Energia Nuclear, o BNDES e a industrialização do Brasil
 

Marco Aurélio Cabral
Engenheiro do BNDES
 
Energia Nuclear não é matéria nem para banqueiros, nem para jornalistas, acostumados a tomar decisões "rápidas", porém com boa dose de superficialidade.

Quem é do ramo sabe que o BNDES se encontra envolvido no equacionamento do futuro da tecnologia nuclear no país. A capacidade do Banco em perseguir solução não destrutiva para a indústria encontra-se em xeque. O passado recente não traz boas lembranças – o BNDES tem sido um dos principais responsáveis pela desmobilização de muitas obras de engenharia de construção civil pesada (e incontáveis empregos), valendo-se de argumentos jurídicos polêmicos e potencialmente exagerados. Mas isso a história julgará.

A Eletronuclear, subsidiária da Eletrobrás, encontra-se em situação pré-falimentar. O orçamento da Usina de Angra 3 foi praticamente duplicado e o cronograma alongado cerca de oito anos. Na ótica do financiador de infraestrutura, estes são os dois piores pesadelos. O BNDES não possui garantias do Tesouro e, portanto, deve acionar na justiça empresa controlada pelo mesmo dono! Após duas prorrogações no início da amortização do empréstimo, o BNDES não encontrou condições de adiar os recebimentos.

Em resposta, o governo federal abraçou projeto de emenda constitucional (PEC 122/07), que permitirá participação de atores estrangeiros na geração de energia termonuclear no Brasil. No caso concreto, a China National Nuclear Corporation (CNNC), cuja entrada no capital da Eletronuclear vem sendo negociada.

No entanto, a saída de "mercado" para a Eletronuclear na prática depende do equacionamento da situação econômico-financeira da Eletronuclear, o que excede em muito a responsabilidade do BNDES.

Segundo a Eletrobrás [Comunicado ao Mercado em 13/12/2017]:

...o BNDES decidiu não renovar, em outubro, cláusula contratual de financiamento que amenizava as parcelas do empréstimo, o qual chega a valor total de R$ 2,65 bilhões já liberados para a estatal. Com essa mudança, o pagamento saltou de R$ 7 milhões para R$ 30 milhões por mês, o que representa aproximadamente 12% da Receita bruta mensal recebida pela geração elétrica de Angra 1 e 2.

Neste contexto, a definição da estrutura da estatal que ficará responsável pelos ativos não vendáveis (Eletronuclear e Itaipú Binacional) é percebida como crítica e urgente. Incluindo-se aporte de recursos do Tesouro/Fazenda, de maneira a fazer frente ao plano de negócios da Eletronuclear incluindo-se os fluxos de caixa provenientes da geração de Angra III.

Além da responsabilidade do Tesouro/Fazenda junto a Eletronuclear, será ainda necessário reequilibrar o contrato de concessão, com elevação de tarifas. A ANEEL é portanto parte importante da situação-problema e os órgãos de Governo devem atuar de maneira coordenada.

 

 

A crise decorrente dos atrasos no projeto de Angra III tem sido agravada por inadimplência da Eletronuclear junto a fornecedores, incluindo-se o INB, indústria responsável pelo enriquecimento do urânio brasileiro para fins pacíficos. Com isso, os efeitos negativos têm se propagado para outros segmentos da vida tecnológica brasileira, como o desenvolvimento de submarino nuclear para a Marinha.

Poucas são as nações que dominam a tecnologia para o ciclo completo de produção termonuclear de eletricidade. Na Tabela 1, nota-se que os países com geração significativa encontram-se entre os mais avançados, industrial e tecnologicamente. E isso tem explicação. A indústria nuclear é, de longe, a mais exigente em termos de especificações técnicas, mais severa inclusive que a indústria aeroespacial. Ao dominar o ciclo completo, o país produz elevação na capacitação em engenharia, máquinas muito mais precisas e processos com maior confiabilidade nas cadeias de suprimento industriais. A tecnologia nuclear é causa, e não consequência, para elevados níveis de competitividade industrial dos países centrais.

A decisão do Estado Brasileiro quanto à necessidade da expansão da geração nuclear no Brasil encontra-se consolidada nos sucessivos exercícios da Empresa de Planejamento Energético (EPE). O Brasil conta com substanciais reservas de Urânio (7% mundo, sexta posição), o que se constitui em condição necessária, ainda que não suficiente.

Apesar do extraordinário peso de renováveis na matriz brasileira, a futura expansão econômica do país exigirá complementaridade com fontes não-renováveis. Entre estas, a mais favorável, do ponto de vista ambiental ainda é a termonuclear. Supera, em muito, fontes como gás natural ou carvão.

Após os acidentes de Three Miles Island (EUA), Chernobil (Ucrânia) e Fukushima (Japão), a opinião publica mundial foi estimulada a condenar a tecnologia nuclear como alternativa para geração de energia elétrica. Alemanha, Japão e EUA anunciaram programas para descomissionamento de usinas em operação após 2011. Não obstante, os três países revisaram, recentemente, a política de eliminação de geração termonuclear das respectivas matrizes energéticas. França e Canadá, exportadores de tecnologia, possuem planos de expansão arrojados, assim como China, Inglaterra e Índia. Provavelmente antecipando-se elevações no preço do petróleo nos próximos anos. A alternativa euro-asiática para fechamento das usinas é a importação de energia não-renovável, seja carvão, óleo ou gás natural.

Em síntese, o Ministério da Fazenda/Tesouro, a Eletronuclear/Eletrobrás/Ministério da Energia, a ANEEL e o BNDES, nesta ordem, compartilham responsabilidade de coordenarem soluções financeiras que equacionem a situação da Eletronuclear, tomando-se como premissa a urgência da expansão da oferta de energia, da industrialização e da criação de empregos no país.

 
 
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