OPINIÃO

Deem-lhes brioches!

Marcelo Marcolino

 Contador do BNDES

 

Dentre os muitos problemas a serem atacados pelo governo que se inicia, os gargalos históricos do país em infraestrutura aparentemente serão priorizados, tendo o novo ministro da pasta afirmado que contará para tanto com o auxílio do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI e BNDES, dentre outros órgãos de governo.

Segundo estimativas do Infra 20381, o estoque de infraestrutura nacional é de apenas 36% do PIB, sendo necessário aumentar nossa taxa de investimentos anual de 1,4% do PIB (em 2007) para cerca de 6,5% em 2038, para que em 20 anos o Brasil atinja um estoque de 77% do PIB e possa figurar entre os 20 principais países do ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial.

Em novembro último, o FMI lançou um Relatório de Avaliação da Gestão do Investimento Público no Brasil2, constatando mais uma vez o que é voz corrente sobre os baixos níveis de investimento – e suas causas – no país nos últimos anos. Dentre as áreas com deficiências mais significativas destaco a priorização estratégica e a avaliação e seleção de projetos.

O relatório faz recomendações baseadas em boas práticas internacionais e constata que a ausência de um plano estratégico nacional de infraestrutura impede a elaboração de um banco de projetos e sua ordem de prioridade para orientar o investimento público. Na modalidade de investimentos via Concessões e Parcerias Público Privadas – PPP, apesar de reconhecer a criação do PPI como um avanço na seleção de projetos e remoção dos gargalos, aponta para a necessidade de otimização dos processos, com maior transparência e alinhamento à estratégia nacional.

Dada a baixa capacidade de investimentos com recursos públicos, a utilização de Concessões e PPP vem se mostrando uma alternativa para projetos de infraestrutura de diversas esferas de governo. No entanto, tais parcerias entre público e privado demandam uma grande coordenação de esforços. Desde o planejamento, avaliação e seleção, estruturação dos projetos, até a gestão dos contratos pelos entes públicos.

O BNDES é um parceiro histórico dos governos em Concessões e PPP. Estudos dos setores de aviação e portuário, bem como estruturação de projetos de aeroportos, rodovias, portos e diversos outros, como saneamento, mobilidade urbana e até hospitais, foram realizados pelo Banco na última década.

Tais estudos, realizados em parceria com o International Finance Corporation – IFC, braço do Banco Mundial e/ou com a Estruturadora Brasileira de Projetos – EBP, utilizaram consultores independentes e demandaram intensa coordenação interna e externa, chegando a ser premiados mundialmente, além de terem originado parcela relevante de financiamentos em logística concedidos pelo BNDES.

Muito do aprendizado – e das vivências das equipes – está consubstanciado em estudo realizado em 2014, junto com o IFC e diversos outros especialistas3, que traçou um diagnóstico do modelo brasileiro e sugeriu propostas de aperfeiçoamento.

A criação do PPI, em grande parte, advém daquele estudo, mas, curiosamente, a partir de sua implementação, em meados de 2016, a participação do BNDES nos projetos elaborados pelo governo federal, sofreu grande revés. Como exemplo, entre o discurso de posse da ex-presidente Maria Sílvia – para quem o saneamento básico era a menina dos olhos e um grande problema a ser atacado – e a prática, o que vimos até 2018 foi a queda dos desembolsos àquele setor.

Infelizmente, a troca de gestão em 2016 veio eivada de desconfianças para com os funcionários e a opção foi desprezar os mais experientes. Ao invés de aprimoramento das boas práticas identificadas em processos e estudos anteriores, buscou-se "inovar", contratando projetos complexos por pregão. A empáfia benedense resolveu produzir pãezinhos em série, quando o mercado brasileiro demandava panificação gourmet.

