O pós-guerra desemboca,
quase que de imediato, na
divisão do mundo em dois
blocos antagônicos: o dos
países socialistas,
liderados pela URSS; e o dos
capitalistas alinhados com
os EUA. Foi o início da
chamada Guerra Fria. A fase
de reconstrução propiciou
período de crescimento
econômico significativo em
muitos países de ambos os
blocos até o final dos anos
70. A queda do Muro de
Berlim, em 1989, foi o marco
histórico do fim dessa
época.
O desenvolvimento econômico
dos países ocidentais no
pós-guerra arrefeceu, em
parte, as contradições do
sistema capitalista nos
países centrais. O Estado do
bem-estar social (Welfare
State) manteve o
conflito de interesses entre
as classes sob relativo
controle. Além do que, a
simples existência de um
contraponto representado
pelo bloco socialista
obrigava as elites dos
países capitalistas a
fazerem concessões às
classes trabalhadoras para
evitar qualquer tipo de
simpatia pelo bloco
adversário e seus ideais
igualitários. O campo da
esquerda fortaleceu-se na
Europa Ocidental, em
especial, na Itália e França
e, como decorrência da
redemocratização, em países
como Grécia, Portugal e
Espanha.
O desenvolvimento
tecnológico tornou possível
a abundância, cabendo ao
Estado e à representação
política garantir a
prosperidade social,
gerenciando a redistribuição
da renda advinda do
crescimento econômico. Tal
descrição da realidade
socioeconômica é bastante
válida, ao menos, para os
países centrais. Na
periferia do sistema, os
conflitos sociais mantiveram
seus contornos dramáticos,
com algumas ilhas pontuais
de tranquilidade e
crescimento relativo da
economia.
Em paralelo ao sucesso da
social democracia europeia
do pós-guerra, uma discreta
porém bem articulada reação
teórico acadêmica contra o
Estado intervencionista e de
bem-estar social é
desenvolvida na Europa. O
marco inicial dessa corrente
é a publicação do livro O
Caminho da Servidão, de
Friedrich Hayek (1899-1992),
vencedor do prêmio Nobel de
Economia de 1974. É uma obra
de defesa intransigente dos
mecanismos de mercado
enquanto elementos únicos de
promoção do desenvolvimento
econômico e social dos
povos. Nessa perspectiva, a
intervenção do Estado, por
menor que seja, é vista como
uma ameaça frontal às
liberdades econômica e
política.
Hayek reuniu, em Mont
Pèlerin – Suíça, em 1947, um
grupo de pensadores e
economistas de orientação
ideológica liberal para
avaliar as tendências da
economia mundial e
estabelecer uma estratégia
comum de atuação. Estiveram
presentes não somente
adversários firmes do Estado
do bem-estar europeu, mas
também inimigos declarados
do New Deal norte-americano:
Milton Friedman (1912-2006),
Karl Popper (1902-1994),
Lionel Robbins (1898-1994),
Ludwig Von Mises
(1881-1973), George Stigler
(1911-1991), Walter Eucken
(1891-1950), Walter Lippmann
(1889-1974), Michael Polanyi
(1891-1976), Salvador de
Madariaga (1886-1978), entre
outros. Desse encontro surge
a Sociedade de Mont Pèlerin,
uma associação de
revalorização do liberalismo
econômico que desembocaria
mais tarde no ideário
neoliberal. Seu propósito
era combater o keynesianismo
e as diversas matizes de
socialismo.
O objetivo final seria
preparar as bases
conceituais, os alicerces
para o retorno à essência do
capitalismo – eliminação de
qualquer tipo de
intervencionismo estatal e
liberdade absoluta para a
atuação das forças de
mercado, sem nenhuma forma
de regulação.
