Estamos não apenas
sob um massacre de
medidas políticas
voltadas para
limitar ou mesmo
destruir a
instituição que
tantos de nós temos
orgulho de pertencer
ou de ter
pertencido. Estamos
sob ataque
ideológico pesado, e
para mostrar o
caráter falacioso do
que está
aceleradamente se
transformando em
senso comum (favor
não confundir com
bom senso) não é
preciso ir muito
fundo. Espero deixar
algumas pistas por
que acho que nós,
benedenses
economistas ou não,
precisamos estar
mais armados para
sobreviver a este
assalto de ideias
suicidas.
Examinemos
declarações recentes
de influentes
economistas.
Presidente Dyogo
Oliveira: "Acho que
a história dos juros
subsidiados no
Brasil cumpriu seu
papel". Persio Arida
(economista,
banqueiro e
coordenador do
programa econômico
do pré-candidato
Alckmin): "O papel
do BNDES concedendo
subsídios acabou com
a TLP. A TLP foi um
enorme avanço".
Primeira reação
muito preocupante.
Uma radicalização da
retórica que o
governo manteve na
defesa da TLP.
Alguém se lembra que
eles garantiam que
subsídios
continuariam via
Congresso Nacional?
O novo presidente do
BNDES acompanha o
discurso da moda: a
condenação do
subsídio. Similar à
condenação do
déficit fiscal, do
protecionismo. A
condenação do
subsídio é uma forma
de condenação à
intervenção estatal.
Faz algum sentido
aderir à essa
tendência? Uma coisa
que deveria ficar
bem clara a quem
entra no BNDES é que
o Banco é um grande
mecanismo de
alocação de
subsídios. É isso. É
isso o que nós
somos. Todo mundo
sabe disso. E é bom
que todos nós, que
operamos essa
máquina, tenhamos
isso claro. Fomos
criados para isso,
assim como várias
outras instituições
criadas no
pós-guerra em todo o
mundo. Não há nada
de errado com isso.
Sim, subsídios vêm
sendo perseguidos
pela Organização
Mundial do Comércio
(OMC).
Principalmente
porque a OMC, como
os demais órgãos de
governança mundial,
se tornou menos
compromissada com os
países em
desenvolvimento. Há
uma lista dos
subsídios que são
proibidos, outros
que não, há
problemas para
mensurá-los. E para
simplificar uma
história complicada
com a TJLP-FAT e a
realidade do nosso
mercado de crédito
encontramos uma
defesa razoável para
a nossa prática. Por
que precisamos de
subsídios? Subsídios
no financiamento do
crédito são um
instrumento poderoso
para influenciar
decisões de
investimento na
direção das
atividades
econômicas
portadoras de
desenvolvimento,
leia-se atividades
industriais. Então a
resposta é que
precisamos de
subsídios porque
temos uma economia
industrial
subdesenvolvida que
tem caminhado
rapidamente para
trás; porque não
vamos nos
"reinventar" no
setor de serviços
que interessa se não
tivermos indústrias;
porque a agricultura
e a mineração não
vão empregar a massa
de brasileiros que
estão por aí. Essas
são algumas razões.
Trata-se da tão
ridicularizada
"jabuticaba"? NÃO!
Acompanhemos, por
exemplo, a discussão
entre europeus e
americanos sobre a
disputa entre Airbus
e Boeing. Os
americanos acusam os
europeus de
subsidiarem o Airbus
pesadamente. Estão
certos. Os europeus
respondem que os
americanos subsidiam
a Boeing através de
gastos militares
(aviões comerciais
da Boeing muitas
vezes são
desenvolvimentos de
aviões encomendados
pela aeronáutica
americana). Estão
certos também.
Detalhe: estamos
falando de países
desenvolvidos. Se
eles não podem
dispensar apoio
estatal em
atividades
estratégicas,
podemos nós?
O exemplo americano
é interessante
porque os
brasileiros que mais
condenam os
subsídios
normalmente são
pós-gradua-dos em
economia nos Estados
Unidos, em geral
voltam de lá muito
impressionados com o
modelo americano.
Nos Estados Unidos
não temos um banco
de desenvolvimento.
Por que
precisaríamos nós?
Parecem pensar
nossos colegas.
Mesmo quem não sabe
nada sobre economia,
sabe que os Estados
Unidos perderam a
liderança em vários
seguimentos
industriais para
europeus e
asiáticos. Uma
pergunta que essas
pessoas deveriam se
fazer: em que áreas
os americanos
retiveram vantagens
manufatureiras? A
resposta: em todos
os setores irrigados
pelo orçamento de
defesa (e também em
setores envolvidos
com pesquisa e
desenvolvimento
tecnológico na área
de saúde). Ou seja,
o exemplo da
indústria de aviação
não é uma exceção:
sobreviveram os
setores beneficiados
por subsídios
governamentais. Por
que nossos colegas
entusiastas do
modelo americano são
menos familiares com
essa "característica
institucional"? Bem,
economistas não são
convidados para dar
"pitaco" no
orçamento militar
americano.
Na Europa, leste
asiático, a
participação de
setores
governamentais é
ainda mais
explícita. Qual
modelo deveria nos
inspirar numa
reformulação do
BNDES? Devemos nos
basear num modelo
teórico altamente
controverso, como o
que povoa a
imaginação de
economistas
acadêmicos
ortodoxos? É esse o
modelo que segue a
Índia? A China? A
Alemanha? Vamos
tornar a discussão
mais concreta.
Queremos seguir a
Colômbia? O México?
O Chile?
Ao invés da
discussão
existencial-suicida
do fim dos
subsídios,
deveríamos nos
debruçar sobre
questões
construtivas e
essenciais. Aonde
devemos alocá-los?
Que contrapartidas
deveríamos exigir
para concedê-los?
Como lidar com as
limitações e regras
impostas pela OMC?
Há espaço para uma
avaliação crítica
profunda do BNDES se
assumirmos essa
agenda. Não há
respostas fáceis,
nem puramente
ideológicas nesse
caminho. E não está
além do nosso
alcance. Nos anos
50, num país com uma
dotação muito menor
de talentos, fomos
capazes de inovar em
tantas áreas. A
política de
contrapar-tida com
base em exigência de
conteúdo local é uma
contribuição
brasileira.
Transformamos então
o apoio à instalação
de multinacionais em
desenvolvimento de
pequenas e médias
empresas de capital
nacional, e
arrancamos para 30
anos de invejável
progresso. Ao menos
no campo produtivo,
que era e continua
sendo a
responsabilidade
fundamental da nossa
instituição.
A metodologia de
conteúdo local
desenvolvida
recentemente para o
setor eólico é uma
prova de que
honramos nossas
tradições e de que
engenhosidade não
nos falta. Ao
perseguir essa
agenda temos que
examinar
criticamente nossa
história, examinar o
exemplo de países
bem-sucedidos no
mundo atual. Temos
que ousar.
Se você acha que
isso é um guia pouco
concreto, compare
com a alternativa de
que precisamos, de
algum jeito, "reinventar"
o BNDES, que a
"securitização" é a
grande saída ou que
a TLP é a nossa
salvação.