a busca por
certa autonomia quanto
ao posicionamento
estratégico do país;
• Transformamos a
religião num instrumento
movido pelo ódio,
acumulação de riqueza
material e força
político-partidária,
inibidor da
possibilidade de
convivência respeitosa
entre os homens e suas
diferenças, onde o
combate histérico à
"heresia" substitui a
elaboração teológica do
ecumenismo maduro;
• Embaralhamos o sistema
jurídico nacional com a
transposição mecânica de
práticas e tradições do
sistema jurídico
anglo-saxão para a
realidade brasileira, a
qual se baseia em outro
sistema, o
romano-germânico;
• Enfim, trouxemos a
distopia a tempo
presente ao trocarmos
livros por armas, ao
abolirmos o uso
obrigatório de
cadeirinhas infantis nos
automóveis. Muitos
outros pequenos e médios
sintomas de insanidade
estrutural poderiam ser
descritos, mas fiquemos
por aqui.
Seremos a esfinge
destinada a fundir a
cuca de futuros sábios e
historiadores, os quais,
em vão, tentarão
decifrar o eco pretérito
de tamanho contrassenso.
Perguntarão os
estudiosos:
Em nome do que eles
fizeram isso?
Alguém os obrigou?
Quais forças terrenas
e/ou cósmicas se
amalgamaram para
compelir a tal suicídio
coletivo tão patético?
Diante dessas e outras
prováveis indagações a
serem feitas, a única
certeza presente:
seremos um grande e
misterioso case
no futuro...