Dadas as bases teóricas e
direcionadores de ação e as
políticas neoliberais
implantadas, a princípio,
pelos países anglo-saxões a
partir do último quartel do
séc. XX, as classes
trabalhadoras sofreram duro
golpe tanto nas conquistas
consubstanciadas no Estado
do bem-estar social quanto
no espaço político de sua
representação. A queda do
socialismo real trouxe ainda
mais munição para o arsenal
do liberalismo renovado. A
dimensão política foi sendo
esvaziada progressivamente
de seu conteúdo
transformador. A política –
e com ela os elementos mais
participativos da democracia
– foi relegada à ‘gestão da
coisa pública’. O conceito
de gestão foi transposto da
seara do mundo corporativo
para a administração
pública, na forma do
discurso gerencialista.
A corrente liberal ganhou
força não só nos países
centrais do sistema, mas
também nas economias
periféricas, incluso o
Brasil. A imperturbável
vitória do liberalismo
econômico e político, para
essa matriz ideológica,
significou não apenas o fim
da Guerra Fria, ou a
consumação de um determinado
período da história, mas o
próprio fim da História como
tal: isto é, o ponto final
da evolução da humanidade.
A força do capitalismo e sua
economia de mercado, no
plano econômico, e a
universalização da
democracia liberal
representativa, no plano
político, seriam a expressão
definitiva desse ápice
civilizacional. Essa foi a
constatação de alguns
intelectuais orgânicos do
sistema. O pensamento ícone
deste período é o do
assessor do então presidente
norte-americano Ronald
Reagan (1911-2004), Francis
Fukuyama. É dele a tese do
fim da história nesse final
do século XX. Ele escreveu
um ensaio original – mais
tarde transformado em livro
– propondo que a humanidade
atingira o ponto final de
sua evolução ideológica com
o triunfo da democracia
liberal. O equivalente na
economia dessa resultante
histórica seria o
capitalismo liberal. Com as
derrotas do fascismo e do
socialismo real, esse seria
o único caminho a ser
trilhado pela humanidade.
Todavia, a crise de 2007/8
abala a onda triunfalista
neoliberal. O culto ao
mercado desregulamentado, a
defesa intransigente do
Estado mínimo, a
incorporação pela
administração pública das
práticas de gestão baseadas
no discurso gerencialista
das grandes corporações –
principais pilares do novo
liberalismo – foram
atingidos em cheio pela
crise. O Estado mostrou-se
muito mais vital para o
equilíbrio do sistema
capitalista do que
preconizava o discurso
liberal.
A desregulamentação do
mercado, em especial o
mercado financeiro,
promovida na era
Reagan/Thatcher, agudizou a
concentração de capital nas
mãos de grandes
conglomerados financeiros,
provocando a alavancagem dos
bancos e movimentos
especulativos a níveis
inimagináveis – as
denominadas ‘bolhas
especulativas’. Essa
tendência foi uma das
determinantes da crise que
se iniciou em Wall Street,
se espalhou pelas economias
centrais, e cujo desenrolar
encontra-se longe de ter
chegado a termo.
A crise sistêmica foi
evitada graças à intervenção
anticíclica dos bancos
centrais e outras
instituições estatais na
liberação de crédito (BNDES
inclusive) para a
cambaleante economia
ocidental, sem falar no
efeito revitalizador
provocado pelo dinamismo das
economias dos países
emergentes, tais como China
e Índia.
As recentes tragédias humanitárias e ambientais têm deixado claro o
imbróglio civilizacional em
que estamos metidos, caso
insistamos nesse modelo
mental do liberalismo. O
fato inequívoco é que: a
efetiva elevação da
qualidade da vida humana não
tem sido o objetivo
principal do sistema no
mundo, mas um subproduto; a
ocupação básica tem sido
acumular capital. Onde
surgiu um conflito entre
fazer dinheiro e elevar o
padrão de vida alicerçado na
segurança coletiva, a
preeminência tem sido do
primeiro. O drama dos
refugiados, Mariana e
Brumadinho são exemplos
emblemáticos dessa situação. |