A despeito do BNDES, o sucesso do PPI pode ser aferido pelos mais de 120 projetos concluídos, desde a implementação da Secretaria do PPI até dezembro de 2018, com estimativa de mais de R$ 250 bilhões em investimentos. Diversas melhorias podem ser implementadas em termos de boas práticas internacionais, mas o pontapé inicial foi dado. Estivesse o BNDES trabalhando a quatro mãos com o PPI, além de potencialmente alavancar a originação de novos financiamentos em infraestrutura, estaríamos melhor posicionados nesta mudança de governo, mantendo a condição de principais estruturadores e financiadores de infraestrutura do governo.

O resultado, além da queda nos desembolsos, pode ser visto no material de transição do Ministério do Planejamento4, lançado ao final de 2018: o capítulo sobre Concessões e PPP cita a Caixa Econômica Federal como administradora do FEP – Fundo instituído no âmbito da proposta de criação do PPI, capitalizado pela União e com a finalidade de prover recursos para a elaboração de projetos. Em 2018 a Caixa estava implementando cinco projetos-piloto de resíduos sólidos, além de rodovias e projetos em andamento de iluminação pública e saneamento – em parceria com organismos multilaterais. Não há uma linha sequer sobre o BNDES e a estruturação de projetos de infraestrutura.

Nem tudo está perdido, no entanto. Dentre os projetos corporativos do planeja-mento estratégico em curso no Banco, a estruturação de projetos ganhou destaque e recentemente foram veiculadas algumas das iniciativas da equipe para normatizar processos, eficientizar e perenizar a atividade no BNDES. Avançar em tais iniciativas é fundamental, mas sem mudança de postura é difícil crer que mudaremos do discurso à prática.

Mintzberg, em seu premiado artigo "Moldando a estratégia"5, sugere a ligação entre passado e futuro na elaboração das estratégias das empresas. Um planejador dedicado seria alguém que reunisse não apenas pensamento e razão, mas envolvimento, intimidade e harmonia com os materiais disponíveis, que só se desenvolvem com experiência e comprometimento.

Vivemos em um ambiente cada vez mais complexo, que demanda coordenação e cooperação entre as instituições. A atividade de avaliação e estruturação de projetos depende de grande articulação com os entes envolvidos, do poder concedente ao investidor, passando por parceiros, como organismos multilaterais, por exemplo. A atividade burocrática de verificação de contratos não é o que agregará valor ao processo, ou trará mais projetos de infraestrutura para financiarmos.

Há uma demanda imensa dos governos, não apenas o federal, para a prestação de mais que serviços. Exemplos como o das agências de desenvolvimento canadense, citadas por Conteh6, podem servir de inspiração: sua transição de prestadoras para gestoras e coordenadoras de serviços públicos fez com que passassem a atuar em redes de relacionamento. O foco em inovação levou à criação de uma política específica e as agências passaram a realizar planos de longo prazo em parceria com os governos locais, obtendo um papel estratégico muito mais relevante na atual sociedade, baseada não mais na indústria, mas no conhecimento.

Vale lembrar, ainda, da necessidade de inclusão da avaliação de efetividade na estruturação de projetos. A diversidade de projetos e amplitude do país permitem a realização de pilotos, para verificação do impacto de nossas ações. A análise de efetividade pode proporcionar informações sobre os erros e acertos de nossa atuação e direcionar os melhores caminhos a seguir para que o Banco atinja seu objetivo principal: promover o desenvolvimento brasileiro.

A reflexão final que deve ser feita, considerando o momento propício de mudanças e da elaboração de planejamento estratégico do Banco, é o papel que queremos e a postura que devemos adotar para o atingimento de nossos objetivos. Aproveitar os conhecimentos acumulados, avaliar constantemente erros, acertos e o impacto de nossa atuação, e, dentro de um ambiente complexo, assumir realmente o protagonismo e a coordenação do processo pode ser trabalhoso e mais arriscado, mas possibilitará trazer resultados positivos para o país e para o próprio BNDES.

Se este for realmente o papel que o BNDES aspira, então, fazendo um trocadilho com a frase atribuída a Maria Antonieta: "Se não querem pão, deem-lhes brioches!"

Ou corremos o risco de ter que fechar a padaria.

 

 

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